20.9.19

A TORRE NEGRA, A OBRA PRIMA DE STEPHEN KING


“O Homem de Preto fugia pelo deserto, e o Pistoleiro ia atrás.”

Com a frase acima, tem início a saga de oito volumes e quase 4,5 mil páginas da Torre Negra, considerada pelos fãs de Stephen King, e pelo próprio autor, como a sua “magnum opus” ou obra magna. Note que não se está falando de um escritor qualquer, mas do dono de uma coleção assombrosa (literalmente) de mais de 80 livros que já são parte integrante da cultura pop mundial, com vários adaptados com sucesso para as telas como O Iluminado, IT, Cemitério Maldito, Um Sonho de Liberdade, Louca Obsessão, Conta Comigo, A Redoma, Carie A Estranha, A Hora da Zona Morta e muito mais.

A Torre Negra é uma série épica composta dos livros O Pistoleiro, A Escolha dos Três, As Terras Devastadas, Mago e Vidro, Lobos de Calla, Canção de Susannah, A Torre Negra e O Vento Pela Fechadura e não é tarefa fácil descrever o que ocorre nos oito livros. É uma experiência imersiva que garante emoções intensas aos leitores que se aventurarem pela odisseia do último pistoleiro vivo, Roland Deschain, no Mundo Médio.

Se você se lembrar da Terra Média, universo de outra saga: O Senhor dos Anéis, não estará num mau caminho. Roland tem um único objetivo na vida: alcançar a Torre Negra que se encontra sob ameaça. Aqui, você precisa saber o que é a Torre Negra, já que toda a epopeia se desenvolve a partir da compreensão de que se trata simplesmente do centro fundamental de todos os mundos e para onde todos os diversos universos convergem. Se a torre cair, todos os mundos que ela sustenta colapsarão juntos.

Na sua perseguição ao Homem de Preto em direção à Torre Negra, o pistoleiro contará com o auxílio de três importantes personagens que formam seu quarteto ou ‘ka-tet’, uma família forjada pelo destino: Jake, um adolescente negligenciado pelos pais e que surge no Mundo Médio após morrer atropelado em Nova York; Eddie, um viciado em heroína que “salta” para o mundo de Roland durante um conflito com traficantes; e Susannah, uma ativista negra com pernas amputadas e dupla personalidade.

Se você achar que esses três companheiros não são exatamente exemplos de paladinos aptos a ajudar um pistoleiro em uma missão quase sagrada, não está errado. Aqui entra o gênio de Stephen King ao colocar nas mãos desses quatro uma tarefa quase impossível. Se você se lembrou de quatro hobbits tentando destruir um anel mágico em uma montanha, é por aí.

Comprei os oito livros e embarquei na maratona de viajar com eles pelo universo do Mundo Médio. Atravessando o calhamaço, facilitado pelo ritmo ágil da narrativa, estive envolto em combates e fugas, chacinas e romance, traições e amizade. Diversas vezes, senti que precisava de uma desintoxicação daquela história viciante, mas o prazer é a armadilha garantida de todo vício. Ao final da saga, como numa síndrome de abstinência, é impossível para o leitor não querer mais, mesmo vencendo uma aventura exaustiva.

Parte da história foi adaptada para o cinema há dois anos, resultando num fracasso de público e crítica. É inacreditável que se possa pegar um material original genial, colocar os ótimos Idris Elba e Matthew McConaughey nos papéis de Roland e do seu inimigo, o Homem de Preto, e fazer uma bomba.

O próprio Stephen King respondeu em entrevistas sobre o porquê de a história ter sido tão mal adaptada para o cinema. Houve dois grandes erros: tentar encaixar uma saga de grande escala em um tempo inadequado e anular o tom original, violento e denso, em busca da atenção de um público juvenil.

Um conselho: fuja ou esqueça-se do filme e mergulhe nos livros. Nada melhor do que beber diretamente da fonte. Não é uma leitura, é uma experiência!

9.9.19

O HOMEM QUE AMAVA OS CACHORROS


A primeira vez que soube desse livro do cubano Leonardo Padura foi numa matéria em que os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff diziam que o estavam lendo e elogiavam a obra. Na ocasião, decidi que não iria lê-lo já que os dois petistas gostaram tanto dele.

Pois li. Não pergunte o porquê, são muitas coisas...

Ainda não sei se gostei. Talvez tenha gostado e não queira admitir. O fato é que não consegui largar suas 590 páginas.

O cubano Leonardo Padura levou dez anos escrevendo “O Homem que Amava os Cachorros”, uma obra premiada internacionalmente e invejável, com o mérito extra da coragem em abordar o assassinato do revolucionário Leon Trotski por ordem de Stalin, tema ainda hoje, 70 anos depois, quase tabu entre os comunistas, principalmente em Cuba, a terra do seu autor.

O romance é uma ficção baseada em fatos históricos narrada em três tempos. Simultaneamente, acompanhamos os conflitos internos do escritor cubano Ivan Cárdenas, os périplos do russo expatriado Leon Trotski e o treinamento do seu assassino, o comunista catalão Ramon Mercader. Em comum, o apego dos três homens aos cães.

O narrador principal, o fictício Ivan Cárdenas, é um alter ego de Padura, um escritor cubano com um futuro promissor até ter seus textos censurados pelos revolucionários da ilha de Fidel. Escreve Ivan pela pena de Padura: “aquele conto era inoportuno, não publicável, completamente inconcebível, quase contrarrevolucionário – e ouvir aquela palavra, como devem calcular, provocou em mim um arrepio, evidentemente de pavor. Eles esperavam que uma coisa assim não voltasse a acontecer e que eu pensasse um pouco mais quando voltasse a escrever, porque a arte era uma arma da revolução”.

Ivan, que até então sonhava ser um escritor, vê-se sufocado pela teia da burocracia política, assistindo ao próprio declínio pessoal e profissional. Em paralelo, acompanhamos o destino traçado pela perseguição ideológica à arte de outro escritor, o poeta russo Vladimir Maiakovsky, que se matou por não conseguir aliar sua arte aos ditames da ditadura comunista: “O silêncio de Maiakovski pressagiava outros silêncios tanto ou mais dolorosos que se verificariam no futuro. A intolerância política que invadia a sociedade não descansaria enquanto não a asfixiasse. Tal como sufocaram o poeta”.

Em meio às suas reflexões sobre as tramas do destino, Ivan encontra pela primeira vez um velho e misterioso estrangeiro numa praia de Havana. Os encontros seguidos dos dois levarão o leitor a conhecer as dramáticas histórias de Trotsky e do seu assassino Ramon Mercader.  As trocas de confidências entre os dois homens, sempre à beira do mar de Havana, homens vergados pelo destino como palmeiras maltratadas por um furacão — no livro há um furacão de nome Ivan —, faz Padura constatar que: “a dor e a miséria figuram entre aquelas poucas coisas que, quando repartidas, tornam-se sempre maiores”. 

A série da Netflix
Acompanhamos o exílio de um infatigável Trotsky, já caído em desgraça no partido comunista soviético, na sua busca durante anos por um destino, pela Turquia, Noruega e França até a Cidade do México, sempre perseguido por Stálin, sobrevivendo a vários atentados, com visto negado por quase todos os países do mundo e vendo seus quatro filhos, os amigos e companheiros sendo presos, torturados e mortos. 

Ao mesmo tempo, seguimos os passos do catalão que viria a matá-lo com uma picareta na cabeça e toda a sua preparação por anos até ser infiltrado no fechado grupo de amigos e protetores de Trotsky.

Dos três homens da história do livro, o assassino é o que vive mais tempo. Ele foi salvo do linchamento nas mãos dos guarda-costas pelo próprio Trotsky que, prestes a morrer, ordena que ele seja interrogado. A seguir, enfrenta inúmeros interrogatórios e torturas físicas e psicológicas. Encarcerado por 20 anos em uma prisão mexicana, considerada o pior inferno na terra, é libertado e vive por anos em uma Moscou cinzenta e gelada, “ouvindo” dia após dia, o grito de dor e surpresa da sua vítima ao receber o golpe fatal.

A Netflix exibe em oito capítulos a luxuosa e tendenciosa minissérie russa Trotsky. O livro é infinitamente melhor.