29.7.12

Batman, O Cavaleiro das Trevas Ressurge


Fui assistir a Batman, O Cavaleiro das Trevas Ressurge, filme com que Christopher Nolan encerra a trilogia iniciada com Batman Begins, seguida de O Cavaleiro das Trevas e saí do cinema com uma certeza: essa praia super-heróis não é a minha.

Talvez eu devesse ganhar algum dinheiro para escrever sobre super-heróis. Assim, quem sabe, me interessasse entender vários aspectos das suas histórias: suas motivações psicológicas, sua psique complexa, sua ideologia messiânica, a necessidade dos seus fãs de idolatrá-los, sua presença avassaladora na cultura pop, a indústria gigantesca que move rios de dinheiro com seus subprodutos comerciais, o nerdismo dos viciados em fantasias e roupas apertadas, máscaras diversas, superpoderes mirabolantes, identidades secretas e inimigos números 1.

Talvez devesse me enfronhar na análise junguiana ou freudiana ou nos textos do psiquiatra Otto Rank sobre “O Mito do Nascimento do Herói” ou reler, com calma, e talvez entender, o tal Übermensch, o Super-Homem, que Nietzsche descreve em Assim Falou Zaratustra...Bem, há histórias de heróis mais interessantes e profundas do que as dos gibis da Marvel e DC Comics, e suas transposições para telas. Dizer isso certamente soa blasé e arrogante, mas reconheço que também não tenho a paciência abissal necessária e nem tempo para mergulhos mais profundos em Nietzsche, Freud, Jung e outros cabeções, que é o único modo de entender os heróis. 

Mas também pra que entender?  O negócio é diversão ou entrei na sala errada? Não estou louvando os filmes bobocas de ação pura e pancadaria generalizada, mas essa psicologia maciça e discussão sobre a alma também cansa. O problema nesse filme novo do Batman é que o diretor mistura pancadaria barata com diálogos de puro clichê e análise psicológica de drama bem raso. E assim, ele agrada a todos os lados: os que buscam adrenalina e os que garimpam conteúdo. Engana a outros, não a mim.

Por isso fico impressionado com artigos de críticos de cinema, como o de Isabela Boscov, na Veja, repleto de superlativos e louvações à profundidade dos diálogos do filme, começando o comentário com uma interjeição forte: “Meu Deus do céu!”, para seguir desfiando elogios rasgados ao diretor Cristopher Nolan que finaliza, ufa, sua trilogia do morcego. E tome-lhe: “virtuosismo técnico incomparável, roteiro da mais alta qualidade, capacidade de casar emoção explosiva com emoção genuína, filme absolutamente imperdível” A mulher gostou mesmo!!!

E o crítico do Jornal do Brasil, Filipe Quintans, incensa de confetes: “Tudo é gigantesco e pleno de fisicalidade. E deve ser. A trilogia é encerrada no volume de um trovão e com o impacto de dez deles. Quem vai ao cinema paga por sonhos. O Cavaleiro das Trevas Ressurge é uma coleção de ‘Grandes Eventos’ e dá ao espectador o exato tamanho de todos eles. Trata-se do melhor filme de seu gênero e, com a quantidade exata de boa vontade e apreço pela arte, o melhor filme de 2012”. Esse Quintans, pelo jeito, gostou até mais do que Isabela Boscov .

Mas pena mesmo foi ler o texto de Luiz Carlos Meten do Estadão, um crítico de alto nível: “‘Batman Begins’ me provocou uma comoção, o 2, ‘Cavaleiro das Trevas’, me impactou mais ainda e o 3 me deixou em prantos. Estou convencido de que Nolan é gênio”. Fico imaginando o homem, de certa idade, chorando enquanto na tela rolam diálogos absolutamente pueris. 

Sei não...mas essa escuridão toda é demais para meu Rivotril. Para começar, temos um Batman (Christian Bale) banido e escondido por oito anos nas cavernas sombrias da mansão Wayne; um Bruce Wayne de luto fechado, num ostracismo amargurado meio caquético; um promotor-vilão defunto (Aaron Eckhart), louvado como herói; um mordomo Alfred (Michael Caine) sorumbático e nostálgico; um comissário Gordon (Gary Oldman) carregado de complexo de culpa; policiais sem autoestima (Mattew Modine e Joseph Gordon-Levitt); órfãos para todos os lados; um vilão mascarado originário da escuridão (Tom Hardy); uma mulher-gato ladra desesperada para desaparecer nas sombras do oblívio (Anne Hathaway), uma milionária obscura de passado misterioso (Marion Cotillard). Como diria o menino prodígio: Santa  Morbidez, Batman!

Essa suposta profundidade de diálogos e roteiro a que se referem os críticos aparentemente não se aplica às cenas de briga em que não importa de vilão e herói dispõem de armas de grosso calibre para se matarem mutuamente. Na hora da briga cara a cara os marmanjos recorrem aos velhos e manjados socos que estamos cansados de ver em filmes B de pancadaria ou em competições de MMA. É a hora em que o diretor deixa toda a conversa mole e o psicologismo barato de lado e cede ao verdadeiro vício secreto de todo fã nerd: testosterona. É pena que a direção de arte economize na verba da hemoglobina, pois saraivadas de soco na cara pode, mas sem respingos de sangue para não manchar a capa do morcego.

Ai que preguiça. Acho que passei da idade.

25.7.12

Na Estrada


Há algumas semanas, assisti ao aguardado filme de Walter Salles: Na Estrada. Por alguma razão, há dias, tentava escrever a respeito, mas havia tantas coisas para dizer que batia um bloqueio. Talvez porque o filme me decepcionou um pouco; talvez porque, na adolescência, maravilhado, li On The Road, livro de Jack Kerouac no qual o filme se baseia; talvez porque sou fã de carteirinha dos filmes de Walter Salles: Central do Brasil, Diários de Motocicleta, Abril Despedaçado e Terra Estrangeira, obras-primas repletas de belas imagens, soberbas interpretações, montagens, fotografias, direção e músicas primorosas. Então por que o bloqueio?

Salvou-me o texto sempre ininteligível de Caetano Veloso na sua coluna do último domingo. Lá, o múltiplo Caetano diz que não assistira ainda ao filme nem lera o livro. Ora, se o próprio Caetano (com opinião sobre tudo) não opinou, por que eu deveria me sentir mal por não conseguir escrever um artigo? Quem sabe no domingo seguinte Caetano já tenha resolvido ambos os problemas: lido On The Road e assistido a Na Estrada e nos brinde com uma opinião em que se entenda ao menos um parágrafo?

Justiça seja feita: Caetano escreve com o mesmo recurso de estilo de Jack Kerouac, os famosos fluxos de pensamento, em que as ideias caem no papel diretamente dos dedos, sem a intermediação da consciência crítica. Assim escreve o filho de Canô e assim também faziam os autores que ele cita na sua coluna como preferidos: Allen Ginsberg, Gertrude Stein, Marcel Proust, Scott Fitzerald, William Faulkner e James Joyce. Todos eles, autores cabeções. Mas é impossível não rir quando o mano de Bethânia escreve que Truman Capote declarou sobre On The Road: “Isso não é literatura, é datilografia”. O que diria o autor de Bonequinha de Luxo e A Sangue Frio sobre os artigos de Caetano? Se houvesse computador naquele tempo, a frase seria: “Isso não é crônica, é digitação”. E Caetano gargalharia.

Mas, afinal, este não é um artigo sobre Caetano, mas sobre Na Estrada e está na hora de encarar o tema.  Mas antes faço eco a um questionamento feito pelo meu colega PC Alves quando escreveu uma crítica sobre o filme: “Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios” na edição 422 do Falajuf, de 15/05   

Segundo PC Alves, que lera o livro de Marçal Aquino que originou o filme de Beto Brant: “A primeira questão diz respeito à adaptação de um livro para o cinema. Até que ponto pode existir uma correspondência?” Concluindo que “cada arte tem seus códigos particulares, mobiliza diferentes sentidos, estimula percepções diversas. Na transposição de uma linguagem a outra, portanto, deve existir uma recriação, que pode ou não alcançar o mesmo nível do original, ou até ultrapassá-lo”.

Era neste ponto que eu queria chegar. Foi o que mais me incomodou em Na Estrada. O filme de Walter Salles se baseia num livro que marcou gerações, considerada a “Bíblia” Beatnik,  texto seminal do movimento sócio-cultural dos anos 50 e 60 que distinguiu um novo estilo de vida: anti-materialista, musical e hedonista que flertou com o budismo, a liberdade sexual, o consumo de drogas

Li On The Road na adolescência, assim como milhões de outros jovens  pelo mundo. A versão original, datilografada em um rolo de papel de quase 40 metros foi considerada impublicável pela ausência de vírgulas e parágrafos. A sua leitura foi uma experiência arrebatadora e dá uma grande pena saber que muitas pessoas atingiram a idade adulta sem terem lido On The Road na idade certa para fazê-lo. Dificilmente o impacto causado em alguém mais velho seria o mesmo.

E muito mais dificilmente o filme atinge o impacto do livro. Sei que é uma imensa responsabilidade para qualquer diretor adaptar para as telas uma obra clássica, assim como aponta o colega PC Alves: na transposição de uma linguagem para a outra deve existir uma recriação, que pode ou não alcançar o mesmo nível do original. E aqui está uma tarefa inglória e impossível que Walter Salles talvez tenha tentado abraçar em vão, como se desse um passo além das pernas.

O filme talvez alcance, afinal, dois públicos distintos: os fãs de Kerouac e os que não leram On The Road. Aos primeiros, é improvável que a película não gere certa sensação de desgosto; para os segundos pode ser apenas um road movie sobre um bando de malucos drogados que se jogam na estrada, ouvem jazz e blues e transam como se o mundo fosse acabar no dia seguinte. E não é só isso. Não é mesmo!

A crítica Natalia Bridi, do site Omelete, especializado em cinema, aponta uma película “de final melancólico, enquanto no livro vê-se apenas euforia - o que pode causar estranhamento para alguns” e conclui: “falta a Na Estrada não conseguir, enquanto adaptação, vencer a barreira entre inspirado e inspirador. O filme é um retrato sensível do livro e do seu autor, mas não consegue se firmar como obra em si”.

Ao ser apresentado no último festival de Cannes, o filme, que levou mais de 50 anos para chegar às telas, dividiu a crítica. O jornal britânico The Guardian, escreveu: "é uma celebração com olhos vidrados do narcisismo e da autoabsorção". No site do periódico o crítico alfinetou: "Belas cenas e uma tristeza comovente não compensam o ar tedioso de autocongratulação".

O site Time Out London, definiu o filme como "longo e tedioso. O grito rebelde de On the road agora parece mudo e até um pouco embaraçoso". O The Telegraph também não gostou e diz: "Na estrada corre o risco de confirmar as especulações de que On the road, de Kerouac, é inadaptável para o cinema. O filme rapidamente se instala em um ritmo tedioso".

Mas afinal, o que achou Caetano?