25.8.13

Para que serve mesmo um smartphone?

Há algum tempo venho me perguntando por que as fabricantes dos celulares inteligentes, os smartphones, gastam dinheiro com propaganda. Elas poderiam economizar uma fortuna, pois os maiores garotos propagandas das maravilhas dos smartphones são seus próprios usuários. Então, se alguém ainda não tem um smartphone não terá sido por falta de coleguinhas martelando seu juízo para fazer você se sentir uma espécie de Neandertal por ainda não ter aderido (ou sucumbido) aos tais aparelhinhos.

Para mim, na medida em que os telefones se tornam mais inteligentes, seus usuários se tornam mais burros. Outro dia, num programa de televisão, quatro mulheres falavam sobre os tais aplicativos e como eram felizes por terem à mão aparelhos que medem batimentos cardíacos, identificam uma música, servem como trenas, lembram-lhe a hora de tomar remédio, tiram fotos, postam em redes sociais....o diabo. Uma delas chegou a dizer: hoje em dia todo mundo tem um smartphone. Senti-me o último dos moicanos a quem só restou um velho Nokia que tem uma câmera que nunca usei e que dá para ouvir rádio, o que nunca fiz.

Eu nem precisaria ler uma pesquisa que mostra que as pessoas estão dependentes dessas máquinas, eu vejo isso cotidianamente. Mas chamou-me a atenção que está comprovado, com base em estudo dos sites Gazelle, Nielsen ComScore, PRNewswire, Pew Internet e MSNBC, que 65% dos portadores de iPhones dizem não conseguir viver sem os celulares, 40% deixariam o cafezinho de lado e 18% deixariam de tomar banho todos os dias. E veja que incrível: 15% preferem passar o final de semana com seus smartphones a fazer sexo.

Não achei nenhuma novidade saber que 58% dos smartphonedependentes usam seus celulares em festas ou outros eventos. Vejo isso na minha academia, observo pessoas hipnotizadas pelos seus aparelhos. Já cheguei a ver pelo menos dez pessoas, simultaneamente, sentadas nos seus respectivos aparelhos ou correndo em esteiras e bicicletas, todas futucando alguma coisa nos seus bichinhos de estimação portáteis. Se tivesse um smartphone, fotografaria a cena e publicaria imediatamente numa das redes sociais em que pululam fotos de shows, pratos de comida ou gatinhos fofuchos.

Um dia, num show, ao meu lado vi uma moça fotografar o artista que cantava para, em seguida, passar os longos minutos de uma música inteirinha totalmente desconectada do que acontecia no palco, pois se dedicava a postar em uma rede social a foto que acabara de tirar, provavelmente retocando alguma coisa (creio que esses aparelhos inteligentes devem servir para isso também), acrescentar algum comentário com a interjeição “u-hu”, ou similar e, imediatamente, responder a comentários feitos online. Enquanto isso, Gilberto Gil e Zeca Baleiro cantavam uma canção linda, da qual a moça estava totalmente alienada. Aquilo me incomodou e eu passei a observar o desenrolar da cena que nunca terminava já que mais comentários pipocavam, exigindo dela respostas. Não resisti e toquei no seu ombro dizendo: “Ei, o show é ali”, apontando para o palco. Juro que ela me olhou com uma expressão totalmente vazia, como se não compreendesse o alcance do meu comentário. Voltou para o que interessava: seu smartphone, deixando Gil só para mim e os poucos Neandertais que restaram e a quem os smartphone não abduziram.

Na Coréia do Sul, líder mundial do mercado de celulares e terra da Samsung, o governo está preocupado com a crescente dependência das pessoas. "São escravos sem cérebro", diz Kim Nam-Hee, um dos especialistas que tentam sensibilizar os estudantes sul-coreanos sobre os perigos dos telefones inteligentes, que viciam crianças cada vez mais novas. Há casos de crianças que ameaçam se suicidarem se os pais confiscarem seus aparelhos. Na Coréia foi preciso um esforço conjunto dos ministérios da saúde e da educação para criarem acampamentos de férias e desintoxicar alunos viciados cujos sintomas são: ansiedade ou depressão quando não podem ter os aparelhos em mãos, tentativas frustradas de diminuir o tempo gasto com o aparelho e sensação de felicidade quando se está conectado. Alguma semelhança com o crack?

Voltando à minha academia, sempre me intrigou como as pessoas não se preocupam ao deixarem seus telefones caros no chão ou em cima de uma máquina. Não têm medo de os esquecerem? Depois me toquei: isso jamais aconteceria com pessoas assim, pois elas não são capazes de se afastar demais do bicho. Deve haver alguma espécie de ímã ou um aplicativo que emite sinais diretamente para seus cérebros, impedindo-os de se separarem dos seus smartphones.

A Universidade americana de Stanford, também comprovou a dependência afirmando que 69% dos jovens disseram ser mais provável esquecer a carteira do que o celular, 75% já tinham adormecido com o iPhone na cama, 71% disseram já ter usado o aparelho para evitar fazer contato visual. Estudo da Rutgers University, de Nova Jersey, revelou que um terço dos usuários mostrava sinais de vício similares aos de alcoólatras.

Outro dia, na TV vi um inventor feliz da vida porque criou um aplicativo em que o próprio usuário programa seu aparelho para ficar desligado. Só assim, segundo ele, muitos estudantes puderam terminar um trabalho, escrever uma dissertação ou concluir um mestrado. Fiquei intrigado. A pessoa precisa usar um aplicativo que a impeça de usar o aparelho? O que aconteceu com o botão de desliga? Será que esses aparelhos não possuem esse botão? É capaz mesmo de não serem possíveis de desligar e exigirem um aplicativo para isso, na falta de um cérebro que os manuseiem.


20.8.13

Flores Raras

Há quase 20 anos, fui “apresentado” por um amigo à poeta americana Elizabeth Bishop através do livro “Flores Raras e Banalíssimas”, de Carmem Oliveira. Até então, jamais ouvira falar de Bishop ou da sua companheira, a brasileira Lota Soares ou sequer imaginava que no Rio de Janeiro dos anos 50 duas mulheres tão importantes para a poesia e a arquitetura pudessem ter vivido uma relação de amor tão intensa por quase duas décadas.

A partir da leitura do livro, fiquei fã de ambas. Em seguida, comprei o livro “Uma Arte”, em que a Cia das Letras publicava, em mais de 700 páginas, parte da enorme correspondência da poeta. São registros preciosos e precisos da visão de uma estrangeira sensível do Brasil dos anos 50 e 60, período em que Elizabeth Bishop viveu por aqui, entre Rio de Janeiro e Ouro Preto. Li as sete centenas de páginas como se estivesse recebendo as cartas de uma amiga, pois passei a admirar enormemente aquela mulher que ganhou todos os maiores prêmios da literatura americana, incluindo o prestigiado Pulitzer. Quando a atriz Regina Braga encenou o monólogo Um Porto Para Elizabeth Bishop, lá estava eu nas primeiras fileiras do TCA para reverenciá-la.

Todos esses longos parágrafos introdutórios são para explicar porque aguardei por quase 20 anos que alguém filmasse essa belíssima história, levando para mais pessoas a vida dessas duas mulheres já que o Brasil não lhes dá o devido valor. Uma mulher extremamente forte, Lota, e outra incrivelmente frágil, Elizabeth, ambas vivendo no auge das suas potencialidades, crescendo juntas graças ao seu amor.

O pouco conhecimento no Brasil sobre ambas se deve, provavelmente, ao fato de Lota ser mais conhecida (e talvez nem tanto quanto mereceria) no Rio de Janeiro, por ter sido a idealizadora, realizadora e defensora do impressionante Parque do Aterro do Flamengo; e por Bishop ser mais conhecida por quem gosta de poesia.

O diretor Bruno Barreto, com seu filme: Flores Raras, traz a história de amor das duas mulheres para um público maior, já que livro e poesia, urbanismo e teatro não são tão populares no Brasil quanto cinema.

Li de um crítico que o filme é um tanto acadêmico com tomadas e ângulos pouco inspirados e muito sóbrios. De fato, Bruno Barreto não ousou nos enquadramentos, mas isso não diminui a beleza do filme. Esse mesmo crítico afirma que a película lembra propaganda da Embratur ao mostrar o Rio que estamos acostumados a ver, com a praia de Copacabana ao som de uma música da Bossa Nova. Fiquei atento à tal cena. Trata-se de praticamente um quase frame de segundos mostrando Copacabana em ângulo aberto quando já se passava mais de 40 minutos do filme e não mais se vê outra vez. Sobre a Bossa Nova, afinal qual o estilo musical e a praia eram símbolos internacionais do Rio de Janeiro naquela época?

Outra crítica que li é quanto à forma como Glória Pires interpretou Lota: como uma lésbica machona. Outra falha do crítico, pois a verdadeira Lota era ainda mais masculinizada do que Glória Pires a interpretou e não seria uma mulher delicada que enfrentaria de igual para igual um político experiente como o governador Carlos Lacerda, e homens como o paisagista Burle Marx, que trabalhou sob o tacão de Lota que nem arquiteta formada era.

Glória Pires e Miranda Otto estão muito bem nos seus papéis. As cenas de sexo entre ambas são elegantes sem perder o erotismo e o filme consegue mostrar bem a extrema timidez de Bishop, sua relação intensa com a poesia (levava meses e até anos para concluir um poema) e sua carga de problemas com o alcoolismo, a asma, o trauma da orfandade e a depressão.

De fato, não vemos um filme muito arrojado podendo até ser conservador em alguns pontos, mas vale à pena pela beleza da história contada.

Chamo a atenção para o início do filme, quando a poeta lê para seu melhor amigo, o também poeta americano Robert Lowell, ainda em Nova Yorque, o até então incompleto poema Uma Arte (A arte de perder não é nenhum mistério/tantas coisas contém em si o acidente/de perdê-las, que perder não é nada sério./Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,/a chave perdida, a hora gasta bestamente./A arte de perder não é nenhum mistério./Depois perca mais rápido, com mais critério:/lugares, nomes, a escala subsequente/da viagem não feita. Nada disso é sério./Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero/lembrar a perda de três casas excelentes./A arte de perder não é nenhum mistério./Perdi duas cidades lindas. Um império/que era meu, dois rios, e mais um continente./Tenho saudade deles. Mas não é nada sério./Mesmo perder você ( a voz, o ar etéreo, que eu amo)/não muda nada. Pois é evidente/que a arte de perder não chega a ser um mistério/por muito que pareça (escreve) muito sério.)

No final, vemos Elizabeth ler o final do mesmo célebre poema para o mesmo melhor amigo, no mesmo banco do Central Park, após todos os tumultuados anos vividos no Brasil quando foi muito amada e amou demais, já reconhecida e multipremiada. Um fechamento perfeito para um final de um ciclo, de uma história, retratando quanto tempo ela demorava para terminar um poema, quantas perdas viveu e ainda conseguiu, mesmo com toda a sua enorme fragilidade, sobreviver graças ao seu talento e o seu amor à poesia.