16.4.21

TORTO ARADO

 Nasce um clássico instantâneo

Estou muito comovido e sentindo que acabo de ler um clássico instantâneo e que no futuro ainda se falará muito sobre Torto Arado, livro espetacular de Itamar Vieira Junior.

Impossível não se surpreender com a força desta obra, primeiro romance do baiano de apenas 41 anos e vencedor de prêmios de grande prestígio como Oceanos, Jabuti e LeYa, este último de Portugal e que só uma vez havia sido concedido a um autor brasileiro.

Torto Arado foi lançado inicialmente em Portugal para só depois atrair a atenção do mercado brasileiro onde figura há meses no topo da lista dos mais vendidos com mais de 100 mil exemplares e com rasgados elogios do público e da crítica. A obra já teve direitos vendidos para diversos países e será em breve adaptada para o cinema. 

Uma história narrada no sertão baiano, atemporal, cercado de misticismo, racismo e luta pela terra e que conta a saga de uma família de quilombolas na Chapada Diamantina. Narrado pelas irmãs Bibiana e Belonísia e pela entidade “encantada” Santa Rita Pescadeira, o livro chega a um público encharcado de narrativas urbanas e carente de uma história rural, num país desigual e que volta suas costas para o Brasil profundo e para o seu passado. As narradoras carregam o peso de serem mulheres, negras, pobres e nordestinas numa sociedade patriarcal, racista e violenta.

Este livro precisava ser lançado e chega na sua hora mais necessária. O autor, na elogiada entrevista que deu ao Programa Roda Viva, da TV Cultura, que merece ser assistido pelo YouTube, cita como uma das suas motivações, frase da escritora afro-americana Toni Morrison, Nobel de Literatura“Se há um livro que você quer ler, mas não foi escrito ainda, então você deve escrevê-lo”. Itamar escreveu uma história que vai viver para sempre e da qual selecionei o trecho abaixo:

“O medo atravessou o tempo e fez parte de nossa história desde sempre.  Era o medo de quem foi arrancado do seu chão. Medo de não resistir à travessia por mar e terra. Medo dos castigos, dos trabalhos, do sol escaldante, dos espíritos daquela gente. Medo de andar, medo de desagradar, medo de existir. Medo de que não gostassem de você, do que fazia, que não gostassem do seu cheiro, do seu cabelo, de sua cor. Que não gostassem de seus filhos, das cantigas, da nossa irmandade. Aonde quer que fôssemos, encontrávamos um parente, nunca estávamos sós. Quando não éramos parentes, nos fazíamos parentes. Foi a nossa valência poder se adaptar, poder construir essa irmandade, mesmo sendo alvos da vigilância dos que queriam nos enfraquecer. Por isso espalhavam o medo.”