27.9.07

Isto não é uma tese


Não! Tese, não é! Talvez uma hipótese, uma obsessão, vá lá! Quem dera atingisse o nível de aprofundamento que a perfeição em forma de texto, tipo: “Não esqueça a minha caloi” ou “compre batom! compre batom!”, slogans que quem está em torno dos 40 deve, obrigatoriamente, conhecer....mas, je divague...

Falava de hipótese. Pois bem, a minha hipótese, que carece de qualquer comprovação científica, pressupostos epistemológicos ou consistência lógica, é a de que Dona Canô é uma invenção da mente de Caetano Veloso.

Parece uma frase de impacto não é? Mas, como em toda boa teoria de conspiração, há mais perguntas do que respostas. Relembrando: isto não é uma tese, mas uma obsessão.

Pergunta: Quem não nasceu em Santo Amaro da Purificação, não tem sobrenome Veloso nem namorou/casou/dormiu/cantou/tocou/fumou/bebeu ou comeu moqueca com um dos muitos Velosos, por que precisa ser bombardeado com informações completamente irrelevantes sobre a criatura Dona Canô?

Para qualquer leonino, a fama que Caetano possui já seria suficiente. Só que leoninos têm o péssimo hábito da generosidade. Isso não é divulgado. Costuma-se criticar leoninos pela sua vaidade, mas quem consultar qualquer bom horóscopo vai encontrar lá, como característica do leonino a generosidade.

Então aqui temos a primeira parte da teia da conspiração. Caetano é tão generoso em sua vaidade que precisa despejar sua fama excessiva sobre a mãe, Canô? Pausa para explicar as terminologias utilizadas nessa conspiração. Canô existe sim. A mãe de Caetano e Bethânia, bem entendidos. Já Dona Canô são outros quinhentos. Repito: é uma criação de Caetano.

Dona Canô seria uma criatura nascida do profundo complexo de Édipo de Caetano. Acompanhe meu raciocínio conspiratório: Quando você ouviu falar na criatura Canô pela primeira vez? Seria em 1986 quando Caetano dirigiu Cinema Falado? Seu filme experimental muito falado e pouco assistido? Ali Canô já dava as caras velhas (aparentemente ela sempre foi velha) debaixo das asas do filho famoso. Mas, convenhamos, para Caetano não era suficiente, a velha precisava de mais apelo popular. E cinema brasileiro, ainda mais experimental, não renderia a fama de que ele precisava.


Em 1978 ele lançara o LP Muito, em cuja capa branca via-se um círculo azul com a foto de Caetano deitado no colo na mãe. Meio Édipo meio Pietá. E o que se diz da letra de Jenipapo Absoluto, do disco Estrangeiro, de 1989?: “Tudo são trechos que escuto: vêm dela / Pois minha mãe é minha voz”. No mesmo ano, ele escreveu para a Mana Bethânia cantar a música Reconvexo cujos versos pergunta: “Quem não rezou a novena de Dona Canô?”. Mas como a letra da canção prendia a velha Canô em rimas como “suingue de Henri Salvador/ Olodum balançando o Pelô/ risada de Andy Warhol/ mendigo Joãozinho Beija-Flor/elegância sutil de Bobô”, a velha senhora ficou ali, meio perdida entre Pelô e Bobô. Fama, fama ainda não estava garantida, mas, de qualquer modo, já dava para a pessoa sentir que se perdeu a tal novena canônica teve ter perdido uma bela de uma farra. Pelo menos a ela acompanhavam as palavras suingue, balançando, risada, elegância sutil....que novena essa deve ser....


Mas aí Caetano, persistente, escreveu, em 1997, seu livro Verdade Tropical. Livro pouco lido (eu li), mas que dá certo charme espinafrar, como, de resto, dá charme criticar Caetano que debocha dos críticos porque além não atingirem sua capacidade intelectual, ninguém além dele e Canô, sabe dançar aquela dancinha, com as costas de uma das mãos na cintura, corpo arqueado para frente e passinhos miudinhos para trás: a Canô dance.


Voltando ao livro que poucos leram, Caetano narrava ali a frase que a mãe teria dito referindo-se a Gilberto Gil: “Caetano, venha ver aquele preto que você gosta”. Tal frase e sua velha autora continuariam no ostracismo santamarense e Canô não seria alvo de romarias e promessas se Caetano, novamente achando que cinema, música e livro não eram suficientes para aplacar a sua culpa/fama edipiana, fez em 1998 seu cd/show/dvd Prenda Minha.


A indústria cultural é um novelo sem fim. Devidamente desenrolado gera famas e fortunas. Em um momento do cd/show/dvd, dramaticamente, Caetano abre o próprio livro Verdade Tropical e lê textualmente: “Lembro com muito gosto o modo como ela se referia a ele. Pelo menos ela o fez uma vez e isso ficou marcado muito fundo dizendo Caetano, Venha ver aquele preto que você gosta....”


Eu estava no TCA e assisti a este show. Vi a platéia aplaudir cada gesto de Caetano, como o simples ato de ele pegar o próprio livro...aplausos....abrir o estojo de óculos, ajeitar os óculos no rosto...aplausos.... fechar o estojo com certa afetação e um clic amplificado pelos microfones....aplausos para o clic....Caetano precisava desesperadamente derramar sua fama sobre a mãe. Um espírito em busca de um corpo para ungir, uma idéia vagando em busca de uma antena para reverberar. O filho gemia em plena ribalta: incensem minha mãe!!!


Até que atenderam suas preces. Neguinho do Samba entendeu o recado e compôs para Daniela Mercury gravar nos últimos anos daquele milênio: “Dona Canô chamou, eu vou Dona Canô chamou, eu já me vou Dona Cano”. A música, ótima, pega mesmo, principalmente devido à voz privilegiada de Daniela e ao arranjo percursivo do genial Neguinho do Samba. Pronto. Era a senha.


Dona Canô levanta e anda! Deixa definitivamente os bastidores e vem à boca de cena cercada de pompa e circunstância. ACM, nos seus tempos de vivo, pedia-lhe a bênção, hoje isso já é uma cláusula pétrea. Cerca-a a entourage, a criadagem de iaiá e as rodrigas. Canô não anda, desfila. Claudica e a cada claudicar velhas, menos velhas, estão ali para ampará-la numa queda que nunca chega. Cada frase que diz é ouvida com uma pausa reverente, como um pronunciamento repleto de significados sapientíssimos. Se ela diz: “Eu gosto de moqueca de tainha”, logo reina um silêncio denso. Lábios se franzem, cabeças balançam. Todos se calam em respeito. Canô sabe o efeito que causa. Se algo não lhe falta é lucidez. Caetano criou um monstro.


Minha teoria da conspiração iria adiante se eu fosse analisar o papel dos demais filhos, netos e agregados, mas eu não terminaria jamais....A mulher já fez 100 anos, foi canonizada em vida, o que é que eu quero mais falando dessa velha e da sua família folgazã?

16.9.07

Duendes, jegues, Canô e outras crenças


Duendes crescem nos jardins como taturanas lisérgicas. Acredite nos duendes, pois eles, devidamente cativados, serão eternamente responsáveis por você. Quem sabe um dia você esteja participando de um concurso de Miss Sauípe Folia e a prova que lhe dará o cetro e a coroa será desenhar um carneiro em uma redoma ou uma jibóia grávida....hmmm... bem avisei que duendes são lisérgicos.

Recomeçando: Acredito em duendes de jardim e em jegues, mas em Canô eu não sei se acredito. Mesmo Canô aparecendo, dia sim, dia também, na coluna social do Correio da Bahia, desfilando no Barra Fashion...Essa mulher insuportável desafia minha credulidade com sua voz enjoadinha como doce de abóbora. Não suporto esse doce. Prefiro o bom e velho jegue.

Terceira tentativa: Santa Canô do Subaé, rogai por nós pescadores, marisqueiros e discípulos de Edith do Prato. Canô é uma invenção, um case de marketing, uma ilusão histérica coletiva em uma missa barroca, uma imagem como aquelas que choram lágrimas de....digamos...dendê. A velha Canô vale para mim tanto quanto uma rave ao som do Arrocha. Acredito em lulas gigantes, no Arrocha e em papos de bêbado, mas em Canô não acredito.

Já que cheguei a esse nível de confissão vou acrescentar à lista da minha falta de crença: Deus, o Hino Nacional, a Seleção Brasileira de Futebol, Anúbis, Bento 16 e os habitantes do lado escuro da lua. Em ETs acredito, mas acho que eles é que não acreditam em mim.

Pronto. Falei mesmo! Não creio nessas coisas que todo mundo crê. Quando rezam o Pai Nosso eu recito, mentalmente, a letra de Festa no Apê! Quando cantam o Hino Nacional, imagino que é a Marselhesa. Quando o Brasil joga na Copa do Mundo sempre torço pelo adversário. Qualquer adversário. Um empate já acaba comigo. E quando vejo Canô na tv imagino que estou vendo um jegue. Logo as coisas ficam mais engraçadas. Essa técnica não falha e eu consigo fingir ser normal. Só não me peçam para gritar gol quando o Brasil marca. Aí já é pedir demais!

Prometi a mim mesmo que hoje fugiria da pauta, mas não sou bom com promessas feitas a mim mesmo. Sou auto enganável. Promessas feitas aos chefes sempre cumpro, mas comigo mesmo a história é outra. Por isso estou me traindo e falando do útero do século de Santo Amaro da Purificação no seu centenário, quando eu poderia estar roubando, seqüestrando, traficando influências no Senado, mas estou aqui, trabalhando honestamente.

É um deliro vão essa tentativa de fugir da pauta, pois meu contracheque exige atenção aos fatos do dia, demanda escrever sobre o seminário da semana, a comemoração e o evento da vez...Isso está incrustado na minha ficha funcional como uma ostra num rochedo. Preciso raspar bem o cérebro para ver se aparece algo por trás da pátina da pauta lúcida, algo mais irracional. Um duende bêbado já estaria de bom tamanho.

Essa página é uma bóia revolta num oceano de calmaria. Santa Canô da Purificação, salvai-me da pauta diária...Dai-me algo para gritar que não soe banal demais...Delírios de um pauteiro...Canô me assombra. Pelo menos eu acredito em jegues!