9.9.19

O HOMEM QUE AMAVA OS CACHORROS


A primeira vez que soube desse livro do cubano Leonardo Padura foi numa matéria em que os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff diziam que o estavam lendo e elogiavam a obra. Na ocasião, decidi que não iria lê-lo já que os dois petistas gostaram tanto dele.

Pois li. Não pergunte o porquê, são muitas coisas...

Ainda não sei se gostei. Talvez tenha gostado e não queira admitir. O fato é que não consegui largar suas 590 páginas.

O cubano Leonardo Padura levou dez anos escrevendo “O Homem que Amava os Cachorros”, uma obra premiada internacionalmente e invejável, com o mérito extra da coragem em abordar o assassinato do revolucionário Leon Trotski por ordem de Stalin, tema ainda hoje, 70 anos depois, quase tabu entre os comunistas, principalmente em Cuba, a terra do seu autor.

O romance é uma ficção baseada em fatos históricos narrada em três tempos. Simultaneamente, acompanhamos os conflitos internos do escritor cubano Ivan Cárdenas, os périplos do russo expatriado Leon Trotski e o treinamento do seu assassino, o comunista catalão Ramon Mercader. Em comum, o apego dos três homens aos cães.

O narrador principal, o fictício Ivan Cárdenas, é um alter ego de Padura, um escritor cubano com um futuro promissor até ter seus textos censurados pelos revolucionários da ilha de Fidel. Escreve Ivan pela pena de Padura: “aquele conto era inoportuno, não publicável, completamente inconcebível, quase contrarrevolucionário – e ouvir aquela palavra, como devem calcular, provocou em mim um arrepio, evidentemente de pavor. Eles esperavam que uma coisa assim não voltasse a acontecer e que eu pensasse um pouco mais quando voltasse a escrever, porque a arte era uma arma da revolução”.

Ivan, que até então sonhava ser um escritor, vê-se sufocado pela teia da burocracia política, assistindo ao próprio declínio pessoal e profissional. Em paralelo, acompanhamos o destino traçado pela perseguição ideológica à arte de outro escritor, o poeta russo Vladimir Maiakovsky, que se matou por não conseguir aliar sua arte aos ditames da ditadura comunista: “O silêncio de Maiakovski pressagiava outros silêncios tanto ou mais dolorosos que se verificariam no futuro. A intolerância política que invadia a sociedade não descansaria enquanto não a asfixiasse. Tal como sufocaram o poeta”.

Em meio às suas reflexões sobre as tramas do destino, Ivan encontra pela primeira vez um velho e misterioso estrangeiro numa praia de Havana. Os encontros seguidos dos dois levarão o leitor a conhecer as dramáticas histórias de Trotsky e do seu assassino Ramon Mercader.  As trocas de confidências entre os dois homens, sempre à beira do mar de Havana, homens vergados pelo destino como palmeiras maltratadas por um furacão — no livro há um furacão de nome Ivan —, faz Padura constatar que: “a dor e a miséria figuram entre aquelas poucas coisas que, quando repartidas, tornam-se sempre maiores”. 

A série da Netflix
Acompanhamos o exílio de um infatigável Trotsky, já caído em desgraça no partido comunista soviético, na sua busca durante anos por um destino, pela Turquia, Noruega e França até a Cidade do México, sempre perseguido por Stálin, sobrevivendo a vários atentados, com visto negado por quase todos os países do mundo e vendo seus quatro filhos, os amigos e companheiros sendo presos, torturados e mortos. 

Ao mesmo tempo, seguimos os passos do catalão que viria a matá-lo com uma picareta na cabeça e toda a sua preparação por anos até ser infiltrado no fechado grupo de amigos e protetores de Trotsky.

Dos três homens da história do livro, o assassino é o que vive mais tempo. Ele foi salvo do linchamento nas mãos dos guarda-costas pelo próprio Trotsky que, prestes a morrer, ordena que ele seja interrogado. A seguir, enfrenta inúmeros interrogatórios e torturas físicas e psicológicas. Encarcerado por 20 anos em uma prisão mexicana, considerada o pior inferno na terra, é libertado e vive por anos em uma Moscou cinzenta e gelada, “ouvindo” dia após dia, o grito de dor e surpresa da sua vítima ao receber o golpe fatal.

A Netflix exibe em oito capítulos a luxuosa e tendenciosa minissérie russa Trotsky. O livro é infinitamente melhor.

1 comment:

Livia Moreira said...

Deve ser muito interessante! Fiquei com vontade de lê! Você, como sempre, dando dicas maravilhosas! Arrasou, amigo!