21.8.12

PARIS SEM GLAMOUR


Paris me surpreendeu de diversas maneiras e uma delas não foi positiva. Após alguns dias entre museus, templos, passeios, praças e pontos turísticos, minha ficha caiu e percebi que havia escapado de várias situações estranhas.

A primeira cena assustadora foi logo na minha chegada vindo do aeroporto Charles De Gaulle. Ainda no metrô, na estação do Arco do Triunfo, vi um jovem negro dando socos no rosto de um rapaz louro. Um segurava o outro pela gola enquanto desferia uma saraivada de socos no seu rosto. E isso acontecia na maior naturalidade enquanto as pessoas caminhavam. Quando passei, puxando minha mala, olhei, surpreso, a cena. O agressor me encarou como quem diz: vai encarar! Logicamente, desviei o olhar e me afastei antes que sobrasse algum para mim.

Surpreendi-me com o número de mendigos nas calçadas da cidade. Naquele frio eles dormem ao relento ou sob a chuva com pouco agasalho. No metrô também tem mendigos. Tirei duas fotos, uma do mendigo da Rue du Rivoli por onde eu passava todos os dias em direção à Toulherias. Ele tinha um cachorro e um celular. O outro tinha dois gatinhos e seu ponto era ao lado da Igreja Madaleine, era o mendigo da Rue Royale. 

Outra experiência assustadora foi quando quase fui depenado ao desembarcar da Gare du Nord chegando de trem da Alemanha. Eu, desorientado como sou, saí da estação pela porta onde os táxis deixam os passageiros e não pela porta em que os passageiros pegam os táxis. Estava com minha mala e tentava pegar um táxi, mas nenhum parava. Não conseguia entender a razão, até que um rapaz estranhamente solícito (parisiense solícito é para se desconfiar) me abordou dizendo que se eu queria um táxi deveria segui-lo. Caminhei atrás dele por alguns segundos, mas algo me disse que aquilo era uma roubada. Além disso, ele parecia mais marroquino do que francês. Rapidamente, voltei para a estação e vi a placa indicando o ponto de táxi. O meu “solícito” ajudante demonstrou seu desapontamento e sumiu atrás de outra vítima. Fiquei me imaginando sem mala, sem roupas, sem passaporte ou dinheiro. Isso no centro de Paris.

Presenciei mais três cenas seguidas desconcertantes. A primeira, ao cruzar a catraca do metrô Les Halles. Só dá pra passar uma pessoa por vez após inserir o bilhete. Estava passando quando um cara completamente estranho se encostou em mim e me empurrou para a frente. Deu um sorriso sem graça e seguiu. Só então percebi que ele passou junto comigo na catraca para não pagar. Às vezes as pessoas que não têm dinheiro usam esse método, mas achei estranho ele fazer isso comigo sem me pedir ou me conhecer. Depois pensei que ele poderia ter roubado a carteira do meu bolso. Passei a levar a carteira na mochila.

Logo após essa cena, quando eu e dois colegas de viagem entramos num mercado para comprar leite, pão, frios, essas coisas, vimos um homem mal encarado entrar e sair tranquilamente com uma coisa grande no bolso do casaco, tipo um produto caro. Só tinha a moça do caixa e ela não viu nada. Ele roubou na maior facilidade e ainda deu uma risadinha para mim.

E imediatamente após essa cena passamos pela frente de um restaurante na Rue Saint Honoré, onde ficava nosso apartamento, carregando as compras, quando vimos um grupo de três jovens jantando do lado de fora, como é comum em Paris. Achei estranho, pois estava chovendo e apesar de haver um toldo, eles preferiam comer do lado de fora em vez de ficar no interior com aquecimento. Confesso também que desconfiei dos três caras pelos seus tipos meio desleixados e largados comendo num restaurante daqueles. De repente, quando estávamos mais à frente, ouvimos uma gritaria e eram os três caras desembestados, pela calçada, para não pagar a conta do restaurante. Entraram à toda pela estação do Metrô do Louvre e sumiram. Isso também é Paris

Travei lutas difíceis também com um guarda-volumes no primeiro dia que fiquei no Albergue da Juventude (tem algo com menos glamour do que ficar num albergue nos arredores de Paris?). Pois o maldito guarda volumes do lugar é a solução para a política do albergue de não se responsabilizar por objetos deixados nos quartos. Eles deixam isso tão claro na chegada que fica-se com a impressão de que a gente deve mesmo tomar cuidado e usar os guarda volumes se não quiser surpresas desagradáveis. O sistema do tal guarda volumes do albergue é bem prático, com todas as instruções, inclusive em inglês, o que é raro na França, o que me facilita já que não entendo praticamente nada de francês. Mas meu maior talento é não entender instruções seja em que língua for.

Precisava guardar uma mala grande e uma sacola em dois guarda volumes com preços diferentes. Quando as portas se abrem, a gente tem que enfiar as malas e fechar. Então de cada uma das portas saí um cartão que a gente usa para retirar a mala de novo quando precisar. O tal cartão vale por 24 horas e se você não tirar a bagagem nesse tempo a porta se abre e sua bagagem fica exposta.

Só que resolvi abrir de novo um dos compartimentos para guardar meu netbook e não fiquei atento à regra que diz que só se pode abrir uma vez por 10 segundos ou algo assim. Não sei o que aconteceu, talvez eu tenha demorado demais com a porta aberta, mas a maldita máquina engoliu meu cartão e sem ele eu não conseguiria mais abrir a porta. Fui pedir ajuda ao rapaz da recepção e como todo francês, ele demonstrou, com sua eloquência blasé, uma grave irritação e um profundo desprezo por ter que abrir a porta para mim. Fiquei com medo de apanhar.
            Para encerrar o capítulo Paris sem glamour, após um passeio pelo Montmarte e a Sacre Coeur, finalizamos uma tarde agradável em pleno Pigale, onde está localizado o famoso Moulin Rouge e onde se concentram as maiores sex shops da cidade. Exploramos as maiores, um ambiente que cheira a sexo e decadência. Não recomendo uma visita noturna, apesar de que em 1995 e em 1998 eu já havia estado lá à noite.

Saímos de lá no final da tarde com os neóns das fachadas pornôs já ligados e o Moulin Rouge acesso, todo iluminado de vermelho. A noite fria e chuvosa chegou e nos apanhou comendo fatias de pizza vegetariana embrulhadas em papel alumínio em um banco de jardim, com latas de coca cola. Três hereges em Paris, a capital do vinho e da gastronomia, comendo fatias de... Bem, como dizem os insuportáveis parisieneses quando querem ser mais insuportáveis do que o habitual: “Je sui désolé”.

Mais falta de glamour, impossível.

1 comment:

Unknown said...

Esta foto e a do Jardim de Luxemburgo merecem um prêmio!