20.11.12

Minha Pauta: Caetano e Las Vegas


Duas fotos separadas por 12 anos e muitos quilos

Pauta é aquele termo usado em imprensa significando a orientação dada a jornalistas pelos editores para que escrevam sobre determinado assunto. Assim, aqui estou eu, como bom jornalista, sem diploma, obedecendo ao meu editor ad hoc Dida Santiago.

Dida sacou a última coluna cifrada de Caetano Veloso para me perguntar: “Você não acabou de chegar de Las Vegas? Não escreveu nada a respeito! Veja só: Caetano escreveu!”

Dida sabe que Caetano é uma das minhas pautas preferidas (E a favorita do próprio Dida). Sinto-me desafiado. Se Caetano falou de Las Vegas eu preciso também falar sobre Las Vegas e sobre o que Caetano falou de Las Vegas mesmo que as frases randômicas de Caê, atiradas a esmo sobre o jornal, necessitem de algum tipo de decodificação do caetanês para o português.
Caetano foi homenageado no último Grammy Latino (com direito a um beijo caliente de Sonia Braga). O evento ocorreu justamente na Cidade do Pecado, mais conhecida como Las Vegas. E lá foi Caê pela primeira vez para Vegas e retornou tecendo comparações entre ela e Santo Amaro.

Os Velosos adoram essas comparações extremas. Outro dia, Maria Bethânia, dizia que a primeira vez que conheceu Paris achou igualzinha a Santo Amaro. O que será que tinha no leite do peito de Canô que fez isso com a cabeça dos filhos? Bethânia acha Paris igual a Santo Amaro; Caetano acha a mesma coisa de Las Vegas....o que será que Mabel ou Rodrigo Veloso pensam de Viena? Não soltem Mabel ou Rodrigo nas ruas de Viena ou Budapeste que eles vão achar iguaizinhas a Santo Amaro e o Danúbio, o Subaé dedivivo.

Mas já estou divagando. Basta falar de Caetano para eu entrar também no modo randômico.

Caetano conhece Los Angeles e eu não. Em seu artigo ele compara Vegas a Los Angeles e diz: “Tudo em Los Angeles parece um precário esboço de concentração urbana aberto para o céu, o vazio, a rodovia expressa, o deserto, os olhos do coiote”. L.A. já servira de inspiração para Caetano na bela canção “Minhas Lágrimas”, do disco Cê, que diz: “Desolação de Los Angeles,/ a Baixa Califórnia e uns desertos ilhados por um pacífico turvo/ a asa do avião/ o tapete cor de poeira de dentro do avião/a lembrança do branco de uma página/ nada serve de chão onde caiam minhas lágrimas.” 

Finíssima poesia. Pérola bruta.

Caetano sabe o que é uma cidade e Los Angeles não se enquadraria nesses critérios. Assim define uma cidade: “o lugar onde a gente entra e se vê rodeado de sólidas paredes de alvenaria”. Assim seriam Paris, Las Vegas e Santo Amaro.

Minha cidade natal tem semelhanças com o berço dos Veloso, uma cidadezinha cortada por ruas estreitas, casas coloridas ou sem reboco, pracinhas, igrejinha, coreto na praça, um rio...Então assimilo o que Caetano chama de cidade: “território urbano, com calçamento de paralelepípedo e casas coladas umas às outras: o mundo selvagem das matas, dos mangues, dos braços de mar ficando fora dos muros”.

A moça do balcão da Delta no aeroporto de Nova Iorque olhou para o meu bilhete e abriu um enorme sorriso. Lá estava escrito: Las Vegas. Ela me perguntou com um simpático inglês novaiorquino, quase uma contradição entre termos: “Vai para Las Vegas? Me leve junto na mala!” E  continuou em tom amistoso: “Vai lá apostar hein?” Meu acompanhante completou: “Não, vamos ver um show de Madonna”. Foi a senha para que a mulher arregalasse os olhos: “Uau! Madonna! Dê a ela um beijo por mim. Eu A-do-ro Madonna!!!”.

Não pretendia retornar a Vegas depois de 12 anos. Lá estive no ano 2000 com a desculpa esfarrapada de conhecer o Grand Canyon. Madonna novamente serviu de desculpa perfeita, já que nem fui ao Grand Canyon no ano 2000 tampouco no show de Madonna no mês passado.

Procurava algum sinal de vida e poucas vezes vi tanta pulsação de vida num lugar só como Las Vegas, uma cidade improvável construída no meio do deserto. No meio do nada surgindo um oásis de vida, calor e seres humanos. Nunca vi tantas fontes jorrando água, incluindo a maior e mais famosa fonte do mundo, com incríveis e gigantescos jatos d’água que dançam acompanhados de músicas famosas e luzes coloridas.

Difícil, quase impossível descrever o que é Las Vegas. Uma vez tentei fazê-lo num texto caretéssimo que publiquei quando de lá retornei chamando-a de cidade de plástico. Como sempre, Oscar Wilde tinha razão quando disse que “Definir é limitar”. Uma página não dá conta de definir Las Vegas como Caetano não conseguiu nas poucas palavras que usou.

Também não conseguirei, mas não é somente plástico que define Vegas. Vida é mais adequado. Não é por outra razão que existem inúmeros prédios gigantescos, restaurantes deslumbrantes, cassinos fervilhantes, shows diversos acontecendo todos ao mesmo tempo, não é senão por conta da presença das pessoas, de nós, animais humanos, bípedes implumes que tudo aquilo foi construído. Não é por conta de outra coisa que não a imensa fome e sede de luxo, de sexo, de emoções que tantas mulheres e homens se exibem, que se apostam fortunas, que se come demais e se bebe tonéis de álcool, que se fuma e se droga. Frenesi feérico de luzes e excessos de tudo, do mais brega ao mais chique, do mais sofisticado ao mais grotesco convivendo lado a lado.

Fiquei tentando apreender nos olhos tantos signos e sinais, observei o vai e vem interminável de pessoas pela sua avenida principal, a larguíssima Las Vegas Strip que tem cerca de 8 km ladeada por gigantescos hotéis-casino, alguns moderníssimos, de um luxo atordoante: Ária, Bellagio, Mandarin, Encore, Wynn, Trump, Hilton, Venetian, Monte Carlo, Ceasar, Paris, MGM, Escalibur, Vdara, Luxor, Mirage...cada um com uma decoração mais exuberante e um show diferente (pelo menos 5 grupos do Cirque Du Soleil se apresentam diariamente com espetáculos variados). Outros hotéis mais antigos convivendo harmonicamente, mas com evidente inclinação para certa baixaria e um tanto de exagero, exibindo mulheres seminuas: o Flamingo, o Harra’s, O Ilha do Tesouro e outros que assustam um pouco. Parece que algo vai subitamente fugir do controle...
A sensação é de que absolutamente tudo pode acontecer em Las Vegas. Cada hotel é como um mundo à parte, mas é impossível entrar num mundo daqueles sem lembrar que circundando-o existem dezenas de outros mundos vibrando na mesma frequência. Impressionaram-me tantas coisas, mas encontrei um traço comum no meio daquele quase caos: em todos os rostos viam-se olhos brilhando com um tipo urgente de vida, seja pelo reflexo dos milhões de lâmpadas que iluminavam os bulevares, das janelas dos quartos dos hotéis, das luzes dos semáforos ou dos faróis dos carros e limusines, dos painéis gigantescos dos luminosos de neon a exibir seus shows, das placas reluzentes de lojas de grife com roupas que custam fortunas em frente a lojinhas que vendem 5 camisas por U$ 9,99 e infinitas opções de lembrancinhas baratas como chaveiros, canecas, postais...

Ou o brilho nos olhos vinha de alguma chama interna, um desejo vívido de estar bebendo a vida, de estar saboreando todas as possibilidades, de saber que apesar de a cidade oferecer diversões caríssimas, há muito para fazer com  alguns dólares no bolso, um pouco de criatividade, a companhia certa dos amigos mais divertidos e dispostos a tudo.

A cidade é inexplicável. Onde tanta alegria vai parar quando o sol nasce? Onde eu encontro amigos suficientemente loucos, insanos, queridos e divertidos para dividir comigo o prazer de uma noitada em Las Vegas?

Caetano disse no seu artigo que vai levar os filhos e netos para verem com ele o show “Love” dos Beatles, um dos vários espetáculos do Cirque du Soleil. 

Eu não vi “Love”, preferi o “Zumanity”, num hotel-cassino diferente, show do mesmo grupo, mas impróprio para menores de 18 anos que mostra o lado sexual e sensual do Cirque du Soleil. Uma dica para quem deseja ser eletrificado e vibrar no ritmo alucinado de Las Vegas.

Enquanto isso, minha mãe assistia a Madonna no hotel-cassino em frente.

15.11.12

Alemanha Abaixo de Zero


EMBARCANDO RUMO A ALEMANHA

O que leva duas pessoas, supostamente normais, que, podendo desfrutar de vinte dias no verão em uma praia ensolarada, se submetem ao inverno mais  rigoroso já registrado nas últimas décadas na Europa?

A ideia parecia arriscada. Todos preocupados com nossa saúde: “O que vocês vão fazer na Alemanha num frio desses?”; “Não acham melhor deixar para a Primavera?” Essas foram algumas das frases que minha amiga Nete e eu ouvimos, mas quando é que se encontra a companhia de uma amiga nota 10 para uma viagem de graça com milhagens aéreas e hospedagem free?

Nem o frio de 7 graus negativos nos impediu de desfrutar de 19 dias entre Dusseldorf, Berlim e Colônia e um diazinho em Lisboa com uma temperatura ótima de 17 graus

Nossa escala inicial em Lisboa, no dia 30/12, foi esquisita. Duas horas de intervalo para o check in da companhia aérea alemã que nos levaria para Dusseldorf foram quase insuficientes, pois de todos os aeroportos que já conhecemos, o de Lisboa é o mais irracional.

Os atendentes são tão mal humorados e tudo é tão confuso que parece que não foi concebido como aeroporto ou foi sendo ampliado por arquitetos autistas, engenheiros bipolares, pedreiros míopes...

No meio dessa barafunda, somos surpreendidos por um som altíssimo e atendentes da TAP e público, subitamente, dançando no saguão ao som de ABBA, Madonna, Jorge Benjor...Um flash mob! As imagens estão no Youtube!

Finalmente, embarcamos na Germanwings, que vende passagens mais baratas, mas cobra até pela água a bordo. Em duas horas estávamos em Dusseldorf. No dia seguinte era  Reveillon. 


RÉVEILLON COM OS GERMÂNICOS

Noite de réveillon em uma cidade vizinha a Dusseldorf: quatro alemães, três brasileiros, uma portuguesa, duas crianças, um agitado cachorro border collie e um gato magro de 18 anos. E, claro, muito vinho, champanhe e cerveja. 

Todos bebem por horas e a mesa fica repleta de tanta bebida e comida que não tinha espaço para mais um alfinete. Várias panelas de fondue (idal para aquele frio) e dezenas de molhos, pães e batatas...Alemães não sobrevivem por muito tempo sem as suas batatas.

Todos ficam altinhos no decorrer do jantar. Sem muito assunto, imagino que contando piadas poderia me integram mais, mas os alemães não aprovam piadas. Não se pode fazer piada de judeus, por motivos óbvios; nem de português, pois havia uma portuguesa à mesa; não dava para fazer piada com bêbado, pois estavam todos meio bêbados; nem com loura, havia uma loura por lá; não podia fazer piada de humor negro ou politicamente incorretas, o que, convenhamos, é a essência de qualquer piada...Nete encontrou nas duas crianças uma forma de diversão com um jogo eletrônico do qual jamais ouvi falar. Perdeu todas as partidas para as meninas.

À meia-noite todos saem para soltar fogos. Os vizinhos tiveram a mesma ideia e a noite abaixo de zero ficou iluminada por belos fogos de artifício enquanto a neve começava a cair. Na volta para dentro da casa, as piadas foram liberadas e por mais de uma hora dançamos todos, com as crianças e o cachorro incluídos, sucessos dos anos 80. Um dos alemães usava uma farda da Enterprise e fazia a todo instante o gesto do Sr. Spock com os dedos.

Se água mineral embriagasse eu estaria em coma alcoólico. Minha abstinência deveu-se ao fato de que fui escolhido para dirigir o carro dos nossos anfitriões na volta para Dusseldorf. Detalhes: nunca havia dirigido na Alemanha, ainda mais um carro automático, com GPS em alemão e três pessoas que beberam tonéis de vinho me guiando na estrada. Que gente corajosa!

Eram quatro da manhã quando chegamos inteiros em casa, cruzando estradas repletas de neve no primeiro dia do nosso primeiro ano novo na Alemanha.

ANO NOVO NA ALEMANHA

No meu primeiro domingo em Dusseldorf esperava sair da cama após o meio-dia, mas minha anfitriã me acordou às 9h da madrugada para ajudá-la a retirar a neve acumulada durante a noite sobre sua calçada. Por lá, se o proprietário de uma casa não limpar a neve da sua calçada antes das 10h da manhã pode receber uma pesada multa. Os vizinhos já tinham todos limpado as suas.

Com uma pá e uma vassoura de metal retiramos toda a neve da calçada e jogamos sal para não virar gelo. No cinema a neve é linda, mas vá retirá-la, já endurecida, com uma pá e uma vassoura em pleno domingo antes do café da manhã e saído de uma cama quentinha. Minha amiga Nete dormiu como um bebê e foi poupada dessa tarefa.

Por outro lado, ela não teve essa história para contar.

Mas o domingo revelou-se um dia de luxo, pois no final da tarde desfrutamos de horas agradáveis num imenso complexo de piscinas térmicas: Dusselstrand,  com o tamanho de três campos de futebol, várias piscinas aquecidas a 28° (na rua fazia 4 graus negativos), uma piscina olímpica, muitas jacuzis que massageavam com jatos d’água os ombros e as costas, toboáguas de diferentes tamanhos, saunas e lanchonetes. Tudo isso por menos de 4 euros por pessoa. Ainda havia lanchonetes para os clientes  e vários tipos de frequentadores, homens, mulheres e famílias com crianças de variadas idades.

Uma das coisas que me chamaram a atenção é que havia saunas para homens, para mulheres e saunas mistas mas o comum em todas elas é que a pessoa tinha que entrar sem toalha. Nua mesmo. Esses alemães são danadinhos!!!

Um luxo num domingo que não prometia muito quando, naquela manhã, fui acordado faminto para trabalhos forçados de limpeza de neve.


COLÔNIA

Reencontrei, após 15 anos, a enorme catedral gótica de Colônia, local onde a Igreja crê estão enterrados os 3 Reis Magos. Nete e eu a visitamos a catedral na véspera do Dia de Reis e por isso  ela estava ainda mais elegante com iluminação realçada. Seus vitrais são famosos pela incomparável beleza.

Durante a segunda guerra mundial a cidade de Colônia foi praticamente arrasada pelos bombardeio dos aviões aliados, mas incrivelmente a catedral não foi danificada. Há painéis de fotos que mostram a cidade destruída, casas bombardeadas em volta dela, mas a catedral sobrevivendo, cercada de ruínas. 

A catedral tem estrutura gótica impressionante e praticamente é vista de toda a cidade que foi, durante o Império Romano, colônia de Roma, daí seu nome. A região inteira fica sobre sítios históricos. As escavações encontram termas romanas, palácios e sinagogas.
Após o passeio pelas ruas de Colônia e uma visita à imensa catedral, nada melhor que alimentar os corpos famintos. Finalmente, comi eisbein, um enorme joelho de porco cozido. Vem com batatas, como praticamente tudo na Alemanha e um molho parecido com o de churrasco. Na foto ao lado você pode ver, mas não pode imaginar quão delicioso é.

Um passeio no museu do chocolate, em seguida, foi uma boa ideia. Num café do museu, ao lado de grandes janelas, contemplamos o Reno e degustamos chocolate quente, o que combinava com o frio. Ao nosso lado, uma linda vista de Colônia e do rio cortado por pontes e embarcações.

BERLIM!  

Na metade da nossa viagem, chegamos à antiga capital da Alemanha Oriental com sete graus negativos e sensação térmica muito inferior, pois Berlim é repleta de avenidas larguíssimas e muitos parques, além de um  rio, o Speer, que a corta inteira.

Foram seis horas de viagem desde Dusseldorf pelas perfeitas autobans, as estradas alemãs. Foi uma boa ideia termos feito a reserva prévia do Holiday Inn pela internet. É um excelente hotel 4 estrelas, localizado na gigantesca e movimentada Alameda Prenzlauer, que atravessa toda Berlim.

Mas, se sonhávamos com duas camas quentinhas, após uma longa viagem, nossos anfitriões tinham outros planos gelados para nós.

Viajar com um casal de gourmets é uma experiência única. O mundo dos gourmets é algo à parte e gira em um eixo diferente. Os valores são todos gustativos e eles preservam minúcias de sabores. Há códigos próprios e sutilezas incompreensíveis para as línguas dos mortais. Para eles, pagar caro é pagar por uma comida de que não gostaram, mesmo que seu preço seja um décimo do gasto em um prato de que gostaram.

Para nossos anfitriões gourmets, não havia programa melhor do que sair em Berlim à noite, caminhar quase uma hora num frio de rachar, debaixo de neve e sobre ruas congeladas, para chegar a um restaurante de que gostam.

Para essa tarefa, enfrentamos gelo, frio e vento por ruas semidesertas…e eu me perguntando o que faziam nas ruas, naquela temperatura, as raras pessoas  com quem cruzávamos…não podiam ser todas gourmets.

No nosso primeiro jantar em Berlim comemos um prato especial, feito de peito de faisão, nhoque romano (que não é feito de batata, mas de trigo), codorna ao forno, recheada de fígado de galinha, acompanhada de raízes negras, um tipo de raiz saborosíssima que não se encontra no Brasil. Como sobremesa, uma tortinha de pão com recheio de mirtilo e sorvete de uma frutinha que tem umas 200 letras, sendo que metade são consoantes e a outra metade, vogais guturais salpicadas generosamente com tremas. Mas como gourmets não são seres simples, o sorvete era feito não da frutinha, mas da flor da plantinha que dá a fruta, que se chama hollunderbluetten. Bem, não são exatamente 200 letras, mas experimente falar isso sem deslocar a língua.

O MUNDO DOS GOURMETS

Imagino que há três razoes básicas pelas quais os alemães pensam tanto em comida: a primeira, histórica; a segunda, climática; e a terceira, econômica. Eles passaram muitos problemas com as guerras e tinham que comer quando havia comida. No país faz muito frio e eles precisam comer para repor as energias perdidas pela baixa temperatura.  Além, é claro, que muitos deles têm dinheiro de sobra para gastar comendo coisas variadas, com uma infinidade de opções de queijos, pães, vinhos e doces muito sofisticados.

A nossa segunda noite em Berlim desafiou todos os meus limites. Saímos no frio congelante para uma região ao lado do Rio Spree, que canalizava o vento que já era gelado, dando na gente uma sensação de desespero. Por que as coisas têm que ser sempre tão complicadas para mim? Por que não dava para comer um suculento e simples Big Mac? 

Mas a noite foi além de todas as expectativas, tanto no sofrimento para chegar no restaurante, quanto no resultado. Quase quando eu estava sucumbindo ao desespero e à fome e implorando por um táxi ou um abrigo, chegamos ao Bertold Brecht, restaurante onde fomos servidos como reis. Começando com uma sopa  hiper cremosa feita de raízes negras e raviólis de frango. Como cortesia da casa, uma entrada sofisticada com uma polentinha feita com trufas e com espuma de ervas raras. O prato principal foi uma deliciosa vitela empanada, peixe branco com alho poró e batatas recheadas com camarões. A sobremesa foi o golpe mortal: mousse de chocolate amargo com sorvete de pimenta, gomos apimentados de mini-tangerinas, framboesas e amoras.

De tanto comer achei que tinha engordado e encontrei uma balança. Meu peso normal é 77 quilos, mas na balança marcava 79. Não deu para saber se emagreci ou engordei, pois só as roupas de frio que eu usava deviam estar pesando 5 quilos: dois cachecóis, um par de luvas, um gorro, uma calca jeans, uma calca de lã interna para o frio, uma camisa pólo, outra camisa de manga comprida, um pulôver e um casaco para neve.

ÚLTIMO DIA EM BERLIM

No nosso último dia em Berlim, sexta-feira, Nete e eu tiramos parte da tarde para conhecer os famosos museus históricos da cidade. Passamos horas de puro deleite em um conjunto de 5 museus de Berlim localizado numa ilha do Rio Spree. Falando assim, uma ilha do rio, pode parecer pouca coisa, mas é um conjunto de cinco prédios gigantescos, magníficos, em estilo neoclássico com estátuas e colunas imensas. Tudo tombado pela UNESCO como patrimônio da humanidade. Parecia que estávamos em uma ágora grega pelo numeroso conjunto de edifícios majestosos.

Eu imaginava que para ver tantos museus precisaria me deslocar longas distâncias. Em Nova Yorque, o Metropolitan e o Guggenhein ficam próximos, na mesma rua, mas o Museu de História Natural, o MOMA, o Museu The Cloisters e o Frick Collecion, por exemplo, ficam bem separados. Em Paris, não se vai do Louvre ao D`Orsai ou do Museu Rodin ao Museu Picasso andando facilmente. Em Londres, a Galeria Nacional fica afastada do Museu Britânico e em Madri, o Museu do Prado fica longe do Reina Sofia. Mas em Berlim ficam concentrados na Museums Insel o Bode Museum, o Neues Museum, o Alte Nationalgalerie, o Pergamonmuseum e o Altes Museum.

Saímos banhados numa impressionante coleção de arte grega, romana, pré-histórica, egípcia, em galerias extremamente elegantes, bem iluminadas, com bastantes informações em inglês e não só em alemão. Assim, Nete e eu conseguimos ler e entender. Eram pátios internos monumentais, estátuas imensas de todos os deuses gregos, conjuntos de objetos de mármore, salas só para objetos de ouro, outra apenas para os de prata, outra só para filosofia, com bustos dos grandes filósofos, dramaturgos e políticos como Sócrates, Platão, Aristóteles, Zenão, Aristófanes, Sófocles, Ésquilo, Eurípedes, Péricles, Heródoto, Hesíodo... Inúmeras ânforas e adereços, joias, colunas coríntias, dóricas e jônicas, instrumentos musicais. Foi um banho cultural.

No Alte Nationalgalerie se concentram as pinturas e esculturas dos séculos 19 e 20. Salas e mais salas em três andares com esculturas de Rodin e pinturas de Cézanne, Degas, Van Gogh, Gauguin, Manet, Renoir, Monet.

O mais interessante para mim foi conseguir ver ao vivo o Busto de Nefertiti, uma estátua da rainha egípcia que no Neues Museum tem uma sala exclusiva para ela e é a peça mais importante de todo o conjunto. Em todas as salas se pode fotografar sem flash, mas na sala de Nefertiti as máquinas são proibidas. A foto abaixo é da internet. Ela é a Mona Lisa dos alemães e, talvez, seja um obra de fato mais importante do que a Mona Lisa em si, apesar de não ser tão famosa.

A visita ao Neues Museum tem que ser agendada, pois ele é tão especial que só comporta um determinado número de visitantes pode vez. Na portaria, sem que eu perguntasse nada, uma atendente, gentilmente, me deu um mapa do museu em inglês já com o local marcado onde encontraríamos o Busto de Nefertiti. Certamente a moça está tão acostumada com isso que já vai no automático. Ótimo, pois era exatamente o que estávamos procurando.

Não vou entrar em muitos detalhes sobre essa magnífica peça. O mais significativo, para mim, foi que três meses antes, em São Paulo, quando sequer pensava em visitar a Alemanha, comprei num sebo da Rua Augusta um livro da intelectual americana Camille Paglia que há anos estava procurando sem sucesso, já que está esgotado: Personas Sexuais - Arte e Decadência de Nefertiti a Emily Dickinson. 

Há um capítulo inteiro em que Camille Paglia analisa, com profundidade, o significado simbólico dessa peça para o imaginário do feminino moderno, comparando-a às obras de arte anteriores que representavam a mulher como matronas gordas e peitudas, símbolos atávicos da mãe terra. O capitulo inteiro é brilhante de um livro todo brilhante. Deliciado com a leitura, pude finalmente estar diante do busto verdadeiro. Um privilégio.

Após a visita aos museus, fomos a pé quase ficando congelados no frio e no vento para reencontrar os nossos anfitriões no Checkpoint Charlie que era um posto militar dos aliados durante a Guerra Fria e hoje é uma zona de turismo com diversas lojas vendendo souvenires com referência ao muro de Berlim. Os visitantes disputam fotos embaixo da placa que diz em inglês, russo, alemão e francês que aquele local separava a Alemanha Ocidental da Oriental.

Eu não sabia o que significava o Charlie no nome do Chekpoint Charlie. Achava que era o nome de um soldado que foi importante para a resistência ou algo do gênero até porque há uma grande foto de um soldado exatamente no local em que tem a réplica de uma cabine de controle dos aliados. 

Vi um casal de brasileiros no local tirando fotos e seu filho adolescente perguntar para a mãe quem era o tal Charlie. Ela respondeu apontando para a foto do soldado. O filho retrucou: sim, mas o que foi que esse Charlie fez para merecer a homenagem? 

Não deu para ouvir o que a mãe respondeu, mas certamente ela não deu a resposta certa porque o nome Charlie não tem nada a ver com o soldado. Pesquisando no Google descobri que havia três checkpoints: Alpha, Bravo e Charlie, de acordo com o alfabeto fonético internacional.

VIOLÊNCIA

Deixamos Berlim para trás e chegamos a Dusseldorf após sete horas de viagem de carro. Cruzamos o Rio Elba congelado, dezenas de caminhões limpadores de neve das estradas passaram por nós e, no rádio, acompanhávamos, tensos, as notícias da fortíssima nevasca que isolou o norte do país.

De volta a Dusseldorf, passamos em um supermercado quando presenciamos uma das cenas mais estranhas que já vi. Nossa anfitriã, que mora há 15 anos na Europa, nos disse que nunca viu algo do tipo por lá.

No grande supermercado em que fazíamos as compras, havia um silêncio sepulcral, ainda mais num sábado em que lá fora faziam 2 graus negativos. Foi quando nossa atenção foi atraída por uma gritaria. Naquele silêncio, os gritos pareceram surreais. Então, passou por nós um homem negro correndo em alta velocidade. Passou ao nosso lado, tão perto que podemos reparar nos seus olhos enormes, assustados, como um animal perseguido. Atrás dele vinham dois homens louros, germânicos, saudáveis, fortes.  O que significava aquilo não nos era compreensível no momento.

O negro tentava escapar de alguma coisa, talvez tivesse roubado algo no supermercado. Os dois homens brancos que o perseguiam gritaram e dois outros, à frente, estenderam as pernas derrubando o negro no chão. Ele se levantou com uma agilidade impressionante atirando-se na direção da porta automática que se abriu para ele sair para o meio da rua e da neve. Eram duas portas automáticas para proteger o interior do frio. A cena foi estranhíssima. As duas portas ficaram se abrindo e se fechando enquanto, no espaço entre elas, quatro homens brancos e fortes se debatiam no chão com um negro que tentava, a todo custo, escapar deles. Ele talvez fosse algum imigrante ilegal, talvez soubesse que sua fuga poderia significar sua permanência naquele país gelado, talvez tivesse certeza de que uma prisão representaria uma deportação...

Ele se debatia, as pessoas se aglomeravam em volta. Ninguém falava nada...um silêncio assustador. Nenhum dos quatro brancos dizia ou gritava coisa alguma. O negro também, aparentemente, economizava energia para a fuga. Só se ouvia o som das portas se abrindo e se fechando, se abrindo e se fechando repetidas vezes. Toda a cena tinha um conteúdo simbólico impressionante. Lembrava uma caçada, um animal tentando escapar de uma armadilha...e em volta, vários alemães assistindo a tudo de mãos dadas com os seus filhos, como num processo educativo e pedagógico. Ou simplesmente pelo ineditismo da cena.

Parei de olhar quando começaram os socos.Os homens brancos socavam com forca o rosto do negro. Entendi que a coisa ultrapassou a esfera profissional pois os brancos não estavam mais simplesmente defendendo o patrimônio ou a lei, mas reagindo a alguém que, mesmo praticamente dominado, insistia em tentar fugir...passou para o pessoal quando a fuga representava ferir os brancos..

O sábado foi marcado por essa cena dantesca e saímos a tempo de ver a policia levar o homem dominado.

Minhas amigas não concordam com meu ponto de vista. Acham que eu estou com uma interpretação tendenciosa e que o negro não era totalmente inocente, mas um transgressor. A visão da cena foi compartilhada por nós, mas com pontos de vista diferentes.

DE VOLTA A DUSSELDORF

Fomos ao nosso primeiro museu em Dusseldorf, o Aquazoo, um enorme museu de história natural que fica em um parque gigante coberto de neve. Vimos, maravilhados, diversos aquários com pinguins, tubarões, enguias, crocodilos, tartarugas, todos vivos, e várias salas com ambientes marinhos repletos de todos os tipos de peixes e corais multicoloridos. Eles reproduziram em detalhes o ambiente de uma floresta tropical com ariranhas, pequenas cascatas de rio, laguinhos e uma infinidade de répteis, anfíbios, insetos e mamíferos. Centenas de cobras, aranhas, mariposas e borboletas.Tudo extremamente didático com textos em alemão e inglês na altura dos olhos das crianças. Há uma ala de dinossauros de que gostei bastante, como dá para ver na foto.

No dia seguinte conhecemos o Gazometer, um antigo depósito de gás, uma enorme estrutura de ferro, de mais de 100 metros de altura e quase 70 de diâmetro, na verdade o maior gasômetro da Europa, construído nos anos 30, hoje abriga uma espécie de planetário. Foi severamente bombardeado durante a 2ª Guerra e funcionou até 1988 quando foi transformado em local de exibições. Fica a meia hora de carro de Dusseldorf. Lá dentro fazia um frio do cão, pois deve custar muito caro aquecer aquele lugar.

Em um enorme vão aberto, réplicas dos satélites da NASA, dos primeiros módulos lunares, painéis ilustrando a história das primeiras descobertas dos primeiros astrônomos egípcios e persas, além dos mais famosos: Galileu, Copérnico, Kepler, Giordano Bruno e seus rudimentares aparelhos de observação das estrelas. Também reproduções de todos os planetas ao redor do nosso sol, fotos imensas da via láctea e das luas dos planetas do nosso sistema solar, todas tiradas pelo telescópio Hubble e o grande destaque foi uma lua de 25 metros de diâmetro que pendia do teto, como se flutuasse  no espaço.

Depois dessa orgia de informações precisávamos de um banho quente e nada melhor do que uma piscina aquecida. Desta vez fomos a uma outra, diferente da que visitamos no nosso primeiro domingo aqui: Muensterbad.

Não e como a anterior, um parque aquático, mas um prédio imenso, com pé direito altíssimo, uma única piscina de 50 metros, 72 cabines individuais com armários distribuídas em dois níveis.

No térreo fica a piscina e a sauna. Na parte de cima, como um mezanino que rodeava toda a piscina, a outra metade das cabines. O teto altíssimo demonstrava que o prédio era muito antigo. Foi construído em 1908, portanto tem mais de 100 anos. Obviamente, sofreu com os bombardeios nas guerras e foi restaurado, mas a estrutura básica permaneceu, com a fachada de tijolos aparentes e várias janelas e claraboias dando para o céu.

Do lado de fora do prédio, num pátio externo, havia uma piscina com água quente e salgada, mas para chegar lá tínhamos que atravessar uns 20 metros de frio, molhados e descalços. Mas pareciam uns 50 metros. Enfrentamos o frio e nos atiramos na direção da piscina externa e valeu a pena.

A água quente, em contato com o ar gelado, formava uma nuvem de vapor pairando sobre nós. A neve caía em finos flocos sobre nossas cabeças enquanto desfrutávamos da calor da piscina. A luz das luminárias dos postes exteriores, cobertas pelo vapor, criou uma atmosfera muito especial e única, quase fantasmagórica: exatamente do que estávamos precisando.

Na quinta feira, Nete e eu pegamos o metrô e fomos conhecer o Knunst Palast, um grande museu nas margens do Reno e que ocupa três enormes alas com obras de arte antigas e modernas. Uma das alas abrigava um conjunto fantástico de esculturas sacras em madeira da Idade Média e pinturas representativas do expressionismo alemão.

Também conhecemos a parte do museu que abrigava uma imensa coleção de obras de arte moderna e esculturas feitas unicamente de vidro. Um tanto conceitual, com elementos óticos e cromáticos muito interessantes. Essa parte do museu também tem milhares de vasos de vidro de todas as épocas, acompanhando a história dos primeiros objetos em vidro, desde os gregos e persas, quando eles ainda não dominavam completamente a arte do vidro e as pedrinhas vitrificadas eram consideradas joias.

Acompanhamos a evolução dos vasos de vidro desde os seus primeiros exemplares até os requintados jarros e copos decorados do Renascimento europeu, dos vasos decorativos com incrustações e pinturas de reis, rainhas e nobres aristocratas e exemplares chineses. Eram dezenas de vitrines e prateleiras com milhares de objetos de vidro que nos deixava até tontos.

Depois desse passeio fomos passear na beira do Reno. O frio estava diminuindo, mas ainda ventava muito, a neve já estava descongelando e as pessoas passeavam sozinhas ou aos pares pelo lugar que ainda tinha um tanto de neve mas já alguma lama e poças de água.

Observamos que os alemães têm uma consciência ecológica muito grande e em muitos lugares vemos depósitos de vidro onde eles colocam vidros usados, chegando ao requinte de ter três recipientes grandes para vidros brancos, verdes e escuros. Eles até criaram um prêmio chamado Trenntwende, um trocadilho em alemão com as palavras tendência, separação e transformação para iniciativas que reduzem o desperdício 

Comprovei que há muitos turcos na Alemanha. Mas o que impressiona é que após três gerações de imigrantes, os netos dos primeiros turcos que chegaram têm atitudes e comportamentos mais próximos dos europeus do que dos seus pais e avós, inclusive reduzindo muito o número de filhos. Quanto melhor o padrão econômico e educacional, menos filhos os imigrantes têm.

Os alemães aparentemente, não conhecem as cores, são todos meio daltônicos(?). Nas ruas, todos os agasalhos que se veem são pretos, marrons, beges ou cinzas. Eles desconhecem o verde, o azul, o laranja, o vermelho...Um mar de gente agasalhada de cores pastéis.

Reparei também que todo mundo fica mais charmoso com um cachecol!


No sábado, nossos anfitriões fizeram para nós um jantar de despedida como somente os gourmets sabem fazer. Na verdade, todos os dias havia um jantar especial. Não ousaria tentar descrever os detalhes dos cardápios, pois sei que não conseguiria. Mas sei que Cândida e Carsten foram os melhores anfitriões que poderiam existir. Nos levaram ao aeroporto para uma despedida da Alemanha que nos deixou saudades e onde fomos extremamente bem recebidos e tudo deu certo, mesmo com o que nos cobraram no aeroporto de Dusseldof pelo excesso de bagagem.


DE VOLTA A LISBOA 

Chegamos a Portugal e em 15 minutos de táxi e 17 euros estávamos no Hotel Lisboa, reservado pela intenet. Ficamos muito bem localizados, ao lado da grande Avenida Liberdade, pertinho do imenso monumento ao Marquês de Pombal na praça de mesmo nome. Menos de 80 euros a diária com direito a café da manhã. 

Após dois banhos rápidos, uma vez que só ficaríamos na cidade por um dia, saímos a pé em direção ao bairro de Belém. Descemos a Avenida Liberdade em direção as praças dos Libertadores e da Figueira já no bairro do Rossio. Ali, tomamos o elétrico 15 e passamos pela Baixa, pelas ruas da Alfândega e do Arsenal, pelo Campo das Cebolas, avenida Ribeira das Naus já na beira do Rio Tejo, pelo Cais do Sodré, Alcântara, Junqueira e, finalmente, chegamos a Belém.

Obviamente, não poderíamos perder a oportunidade de comer o legítimo pastelzinho de Belém no local original onde eles são feitos desde 1837. O local é muito concorrido e cheio de turistas. Nos entupimos dos deliciosos pasteizinhos acompanhados de saborosos bolinhos de bacalhau. Nada mais português.

Depois seguimos para o Monumento aos Descobrimentos, na beira do rio Tejo, conhecido como Padrão do Descobrimento. Subimos de elevador até o topo, onde tiramos lindas fotos do rio, do Mosteiro dos Jerônimos, do belo jardim da Praça do Império e da Torre de Belém. 

Não conseguimos entrar na Torre de Belém, pois já estava fechada às 5 da tarde, mas entrar no Mosteiro dos Jerônimos foi indescritível e comprovamos como ele é espetacular com enormes abóbadas, colunas e transeptos. É lá que estão os túmulos de Fernando Pessoa, Vasco da Gama e Luis de Camões, entre várias outras personalidades famosas de Portugal.


O mosteiro foi encomendado pelo rei D. Manoel I depois que Vasco da Gama regressou da viagem à Índia. Construído com os lucros do comércio das especiarias, foi um dos poucos prédios que sobreviveram ao terremoto de 1755 que devastou Lisboa.

Já caía a noite quando tomamos outro elétrico de Belém até o Cais do Sodré e dali fomos caminhando até o Largo do Chiado, atravessando ruas charmosas e cheias de restaurantes e lojas como a Rua Augusta, Rua Áurea e Rua Garret. No Chiado conhecemos o famoso bar A Brazileira, onde o poeta Fernando Pessoa costumava se reunir com os amigos. Há uma estátua dele na porta, ponto de fotografia para os muitos turistas. Corresponde, no caso brasileiro, à estátua de Carlos Drummond de Andrade na orla carioca. Há uma cadeira de bronze para as poses dos fãs e logicamente não dispensamos as nossas fotos com o maior poeta português.

Depois do Chiado voltamos para o hotel com os pés destruídos e contabilizando mais de 5 horas de bete pernas, turismo e compras.

No domingo, nosso último dia em Lisboa, acordamos com uma louca faxineira entrando no nosso quarto as 8:30 da manhã. Quem e que faz faxina num horário desses em pleno domingo? Tudo bem que não colocamos o aviso na porta de não perturbe, mas como iríamos imaginar que alguém faria a faxina num horário insano desses?

Aproveitamos o que restava da manhã para passear a pé pelas vizinhanças do hotel, fomos ao jardim botânico, mas estava fechado, continuamos ate o Museu de Historia Natural com uma exposição sobre os dinossauros, sobre astronomia e sobre minerais, mas não foi nada muito especial, pois havíamos visto museus melhores. Valeu pela visita ao prédio que abriga uma universidade com um estilo que não consegui identificar. Parecia um mosteiro com um pátio interno um tanto abandonado e meio tomado pela grama alta.


Não entendi porquê, mas no museu há uma sala de arte contemporânea com uma placa identificando-a como Sala do Veado! Tenho uma foto com Nete fazendo pose para provar. Aí está!

A temperatura de 17 graus em Lisboa estava extremamente agradável se comparado ao frio abaixo de zero que pegamos na Alemanha. Às duas da tarde estávamos inteirinhos no aeroporto, recebemos sem problemas a devolução do dinheiro do tax free das compras que fizemos na Alemanha e embarcamos sem pagar excesso de bagagem pela TAP.

Comprovamos também que os portugueses tem um estranho senso de localização e identificação. Há uma enorme placa no aeroporto de Lisboa dizendo: "Aeroporto de Lisboa, cada vez mais aeroporto". Hello!! Queriam que ficasse cada vez mais o quê? açougue? boutique? inferninho?

Nove horas depois, a bordo da TAP, estávamos de volta ao calor da Bahia, onde as soleiras das portas das nossas casas se revelaram mais belas do que todos os palácios que visitamos.

É ótimo viajar!

É ótimo retornar!

8.11.12

007 - OPERAÇÃO SKYFALL


A franquia de filmes do espião 007 é sempre uma garantia de ótimas sequências de ação em países e paisagens exóticas, trilha sonora de primeira e reviravoltas surpreendentes, com o Bem (estropiado, machucado e baleado) vencendo o Mal, ao menos até a próxima missão do eternamente jovem, charmoso e atlético Bond: James Bond!
De poucas coisas se podem ter garantias nessa vida e uma delas é ser eletrizado pelos filmes do agente do serviço secreto de sua majestade. Desta vez, no 23º filme da série, acompanhamos o roubo de um arquivo criptografado com a lista de todos os espiões britânicos infiltrados em organizações terroristas do planeta.
Já na primeira sequência vemos James Bond (o ótimo Daniel Craig) no encalço do ladrão do precioso arquivo pelas ruas de Istambul. A sequência é atordoante, com direito a uma perseguição de motocicleta por dentro de becos e bazares turcos, em cima de telhados e em um trem em movimento. Quase não vemos o rosto do ladrão, tamanho frenesi de imagens, brigas, socos, correria e tiroteios, mas sabemos que é o ator Javier Bardem, ganhador do Oscar, do Globo de Ouro e do Bafta (o Oscar inglês) pelo papel de um psicopata no filme dos irmãos Coen: Onde Os Fracos Não Têm Vez.
Poucas vezes Javier Bardem me decepcionou (exceção feita ao equivocado O Amor Nos Tempos do Cólera). Acompanho sua carreira desde o começo dos anos 90, quando ele protagonizou os desconcertantes filmes do diretor Bigas Luna (Jamon, Jamon, Ovos de Ouro e As Idades de Lulu). Em seguida, Bardem foi visto em frente às câmeras de outros diretores espanhóis como Vicente Aranda (O Amante Bilíngue), Álex de la Iglesia (Perdita Durango), Alejandro Amenábar (Mar Adentro, Oscar de filme estrangeiro) e Pedro Almodóvar com quem realizou os marcantes De Salto Alto e Carne Trêmula. Do diretor mexicano Alejandro González Iñárritu, Bardem protagonizou o dramático e dolorosamente belo filme Biutiful, que lhe rendeu novamente uma indicação  ao Oscar, Globo de Ouro e Bafta e pelo qual foi laureado em Cannes com a Palma de melhor ator.
Isto tudo é apenas para registrar que Bardem é um ator com mais experiência, versatilidade e bagagem do que Daniel Craig. Enquanto antagonista, ele tinha tudo para roubar a cena. No entanto, lamentavelmente, a interpretação excessivamente caricatural do personagem arrancou do ator o que ele tem de melhor, as nuances de dor e angústia contida, exibidas exatamente nos dois papéis que mais lhe renderam prêmios: os filmes dos Coen e de Iñárritu.
Sam Mendes, diretor de Operação Skyfall, assumidamente utilizou como referência para seu vilão, Raoul Silva, o trabalho do australiano Heath Ledger como o Coringa no Batman, de Christopher Nolan. Ledger levou o Oscar póstumo pelo seu trabalho mas não creio que Bardem chegue nem perto disso. Discordo dos que dizem que Silva entrará para a história dos vilões icônicos da série 007.
E se Bardem não está tão bem, porque tantas linhas escritas sobre ele e tão poucas sobre Craig? Não tenho a resposta, mas não posso deixar de lembrar um comentário que um amigo postou no Facebook adiantando a cena homoerótica entre Craig e Bardem. Esse amigo afirmou que saiu do cinema com a libido nas alturas. E lá vou eu, curioso pela cena e o que vi me deixou perplexo. O vilão (que meteu uma bala no mocinho após errar centenas delas), afaga com carinho (?!?) as clavículas de Bond, insinuando-se para o inimigo.
A legendária virilidade de James Bond é de conhecimento até das pedras do calçamento de Londres e a química entre os dois antagonistas é a mesma que encontramos entre um leão e uma ameba. Então, o que, afinal de contas, viram de erótico nessa cena? Alguém me explique pois, do contrário, vou achar que não sei mais o que é excitante e o que é o oposto disso.
Chama a atenção que personagens homossexuais são sempre retratados como caricaturais, traiçoeiros ou psicopatas. A cena que dá ao vilão trejeitos afeminados é nada menos do que oportunista e essa opção do roteiro é simplesmente uma velhacaria. Ao contrário das inúmeras possibilidades de leituras psicológicas de conflitos edipianos envolvendo a relação — esta sim, bastante complexa —, entre o vilão e a personagem de Judi Dench, como a antológica M. Uma bela sacada!
Os fanáticos por 007 encontrarão milhares de razões para se deliciar com as inúmeras referências aos detalhes que os fãs adoram prestar atenção. Para as pessoas normais, um ótimo filme de ação como todos os demais do agente mais charmoso do cinema. E olhe que isso não é pouca coisa, quando concorrem no mesmo páreo Ethan Hunt (Tom Cruise) na série Missão Impossível e Jason Bourne (Matt Damon) na série original de Robert Ludlum.
Outro ponto alto inegável é a fantástica sequência de abertura com destaque para a cantora Adele que compôs e interpreta a canção tema Skyfall, juntando seu nome ao de ícones como Shirley Bassey, que interpretou as canções em Goldfinger, Os Diamentes São Eternos e 007 Contra o Foguete da Morte; Carly Simon, com Nobody Does It Better, tema de O Espião que Me Amava; Tina Turner com Goldeneye; Paul McCartney em Viva e Deixe Morrer; Sheena Easton com Somente Para Seus Olhos; Duran Duran com Na Mira dos Assassinos; e A-ha com Marcado para a Morte. E, logicamente, Madonna, que interpretou a canção em Um Novo Dia Para Morrer, além de Alicia Keys em Another Way to Die, canção do filme Quantum of Solace.