24.4.16

WYLLYS E BOLSONARO: OS MUTUALISTAS


 

Na obra máxima do Nobel português José Saramago, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, há uma passagem célebre em que Deus e o Diabo decidem o destino de Jesus. Deus já tem tudo traçado, mas o Diabo intervém e propõe que Jesus não morra na cruz. O Diabo oferece um pacto a Deus: ele deixaria de representar o Mal, Deus o aceitaria de volta no céu e a disputa entre o Bem e o Mal acabaria, poupando o sofrimento de Jesus e a perda de milhões de vidas em guerras religiosas.

No entanto Deus responde: “Quero-te como és, e, se possível ainda pior do que és agora porque este Bem que eu sou não existiria sem esse Mal que tu és. Se tu acabas, eu acabo. Para que eu seja o Bem, é necessário que tu continues a ser o Mal. Se o Diabo não vive como o Diabo, Deus não vive como Deus. A morte de um seria a morte do outro”.

Lembrei-me dessa passagem quando vi a proporção que tomou a disputa entre os deputados federais Jair Bolsonaro e Jean Wyllys na votação da admissibilidade do impeachment na Câmara dos Deputados quando Bolsonaro defendeu um torturador e Wyllys cuspiu no colega.

Partidários de ambos os lados passaram a se agredir, como sói acontecer nas redes sociais. Além de antípodas, um votou a favor e o outro votou contra o impeachment, o tema que hoje mais acirra os ânimos.  

Mas, no fundo, acredito que os dois políticos são as duas faces da mesma moeda. Jean Wyllys foi eleito pela primeira vez deputado federal pelo Rio de Janeiro em 2010 com apenas 13 mil votos. Não atingiu o mínimo necessário e só chegou a Brasília arrastado pelos votos do deputado Chico Alencar do PSOL. Na eleição seguinte, em 2014, ele teve dez vezes a sua votação anterior chegando a 144 mil votos. Foi o 7º mais votado do Rio e acabou sendo escolhido, em votação na internet, o melhor deputado em 2015. O que aconteceu nesse intervalo que fez o deputado ex-BBB ter tal upgrade?

Vejamos o outro lado. Bolsonaro, que está no seu sexto mandato foi o deputado federal mais votado no Rio de Janeiro e ainda elegeu dois filhos com pensamentos políticos idênticos. A votação de Bolsonaro em 2014 foi o quádruplo da sua votação em 2010. Passou de 120 mil votos para 464 mil votos. Pulou de 11º mais votado para o 1º lugar.

O que aconteceu entre 2010 e 2014 foi bom para ambos. A disputa entre Wyllys e Bolsonaro rendeu dez vezes mais votos para o primeiro e quatro vezes mais votos para o segundo. A rixa entre eles gera frutos para ambos. Quando Bolsonaro tem os holofotes sobre si ao elogiar um torturador, Wyllys não quer ficar atrás no quesito originalidade e desfere cusparadas no colega. Ambos são mutualistas cuja definição é: “Tipo de interação entre duas espécies que se beneficiam reciprocamente da associação entre elas de forma obrigatória (simbiose) ou facultativa”.

Sou totalmente avesso às pregações nazistas e homofóbicas de Bolsonaro, acho-o repugnante e atroz, mas lembro que ele não caiu na Câmara dos Deputados de paraquedas. Foi eleito e representa o pensamento de milhares de eleitores, assim como Wyllys. Ao se opor a Wyllys, Bolsonaro lucra votos, como já foi demonstrado. Wyllys ao cuspir no colega cumpre à risca a trajetória bem sucedida que traçou para si e que gera frutos e votos. Trata-se do anti-Bolsonaro.

Engana-se quem pensa que eles se excluem. Como Deus e o Diabo no livro de Saramago, um deve agradecer pela existência do outro.