25.4.08

Culpa com Feriados Diferentes V


Esta é a quinta edição da coluna “Culpa com Feriados Diferentes”. Já espicacei nessas semanas meus amigos cristãos com provocações diversas aos seus ídolos sagrados, mas não fui honrado com uma defesa à altura da sua fé. Como as pessoas têm suas crenças atacados e não as defendem? E olhe que não tenho poupado munição. Onde estão os cristãos? Por que não se defendem de um franco atirador? Será que esta coluna tem textos tão inexpressivos que não merecem uma mísera réplica?.
Já citei na 1ª coluna desta série uma pesquisa realizada nos EUA pelo Gallup que mostra que entre 95% e 80% dos americanos votariam em uma mulher, um católico, um judeu, um negro, um mórmon ou um homossexual para presidente, mas menos de 50% votariam em um ateu.
Pois pesquisa recente encomendada pela VEJA, realizada pela CNT/Sensus, mostra que 84% dos brasileiros votariam em um negro para presidente, 57% dariam o voto a uma mulher, 32% aceitariam votar em um homossexual, mas apenas 13% votariam em um ateu. O levantamento mostra que, entre as minorias (racial, sexual, de gênero...), a mais rejeitada é a anti-religiosa.
A VEJA pergunta: faz sentido rejeitar alguém apenas por não acreditar em Deus? Eu acrescento: e faz sentido rejeitar um negro por ser negro, uma mulher por ser mulher ou um homossexual por ser homossexual? Faz sentido rejeitar alguém por ser o que é?

A historiadora paulista Eliane Moura Silva, especialista em religião, ela própria uma atéia, responde: "O brasileiro ainda entende o ateu como alguém sem caráter, sem ética, sem moral. É um entendimento que se espalha de modo homogêneo por todas as classes sociais.” Em suas aulas sobre ateísmo na Casa do Saber, instituição para intelectuais paulistas ricos, a platéia teve reação fortemente hostil às idéias ateístas.

A neurocientista Silvia Helena Cardoso, doutora em psicobiologia pela Universidade da Califórnia, publicou artigo num jornal de Campinas discutindo se os santos seriam esquizofrênicos, dada a freqüência com que tinham visões – ou alucinações. Recebeu tantas ameaças que abandonou o tema. O professor Antônio Flávio Pierucci, da USP, especialista em sociologia da religião, explica: "Os brasileiros não estão habituados a se confrontar com a realidade do ateu". Por isso os políticos dizem que ninguém é mais temente a Deus do que eles.

VEJA lembra que o Datafolha fez uma pesquisa sobre religiosidade do brasileiro quando Bento XVI esteve por aqui. A pesquisa relevou: 97% acreditam em Deus; 93% crêm que Jesus ressuscitou após a crucificação e 86% concordaram que Maria concebeu sendo virgem. “Com esses números explica-se porque o Brasil está entre os países mais crédulos do mundo. Isso numa era em que abundam descobertas científicas sobre a origem do universo e das espécies. Se a credulidade não se abala diante disso, é lícito questionar que nenhuma prova científica, por mais sólida e contundente, possa abalar a crença no divino.”

Duvido da consistência dessas respostas. Garanto que metade dos que dizem acreditar em Deus não crê em Adão, Eva, dilúvio ou outros dogmas bíblicos. Crer no que diz a Bíblia e no que provou Charles Darwin é como torcer ao mesmo tempo pelo Vasco e pelo Botafogo num jogo. É pior ainda, pois no caso da peleja de Deus X Darwin o empate é o único resultado impossível. Uma pessoa não pode ser criacionista e evolucionista ao mesmo tempo. Crer em Adão, Eva e também nos dinossauros não dá. Mas os cristãos não são exatamente modelos de coerência.

Para os ateus os crentes sempre fazem uma pergunta clichê: “Quem criou o universo?”. E sempre acham que fizerem “a pergunta destruidora”. Os ateus poderiam simplesmente devolver a pergunta com uma outra sob a mesma lógica: “Quem criou o criador?” O impasse é inevitável, mas a ausência de uma explicação natural não exige necessariamente uma explicação sobrenatural. Os religiosos se aproveitam de uma lacuna do conhecimento humano para preenchê-la com o pensamento mágico. A mágica fascina, mas só até descobrirmos o truque. E os truques vêm sendo descobertos e provados pela Ciência há tempos, mesmo sob severa oposição dos Houdinis e Mr. M. de batina.

Mas mesmo assim, acredite, a religião no Brasil está perdendo fôlego. De 1940 a 1970, menos de 1% dos brasileiros se assumiam sem religião. Mas de 1980 para cá esse índice saltou para 7,3%. Os sem-religião (ateus, agnósticos, secularistas, céticos ou aqueles com fé, mas sem-igreja) já são 12,5 milhões, o terceiro maior grupo, atrás apenas de católicos e evangélicos. Na Espanha, Alemanha e Inglaterra, menos da metade da população acredita em Deus. Na França, os crentes não chegam a 30%.

Segundo a pesquisa publicada pela VEJA, a Bahia é o terceiro estado com o maior número de não-religiosos. O Rio está em primeiro lugar. Salvador, entre as capitais, é a campeã nacional: 18% dos soteropolitanos não têm religião. A raiz do fenômeno que irriga a queda dos católicos proporcionalmente ao crescimento de evangélicos e de sem-religião está no fato de que os laços étnicos e culturais dos brasileiros estão se desfazendo como resultado da modernidade, do aumento da escolarização, da profissionalização e da mudança do antigo padrão dominante das famílias com pais quase sagrados de tão crentes e crédulos.
A literatura sobre ateísmo, nesse novo ambiente, tem feito grande sucesso, como é o caso dos best sellers "Deus, um Delírio", do biólogo Richard Dawkins; "Deus Não É Grande", do jornalista Christopher Hitchens, de "Carta a uma Nação Cristã", do filósofo Sam Harris, um manifesto em defesa do ateísmo e do Tratado de Ateologia, do filósofo francês Michel Onfray. Também foi recentemente lançado com grande furor “O Livro Negro do Cristianismo-Dois mil anos de crimes em nome de Deus”. Uma porrada no juízo em qualquer cristão! Não se lê qualquer desses livros impunemente. Ler todos eles e não balançar nas estruturas é coisa para santo.

17.4.08

Culpa com Feriados Diferentes IV


Na última coluna “Culpa Com Feriados Diferentes”, inspirado por Richard Dawkins, falava dos horrores do Velho Testamento. Minha querida colega Altenir adota na sua vida os “belos” preceitos ali escritos e desejaria me convencer a achá-los também belos, nem que eu tivesse que cavoucar nas entrelinhas. O pior da Bíblia é exatamente o excesso de entrelinhas onde cada um lê o que quer. Há quem veja beleza onde outros vêem saladas de interesse, para dizer o mínimo e ser bonzinho.

Os cristãos não percebem que os ensinamentos morais contidos nos Testamentos visavam apenas a um pequeno grupo específico. Quando os judeus se auto-intitularam: “o povo eleito”, e registravam essa definição em livros ditos sagrados, isso se inseria num contexto de dominação de povos vizinhos hostis em torno de um objetivo comum de unir tribos desgarradas. A expressão “Amai o teu próximo” então, significava naquele contexto apenas “amai outro judeu” e “Não matarás” significava apenas “Não matarás outro judeu”. Toda interpretação literal além dessa é ignorância histórica, como prova Richard Dawkins. Se as escrituras sagradas hoje são tidas como veículo de união de milhões de pessoas, elas tinham como objetivo inicial separar pessoas. Sua origem era mostrar que uns são melhores do que outros e estes outros (os não-eleitos) deveriam ser dominados, derrotados, assimilados e destruídos. Mas chega de Testamentos.

As igrejas, de modo geral, condenam o aborto e o preservativo. O Brasil é um Estado laico composto por muita gente facilmente sugestionável, como provam pesquisas recentes que mostram, por exemplo, que índices de aprovação da pena de morte crescem ou diminuem dependendo de um crime mais ou menos chocante divulgado pela mídia. Pois imagine o poder de inúmeros padres e pastores de cidades pequenas do país de impor políticas contra métodos de contracepção. Coitados dos prefeitos que queiram distribuir DIU ou pílulas do dia seguinte aos pobres dos seus municípios. Os padres têm um palanque permanente nas missas para convencer fiéis a não mais votos nesses políticos. Já é difícil lidar com essa realidade social desigual sem as igrejas para atrapalhar ainda mais. Você acha que os fiéis não são tão influenciáveis? É que talvez você não conheça a realidade dos grotões do Brasil ou nunca viu um Maracanã lotado encher sacos de dinheiro atendendo aos apelos do bispo Edir Macedo.

Alguns cristãos já usam a internet, essa terra de ninguém, para pregar falácias como o power point que teima em voltar para minha caixa de e-mails. Dawkins também fala sobre essa lenda urbana que usa o exemplo de Beethoven para pregar contra o aborto. Diz assim:“Sobre a interrupção da gravidez, quero sua opinião. O pai era sifilítico, a mãe tuberculosa. Das quatro crianças nascidas, a primeira era cega, a segunda morreu, a terceira era surda-muda e a quarta também era tuberculosa. O que você teria feito? Interromperia a gravidez? Então você teria assassinado Beethoven” Outras versões mudam o número de fílhos ou os tipos de doenças deles ou dos pais. Mas isso é mentira, pois Beethoven era o filho mais velho e nenhum dos seus pais tinha sífilis. A mãe de fato morreu de tuberculose, algo muito comum naquela época. Ahh...mas ainda não vi na internet ninguém lamentando o fato de a mãe de Hitler não tê-lo abortado. Pouparíamos assim milhões de vida inocentes no Holocausto, estou certo? Não duvido de que haja uma explicação cristã para Deus ter permitido o Holocausto. Ela só não precisa me convencer, não é? Como também não preciso acreditar no Coelhinho da Páscoa.

A Igreja Católica tem 5.120 santos. Rezar para eles aplaca os sofrimentos dos crentes ou seria mero efeito placebo? Richard Dawkins mostra que a milionária Fundação Católica Templeton gastou 2,5 milhões de dólares para tentar provar que rezas funcionam. O estudo envolveu 2 mil doentes e vários milhares de fiéis que oravam por esses enfermos. 1/3 dos doentes sabia que recebia preces, outro terço recebia orações sem saber e 1/3 não recebia reza alguma. O resultado foi uma surpresa: não houve variação na recuperação de quem recebia preces sem saber e de quem não as recebia. Mas os que sabiam estar recebendo orações sofreram mais complicações. A religião não explica isso, mas a ciência sim. E a psicologia humana tem nome para isso: “Ansiedade de desempenho”. Eles não se julgariam merecedores das preces ou imaginariam estar piores do que estavam para precisar de orações...enfim...2,5 milhões de dólares no lixo.

Citando Tertuliano: “Credo quia absurdum” ou “Creio porque é absurdo”. Os que argumentam em favor dos mistérios inatingíveis da fé estão sempre a reboque da ciência. Nossa tecnologia atual pareceria mágica para um homem das cavernas e um isqueiro faria de qualquer um deus na Idade da Pedra. Antes de inventarem o microscópio havia um universo de mistérios invisíveis aos olhos e as doenças, para a Igreja, eram frutos dos pecados, não dos estafilococos. Místicos exultam com os mistérios e querem que eles continuem misteriosos. Um dos efeitos negativos da religião é que ela nos ensina que é uma virtude satisfazer-se com o não-entendimento.

A esse respeito é sempre bom consultar a opinião do sabido do Santo Agostinho: “Existe uma forma de tentação cheia de perigos. É a doença da curiosidade. É ela que nos leva a tentar descobrir os segredos da natureza que estão além da nossa compreensão, que nada nos pode dar que nenhum homem deveria querer descobrir”. E para não dizerem que Dawkins fica só no santo católico, vejamos o que Lutero, pai do protestantismo, diz: “A razão é a maior inimiga da fé. Quem quiser ser cristão deve arrancar os olhos da razão. A razão deve ser destruída em todos os cristãos.”

Um crente é mais feliz do que um ateu? A religião traz consolo? É um seguro contra a dor da alma, um paliativo, um ópio? George Bernard Shaw achava que “O fato de um crente ser mais feliz que um cético não quer dizer mais do que um bêbado ser mais feliz do que um sóbrio”. Dizem que a religião reduz o estresse, mas a psicologia e o placebo fazem o mesmo com menos morticínios. Na verdade, na maior parte das vezes, a religião aumenta o estresse, como o estado permanente de culpa mórbida que sofrem judeus e cristãos.

Nós só somos bons porque Deus estaria nos fiscalizando? Ivan Karamazov, famoso personagem de Dostoievski, temia que se Deus não existisse tudo fosse permitido. Einstein achava que “Se as pessoas só são boas porque temem a punição e esperam a recompensa, então somos mesmo uns pobres coitados”. Voltaire dizia que Deus era um comediante a atuar para uma platéia assustada de mais para rir.

Quando criança eu achava muito errado Deus ver o que as pessoas fazem dentro no banheiro, uma grande bisbilhotice dele. Só tempos depois fui entender a ironia contida em Paranóia, música de Raul Seixas: “Quando esqueço a hora de dormir/ De repente chega o amanhecer/ Sinto uma culpa que eu no sei de quê/ Pergunto o quê que eu fiz?/ Meu coração não diz/ E eu sinto medo...// Minha mãe me disse um tempo atrás/ Onde você for Deus vai atrás/Deus vê sempre tudo que ‘cê faz...”

Mas aí o estrago já estava feito. Quanta culpa carreguei sob o olhar penetrante desse Super Big Brother...

Culpa com Feriados Diferentes III


Falarei sobre o maior best seller de ficção que a humanidade já produziu: o Antigo Testamento. Nas palavras do escritor americano Gore Vidal: “A partir de um texto bárbaro da Idade do Bronze, conhecido como Antigo Testamento, evoluíram três religiões anti-humanas — o judaísmo, o cristianismo e o islã”.

Vamos começar do começo, onde se começa melhor. Gênesis. Ali um certo Deus afogou todos os seres humanos, incluindo crianças e animais inocentes, salvando apenas uma família e um casal de cada espécie. Mas muitos dirão que não se interpreta mais a Bíblia em termos literais. Pois é exatamente disso que Richard Dawkins fala no seu livro: escolhemos os pedacinhos da Bíblia que levamos ao pé da letra e outros que dizemos alegóricos.

A Bíblia é um bandejão de conveniências. Milhões a levam muito a sério e há milhares de padres e pastores ensinando a história de Noé. Se isso não assusta mais, imagine o efeito que não criou nos séculos passados, onde a Igreja não tinha o contraponto da Ciência? De fato, segundo o Gallup, quase 50% do eleitorado dos EUA acredita piamente no dilúvio. Isso em pleno século XXI.

Pulemos para a história de Ló, em que outra vez somente uma família foi salva — agora do fogo dos céus. Veja o que disse este piedoso homem quando o povaréu de Sodoma se reuniu em frente à sua casa para que ele entregasse os anjos: “Traze-os para que deles abusemos” (Gên. 19). Ló ofereceu à massa, no lugar dos anjos, suas filhas virgens: “tratai-as como vos parecer”. Isso é apenas uma das mostras de apreço com que as mulheres são tratadas na Bíblia. Fogo e enxofre destruíram tudo, até mesmo as criancinhas e animais. Não se pode acusar Deus de falta de imaginação: primeiro água, depois fogo.

Vamos para Juízes capítulo 19 onde um levita e sua concubina se hospedam em uma casa quando os homens da cidade exigem que o dono entregue o hóspede para que “dele abusemos” (as mesmas palavras usadas em Sodoma). O que o velho oferece em troca? Acertou: sua própria filha virgem e a concubina do hóspede. Palavras do anfitrião: “Humilhai-as e fazei delas o que melhor vos agrade, porém a este homem não façais tamanha loucura”. Novamente a misoginia aterradora do Antigo Testamento. Mas se em Sodoma as filhas de Ló escaparam do estupro coletivo, aqui as duas mulheres não tiveram a mesma sorte. Foram abusadas toda a noite e na manhã seguinte. Quando o levita encontrou a concubina morta, num gesto espantoso, cortou-lhe o corpo em doze partes e espalhou-os por Israel. Se o objetivo era provocar uma guerra, e Deus tem um propósito para tudo, por causa disso morreram 60 mil homens.

Passemos a Abraão, o pai das três religiões monoteístas. Esse santo homem quando no Egito com a bela esposa Sara, para não correr riscos de morrer por ser casado com mulher tão bela, fazia-se passar por seu irmão. Pois não é que Sara foi parar no harém do faraó e Abraão ficou rico com isso? Deus, irritado com esse arranjo, enviou pragas sobre o faraó, mas sobre Abraão nem uma escabiose. O faraó, ao descobrir a farsa, os expulsa do Egito (Gên. 12). Mas os dois usam o mesmo golpe com Abimeleque. O resultado é o mesmíssimo: harém, grana, pragas, expulsão. Que coisa repetitiva...

Mas Abraão se superou no episódio de quase sacrifício do filho Isaac (para os muçulmanos o filho era Ismael). Diz-se que Deus é amor e que o propósito era testar a fé de Abraão, mas você já se colocou no lugar daquela criança? Já imaginou os traumas carregados para o resto da vida? Dawkins comenta que essa história de abuso infantil inaugurou a mesmíssima defesa usadas pelos nazistas em Nuremberg “Eu só estava cumprindo ordens superiores”.

Os textos “sagrados” não devem ser interpretados literalmente? Mas milhões de católicos, judeus e muçulmanos os interpretam ao pé da letra. Se é para interpretar a Bíblia como alegoria simbólica, seria símbolo de quê? Qual princípio moral se pode tirar de uma história de pavor como essa?

Gostou de Deus ter poupado Isaac? Mas saiba que ele não foi tão generoso com a filha de Jefté. Vá em Juízes, capítulo 11 e veja que destino teve a inocente criança. Ou vá em Números, capítulo 31 e veja Moisés repreendendo seus soldados por terem matado todos os homens midianitas, mas poupado as mulheres e crianças. Furioso, Moisés mandou que eles voltassem e matassem todos os garotos e mulheres, só poupando as meninas virgens. Imagine para quê? Não precisa imaginar, pois está escrito lá. “Deixai-as viver para vós outros”.

Poderia continuar indefinidamente, mas vou dar só mais dois exemplos. O que fez Josué (Cap. 6) após vencer em Jericó: “Tudo quanto havia na cidade eles destruíram totalmente ao fio da espada, desde o homem até a mulher, desde o menino até o velho, e até o boi, o gado miúdo e o jumento”. Até o pobre do jumento? Que mal fez o jumentinho? Bom, naquela época não tinham a Sociedade Protetora dos Animais. O que os heróis bíblicos fizeram não difere muito do que Sadam Houssein e os nazistas fizeram no Iraque e na Alemanha.

O que as pessoas que consideram o Antigo Testamento exemplo de retidão moral acham de Levítico? Ali está escrito que devem morrer quem amaldiçoa os pais, comete adultério, fornica com a madrasta ou enteada ou com alguém do mesmo sexo, trabalha no sábado....Blaise Pascal já dizia que os homens nunca fazem o mal tão plenamente e com tanto entusiasmo quando o fazem por convicção religiosa.

Sam Haris, autor de Carta a Uma Nação Cristã, afirma sobre o Antigo Testamento: “O perigo da fé religiosa é que ela permite os seres humanos normais colherem os frutos da loucura e considerá-los sagrados. Como cada nova geração aprende que as proposições religiosas não precisam ser justificadas, como todas as outras precisam, a civilização ainda está sitiada pelos exércitos dos irracionais. Estamos agora mesmo nos matando por causa de literatura da Antiguidade.”

Culpa com Feriados Diferentes II


Como comenta Richard Dawkins, em seu livro "Deus um Delírio", às religiões são dados, pelos governos, privilégios que nenhuma outra organização recebe. Por exemplo: a melhor forma de ser dispensado do serviço militar em tempos de guerra é se dizer religioso. Um filósofo moralmente brilhante, com tese de doutorado sobre os males da guerra não conseguirá ser dispensado por motivos de consciência, mas quem disser que sua religião impede que se lute numa guerra é dispensado, mesmo que não possua uma gota de sangue pacifista.
Outro exemplo de privilégios dados à religião. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte autorizou rituais religiosos envolvendo a ayauasca (no Brasil: Santo Daime ou União do Vegetal), planta que contém a droga alucinógena ilegal dimetiltriptamina. Para a justiça, os adeptos não precisam provar que a droga aumenta a compreensão. Basta que eles acreditem nisso e pronto! Usem à vontade. Por outro lado, a mesma corte proibiu pacientes de AIDS e câncer que usavam a maconha para fins medicinais de continuar o tratamento. Mesmo com receita médica e estudos científicos provando que a erva é eficiente contra os fortes enjôos, comuns nesses pacientes.

Todas as religiões são isentas de impostos. Qualquer culto é uma lavanderia de dinheiro sujo. Além disso, aos sacerdotes são dados poderes para ditar normas sobre reprodução e sexualidade, mesmo eles não sendo nem de longe especialistas no assunto. A Igreja Católica, por exemplo, proíbe o aborto e o preservativo (mesmo que seja para evitar a AIDS – nesse caso tornando-se é cúmplice da disseminação da epidemia), mas não são poucos os católicos que simplesmente vivem como querem. É o catolicismo bandejão, onde os “fiéis” pegam o que gostam e descartam o que é inadequado aos seus interesses. Uma bela fachada com o recheio da hipocrisia. Afinal o sujeito é católico ou não é, com todos os ônus e bônus de sê-lo.

Contam que Alfred Hitchcock, cineasta famoso pela arte de assustar pessoas, estava uma vez dirigindo seu carro na Suíça quando de repente apontou pela janela do automóvel e disse: “Essa é a cena mais aterrorizante que já vi”. Era um padre conversando com um menininho, a mão dele sobre o ombro do garoto. Hitchcock pôs a cabeça para fora do carro e gritou: “Fuja, menininho. Salve sua vida!”.

Seria interessante para qualquer católico se informar um pouco sobre a quantidade de dinheiro que sua igreja já gastou para indenizar as vítimas da pedofilia católica. Até hoje, em acordos judiciais, já foram pagos para vítimas de padres sodomitas mais de 1 bilhão de dólares! Se esse dinheiro tivesse vindo da própria igreja já seria um escândalo, mas é dinheiro dos próprios fiéis, dos dízimos, das contribuições e da isenção de impostos, neste caso todos pagam. Fiéis ou não.

Há centenas de casos documentados desse crime sob o manto da religião, mas um dos mais escandalosos talvez seja o que envolveu o cardeal católico de Boston, Bernard Law, que durante décadas escondeu inúmeros casos de padres pedófilos transferindo-os, seguidamente, de paróquias, tão logo as denúncias lhe chegavam, sem investigação ou punição, pelo contrário, premiando os padres pedófilos, colocando-os para cuidar de seminários com novos garotinhos (carne nova) para saciar sua pedofilia de batina. Após a imprensa divulgar e a promotoria americana abrir os processos, a Igreja fez, em 2002, um acordo milionário com 508 vítimas, pagou 660 milhões de dólares em indenizações e o cardeal Law, em vez de punido, foi promovido. Hoje ele é secretário especial do Papa. Para quem quiser saber mais sobre o fato recomendo o filme Por Trás da Fé, de 2005, no qual Christopher Plummer interpreta o cardeal Law.
Quem quiser ver outro filme sobre a “bondade” da Igreja Católica, recomendo Em Nome de Deus, de 2004 que mostra a vida terrível das internas dos Lares de Madalena, conventos católicos na Irlanda onde milhares de meninas pobres, órfãs ou retardadas trabalhavam sem descanso, sem pagamento e sob abusos físicos, sexuais e psicológicos. Somente em 1996 essa barbaridade acabou. Ou você pensava que eu estava falando de uma prática da Idade Média?

Uma das defesas que se faz da figura de Deus é dizer que as religiões não o representam, mas que ele é puro amor. Só se for um amor sadomasoquista. O comediante americano George Carlin brinca, mas de um modo no fundo muito sério, quando diz: “A religião convenceu as pessoas de que existe um homem invisível — que mora no céu — que observa tudo o que você faz. Ele tem uma lista de dez coisas que não quer que você faça. E se você fizer alguma dessas dez coisas ele o mandará para um lugar especial, cheio de fogo e fumaça, e de tortura e angústia, para que você sofra e queime e sufoque e grite e chore para sempre, até o fim dos tempos...Mas Ele ama você.”

Em seu livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo, o prêmio Nobel José Saramago faz um maravilhoso libelo contra Deus. Em suas mais de 400 páginas é difícil selecionar trecho mais brilhante. Selecionei parte de um diálogo fascinante entre Deus e Jesus. Ali o Pai insiste que o filho aceite a crucificação “Que tu o beba [esse cálice] é a condição do meu poder e da tua glória” Jesus diz: “Não quero essa glória”, ao que Deus retruca: “Mas eu quero esse poder”. Assistindo a tudo o Diabo comenta: “É preciso ser-se Deus para gostar tanto de sangue”.

Não resisto à comparação com a frase usada por um adversário do jacobino Marrat, um dos “reis do Terror” da Revolução Francesa: “Dêem um copo de sangue a este canibal que ele está com sede”.

Ainda em Saramago, o Diabo tenta uma barganha com Deus para poupar a vida de Cristo a quem se afeiçoara: ao que Deus responde indignado: “Quero-te pior do que és agora. Porque esse Bem que eu sou não existiria sem esse Mal que tu és. Um Bem que tivesse que existir sem ti seria inconcebível, a um tal ponto que nem eu posso imagina-lo, enfim, se tu acabas, eu acabo, para que eu seja o Bem, é necessário que tu continues a ser o Mal, se o Diabo não vive como o Diabo, Deus não vive como Deus”. Não podia dar em outra coisa. Prêmio Nobel na cabeça!

Há quem encare o livro de Saramago como intensamente simbólico, mas mera obra de ficção. Pode até ser, mas em seguida falarei sobre a maior peça de ficção de todos os tempos. O Antigo Testamento.

Culpa com Feriados Diferentes I


Inauguro hoje a coluna: “Culpa com Feriados Diferentes”. Pretendo nela falar de um só tema: Religião. Grande parte do que aqui for escrito deriva do meu absoluto encantamento por um livro que acabo de terminar a leitura: Deus, um Delírio, do geneticista Richard Dawkins, um ateu combativo, divertido e inteligentíssimo, cujos livros viram best sellers em todos os países em que são publicados.

A coluna é fruto dessa recente paixão. O próprio título é tirado de uma frase (citada no livro), da comediante Caty Ladman: “Todas as religiões são iguais. Basicamente é a mesma culpa, mas com feriados diferentes”.

Impressiona-me quando alguém tenta discutir religião. É que se decidiu que esse é um assunto sobre o qual não se pode criticar. Dawkins diz: “Minha linguagem só soa contundente e destemperada por causa da estranha convicção, quase universalmente aceita, de que a fé religiosa é dona de um privilégio único acima de qualquer crítica”.

A paixão religiosa se expressa contrária à ciência, mas a ciência não pode se manifestar contra a fé. Veja o que diz o renomado criacionista americano Kurt Wise: “Se todas as evidências do universo se voltarem contra o criacionismo, serei o primeiro a admiti-las, mas continuarei sendo criacionista, porque é isso que a Palavra de Deus parece indicar”. Se isso não for chamado de fundamentalismo religioso e mentalidade cega, não sei mais o que é. Esse suposto “cientista” está dizendo que mesmo que a ciência prove algo com 100% de certeza, ainda assim ele vai acreditar no contrário.

Dawkis imagina, como Jonh Lennon na canção, um mundo sem religião, sem ataques suicidas, sem homens-bomba, sem Cruzadas, sem caça às bruxas, sem Inquisição ou Holocausto, sem Israel x Palestinos, Sévios x Croatas x Muçulmanos, Irlanda do Norte, sem pogroms aos judeus, sem talibãs e açoites públicos, sem infibulação clitoriana, ou seja, sem religião.

Exemplo de fundamentalismo cristão: a música Imagine, de Lennon, é editada em inúmeras rádios católicas americanas, onde é expurgada a frase da canção “and no religion too”. Lembro que Lennon dizia “Deus é algo pelo qual o homem mede a sua dor”. Sempre cito essa frase quando alguém me alerta que na hora da dor não terá jeito, clamarei por Deus. Na hora da dor a gente chama qualquer coisa. O ser humano é programado para evitar o sofrimento. Por isso nas torturas se confessa tudo. Só fanáticos religiosos agüentam o sofrimento extremo sem capitular na fé ou, felizes, se explodem atados a bombas. Isso vai contra a natureza humana e essas pobres criaturas não são exemplos a serem seguidos. Apesar de muitos serem santificados ou brindados, no paraíso, com virgens às centenas.

Acusam-se, com razão, os muçulmanos de serem religiosos fanáticos, mas o país mais fundamentalista do mundo são os Estados Unidos. Dawkins denuncia que o status atual dos ateus naquele país é equivalente ao dos homossexuais nos anos 50. Uma pesquisa do Gallup de 1999 perguntou a chance de os americanos votarem em uma mulher (95% votariam), um católico (94%), um judeu (92%), um negro (92%), um mórmon (79%), um homossexual (79%), um ateu (49%)!

Robert Pirsig, autor de Zen e a Arte de Manutenção de Motocicleta sabiamente dizia: “Quando uma pessoa sofre um delírio se chama de insanidade. Quando muitas pessoas sofrem de um delírio, isso se chama religião”. E o físico e prêmio Nobel Steven Weinsberg comenta: “Algumas pessoas têm uma versão de Deus tão ampla e flexível que é inevitável que encontrem Deus onde quer que procurem. Como qualquer palavra, a palavra Deus pode ter o significado que quisermos. Se alguém quiser dizer que Deus é energia, poderá encontrar Deus, por exemplo, em um pedaço de carvão.”

O poeta Fernando Pessoa fala muito bem sobre essa abundância de personas divinas no trecho do belíssimo poema O Mistério das Coisas “...Se Deus é as flores e as árvores /E os montes e sol e o luar, / Então acredito nele, / Então acredito nele a toda a hora, / E a minha vida é toda uma oração e uma missa, / E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos. /Mas se Deus é as árvores e as flores / E os montes e o luar e o sol, / Para que lhe chamo eu Deus? / Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar; / Porque, se ele se fez, para eu o ver, /Sol e luar e flores e árvores e montes, / Se ele me aparece como sendo árvores e montes / E luar e sol e flores, /É que ele quer que eu o conheça / Como árvores e montes e flores e luar e sol. / E por isso eu obedeço-lhe, /.../ E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes, / amo-o sem pensar nele, / E penso-o vendo e ouvindo, / E ando com ele a toda a hora.”