28.9.23

LEITURAS DE JUNHO A SETEMBRO DE 2023

Dando continuidade às postagens que faço há 5 anos com breves resenhas dos livros lidos, listo os 19 livros que li nos últimos quatro meses. A eles se somam os 14 lidos de Janeiro a Maio deste ano que publiquei em post anterior completando 33 neste ano.

1- O LEOPARDO – De Jo Nesbo O 12º livro que li do magnífico criador do detetive Harry Hole. Nesse novo thriller, a polícia norueguesa caça um serial killer responsável pela morte de várias mulheres encontradas afogadas no próprio sangue. Aqui temos de volta o complicado detetive Harry Hoje, personagem tão genial para a literatura policial quanto Hercule Poirot é para Agatha Christie e Sherlock Holmes para Conan Doyle, um alcoólatra com inúmeras recaídas e cheio de fantasmas pessoais, mas extremamente humano e honesto. Aqui, o sadismo do assassino é muito impactante, com o uso de um equipamento de tortura tão macabro que só podia ter saído de uma mente inventiva, lembrando os piores vilões dos livros de Stephen King.

2-TUDO É RIO – De Carla Madeira Livro de estreia da autora. Temos aqui o casal Dalva e Venâncio que passa por uma perda trágica. No meio da crise, surge Lucy, a prostituta mais linda e depravada da cidade, o que cria um triângulo amoroso de resultado devastador. As duas personagens femininas são antípodas extremas e parte do que me incomodou no livro foi o modo simplificador com que a autora justificou as razões que levaram Lucy à prostituição. Um final abrupto e focado na redenção das personagens que só alcançaria o efeito pretendido se elas fossem carismáticas o suficiente para a gente se importar com elas, o que, convenhamos, não funcionou.  Não foi um livro ruim, mas os personagens foram muito pouco desenvolvidos e o final do livro não desceu.

3 e 4 - NOITES NA TAVERNA E MACÁRIO – De  Álvares de Azevedo Nunca havia lido nada do autor, mas não gostei da estética rebuscada dos dois livros, mesmo adorando histórias de terror. No primeiro, cinco amigos se reúnem para contar histórias envolvendo eventos sobrenaturais. Azevedo foi expoente da geração romântica do “mal do século”, conhecida pela melancolia e pelo tédio.  Obras póstumas impactantes quando lançados no século XIX, mas que envelheceram mal. O segundo livro me desagradou ainda mais e, mesmo sendo curto, quase desisti da leitura várias vezes. Uma peça de teatro sobre um jovem que encontra com o diabo. Chata como a mente de um terraplanista.

5- A RAINHA VERMELHA – De Philippa Gregory. Essa historiadora é especialista em monarquia britânica e escreve sobre um tema que me fascina: as guerras entre casas reais inglesas. Este é o segundo volume da série de quatro livros: A Guerra dos Primos dos quais já li “A Filha do Fazedor de Reis”, mas ainda faltam: “A Princesa Branca” e “A Maldição do Rei”. Os quatro livros tratam da guerra das Rosas envolvendo as dinastias York, Lancaster e Tudor tendo como protagonistas mulheres fortes das três famílias. Neste volume, a herdeira Margaret Beaufort dedica sua vida a colocar o filho Henrique Tudor, futuro Henrique VII, no trono e mudar o curso da história.

6- O JOGADOR – De Fiódor Dostoiévski O 13º livro que li do escritor russo que mais me fascina e que está entre meus autores favoritos. Fico sempre muito impressionado pelo seu estilo elegante e o total domínio da narrativa, conseguido ser ao mesmo tempo bem humorado e denso. Temos aqui um tema muito próximo ao autor já que ele próprio sofreu com o vício no jogo. A história se passa num balneário que é paraíso e inferno para viciados. Diversos personagens inescrupulosos rodeiam o narrador Alexei, um preceptor, contratado por um decadente general russo que espera a morte da avó para saldar uma dívida e casar-se com a leviana Blanche. O livro tem um salto de emoção quando subitamente aparece no balneário a detestável avó do general, que gera um tumulto na história e se vê envolvida no “inferno” da jogatina desenfreada.

7- HOMENS SEM MULHERES – De Haruki Murakami – 7º livro que li do escritor japonês mais adorado pelo público. Se  achei seus dois livros anteriores que li: Kafka à Beira Mar e Caçando Carneiros arrastados, aqui mordi a língua porque os sete contos deste volume são excelentes e abordam sentimentos de homens solitários deixados por suas mulheres e que tentam recomeçar a viver após o final dos relacionamentos. “Drive My Car” virou um filme que ganhou o Oscar. “Sherazade”, é sobre uma mulher que adora contar histórias após as relações sexuais com o amante. “Samsa Apaixonado”, inspirado em A Metamorfose, é o inverso do livro de Kafka quando temos um inseto que acorda metamorfoseado em Gregor Samsa. Há ainda os excelentes “Yesterday", “Um Órgão Independente”, “Kino” e “Homens Sem Mulheres”.

8- DENTRO DA NOITE VELOZ – De Ferreira Gullar- Primeiro livro que li do poeta maranhense. Publicado nos anos 70, tem poemas sem métrica definida, com versos livres, repleto de lirismo e abordando temas como a desigualdade social e a ditadura militar. Em Poema Brasileiro o poeta atinge um dos seus pontos altos, quando repete em diferentes métricas poéticas a frase: “No Piauí de cada 100 crianças que nascem/78 morrem antes de completar 8 anos de idade”. Destaco também o poema Não há Vagas em que o poeta diz: “O preço do feijão não cabe no poema / O preço do arroz não cabe no poema / Não cabem no poema o gás / a luz do telefone / a sonegação / do leite / da carne / do açúcar / do pão....”encerrando sem dó: “O poema, senhores, / não fede / nem cheira”.

9- A ÚLTIMA FESTA - De Lucy Foley Primeiro livro que li dessa autora badalada. A editora fez uma enorme campanha publicitária no lançamento em 2018 dessa história de suspense no estilo “whodunnit” ou “quem matou?”, recurso narrativo envolvendo o assassinato de um personagem da trama com investigação sobre a identidade do criminoso. A diferença, neste caso é que não somente não sabemos quem matou, mas também quem foi morto. Nove amigos todo ano passam o réveillon juntos, mas neste ano somente oito retornam vivos. Aos poucos a história se desenvolve mostrando que todos os personagens têm seus esqueletos nos armários e não são as melhores pessoas para ter como amigos, pelo contrário, poucos deles valem o que comem.

10- A VOLTA DE SHERLOCK HOLMES - De Arthur Conan Doyle – O 5º livro que li da série de Sherlock Holmes. Aqui o autor “ressuscitou” o detetive após tê-lo matado nas Cataratas de Reichenbach no volume anterior: Memórias de Sherlock Holmes após pressão do público e da editora. O novo volume contém 13 contos narrados pelo Dr. Watson, médico e inseparável amigo de Holmes. Entre os contos, destaco os excelentes A Casa Vazia, Os Dançarinos, O Ciclista Solitário, A Escola do Priorado, Os Seis Napoleões, Os Três Estudantes, O Atleta Desaparecido, A Granja da Abadia e A Segunda Mancha.

11- O QUE TERÁ ACONTECIDO A BABY JANE? – De Henry Farrell Eu já havia visto o filme clássico baseado deste livro, com Bette Davis e Joan Crawford que conta o drama das irmãs Jane e Blanche. A primeira foi um fenômeno na infância, mas com o tempo sua irmã tomou o lugar de estrela. Após um acidente a carreira de Blanche foi interrompida e ela passou a viver sob os cuidados de Jane, isoladas numa mansão e num relacionamento abusivo cheio de segredos e culpa. Estilo de terror psicológico gótico que originou um subgênero protagonizado por mulheres idosas malvadas. A edição trás como brinde o conto O Que Terá Acontecido à Prima Charlotte, sobre uma mulher de meia-idade, suspeita do assassinato de seu amante. 

12- À SOMBRA DAS MOÇAS EM FLOR – De Marcel Proust Segundo livro que li da série de 7 volumes da monumental obra Em Busca do Tempo Perdido. Foi muito difícil avançar na leitura desse volume, como foi no primeiro O Caminho de Swann. Aqui acompanhamos um Marcel adolescente que, após desilusão amorosa com Gilberte, filha de Charles Swann e Odette de Crécy, parte com a a avó para uma temporada de veraneio num hotel chique na cidade litorânea de Balbec onde conhece um grupo de moças e se apaixona por Albertine. Este é considerado o mais difícil dos sete livros da série, com infinitas digressões líricas e descrição excessivamente minuciosa e detalhista do autor. 

13- ESCRAVIDÃO II – De Laurentino Gomes Após ter lido os três livros mais famosos do autor (1808, 1822 e 1889) e o primeiro volume da série Escravidão, devorei o segundo volume sob o impacto dos terríveis relatos da escravidão no Brasil. Este se passa entre 1700 e 1800 e acompanhamos os cerca de dois milhões de africanos arrancados dos seus lares e embarcados nos infectos porões dos navios negreiros para o Brasil, viagem descrita em sórdidos detalhes no livro. Continuamos lendo sobre as misérias dos que sobreviveram à travessia, a humilhante venda em leilões públicos, a vida em senzalas infectas, os castigos e a falta de esperança. O livro é resultado de seis anos de pesquisas do autor com viagens por 12 países. Em breve lerei o terceiro e último livro, encerrando também essa trilogia .

14- A REDOMA DE VIDRO – De Sylvia Plath Primeiro livro que li da poeta norte-americana e que foi seu único romance publicado. Lançado pouco após seu suicídio e recheado de referências semiautobiográficas, a história é inspirada nos acontecimentos que levaram a autora a ser foi internada em uma unidade psiquiátrica. Plath sofria de depressão e a sua protagonista Esther, que, nos anos 50, sai de Boston com uma bolsa de estudos e um estágio numa importante revista de Nova Yorque, revela essa característica da autora em um período pós-guerra que obrigavam as mulheres a escolher entre a profissão ou a família. Apesar do tema espinhoso, a escrita de Plath é elegante e bem humorada.

15- O CHAMADO DE CTHULHU E OUTROS CONTOS – De H. P. Lovecraft Primeiro livro que li do americano H. P. Lovecraft, escritor que revolucionou a literatura de terror inaugurando elementos sobrenaturais na ficção científica ao criar o que ficou conhecido como horror cósmico. Foi muito influenciado por Edgar Allan Poe e é o escritor favorito de modernos escritores de terror e fantasia como Stephen King e Neil Gailman. Nesta edição, além do clássico O Chamado de Cthulhu, encontramos os contos A Música de Erich Zann, Dagon, Os Gatos de Ulthar, A Casa Abandonada e A Verdade Sobre o Falecido Arthur Jermyn e Sua Família. Ler Lovecraft é entrar num outro patamar no que se refere à literatura fantástica.

16- AS ORIGENS DA FUNDAÇÃO – De Isaac Asimov Após ter lido os três livros originais da série Fundação e os dois volumes que antecedem a saga, estou pronto (mas não tão animado) para os dois volumes que concluem a história. Este foi o 8º livro do “bom doutor” que li e Asimov é indiscutivelmente uma fera na ficção científica, mas não tem um texto muito elegante. Notei certa fórmula que incomoda com excesso de adjetivos e de advérbios de modo e diálogos desnecessários. A exigência de leitores e editores levaram o autor a escrever os livros Prelúdio e Origem da Fundação que não acrescentam nada à trilogia original que já não era tão especial assim, mas que é um sucesso editorial e uma unanimidade pela crítica mundo afora.

17- CUJO - De Stephen King. Este foi o 44º livro do mestre Stephen King que li. A cada obra do autor que devoro fico impressionado com o perfeito domínio que ele tem do suspense, mantendo o leitor em estado de constante tensão. Aqui estamos novamente na fictícia cidade de Castle Rock, cenário de muitos livros de King. O garotinho Tad vive em paz com os pais até que uma série de acasos conspira para que mãe e filho passem dias presos em um carro sob sol escaldante ameaçados por um São Bernardo com hidrofobia. King repete com maestria o clima de suspense quase insuportável do seu livro Louca Obsessão, bem como o clima angustiante do livro Jogo Perigoso. Cujo é tão frenético que nem é dividido em capítulos, não permitindo sequer um respiro. 

18 - JOHNNY, VOCÊ ME AMARIA SE O MEU FOSSE MAIOR? – De Brontez Purnell Esse é um livro sujo, como diz a própria contracapa. Seu narrador é uma sucessão de episódios de rancor, paixões súbitas, autodepreciação, terapias frustradas, subemprego, drogas, festas e muito sexo sem proteção. Negro, fora do padrão estético, punk, soropositivo e muito afeminado, o autor revela que há coisas mais assustadoras do que o HIV. Uma leitura angustiante muitas vezes, mas a narrativa fragmentada fica repetitiva. Intrigante a parte em que o autor conta a história que deu origem ao título quando, ao ter sido trocado por um cara mais bem dotado, pergunta se este foi o motivo do rompimento e ouve a resposta afirmativa. Fiquei pensando sobre essa pergunta desesperada e não decidi se o sim ou o não teria sido a pior resposta .

19 – A NOITE DAS BRUXAS – De Agatha Christie De todos os autores que já li, ninguém supera em número de leituras a “Dama do Crime” Agatha Christie. Das suas mais de 80 obras publicadas, já li mais de 50 entre romances, contos e peças de teatro. Entretanto, o seu livro A Noite das Bruxas não estava entre eles. Confesso que o li muito mais motivado pela recentíssima adaptação para o cinema feita pelo ator e diretor britânico Kenneth Branagh. A história original se passa numa pacata cidadezinha inglesa e foi transposta, sem qualquer razão, para a bela Veneza do meio do século passado.  Aqui temos de novo o genial Hercule Poirot convidado pela amiga e escritora Ariadne Oliver para desvendar a morte da adolescente Joyce, afogada num balde de maçãs numa festa de Halloween após revelar que vira um assassinato no passado. 

27.9.23

A NOITE DAS BRUXAS

De todos os autores que já li, ninguém supera em número de leituras a “Dama do Crime” Agatha Christie. Das suas mais de 80 obras publicadas, já li mais de 50 entre romances, contos e peças de teatro. Entretanto, o seu livro A Noite das Bruxas não estava entre eles. 

Confesso que o li muito mais motivado pela recentíssima adaptação para o cinema feita pelo ator e diretor britânico Kenneth Branagh que tem vindo numa onda de adaptações de livros da autora, iniciando com Assassinato no Expresso do Oriente e seguindo com Morte no Nilo, onde ele interpreta o icônico detetive Hercule Poirot. 

Gostei muito do livro, mas não posso falar o mesmo dessa terceira adaptação para o cinema. Não entendi, inicialmente, o que me desagradou no filme, mas após ler o livro em dois dias descobri o que me incomodava. 

Inicialmente, as atmosferas das duas obras são bastante diferentes. A história original se passa numa pacata cidadezinha inglesa e foi transposta, sem qualquer razão, para a bela Veneza do meio do século passado. 

Independentemente do fato de que qualquer coisa que se passa em Veneza ser linda, fica óbvia a forçada da mão para repetir uma fórmula, levando a história para outra paisagem idílica, como aconteceu com boas razões e ótimos resultados nas duas adaptações anteriores. 

Por falar em fórmula, aqui o diretor repete uma mão pesada que parece querer que seu personagem roube todas as cenas descartando muitas vezes a luxuosa participação dos ótimos atores coadjuvantes. A vencedora do Oscar Michelle Yeoh faz um papel excelente, mas tem pouquíssimo espaço para desenvolvimento na trama. Dá até para pensar que o diretor não queria alguém para lhe fazer sombra.

Incomodou-me demais que diversos personagens da trama original foram completamente descartados com inclusão de outros inexistentes no livro e a mutilação do papel de outros.  Os personagens da atriz Camille Cottin (Olga) e do ótimo ator mirim Jude Hill (Leopold) só têm de iguais ao livro os seus nomes, mas nem são os mesmos personagens. Por sinal, a revelação final envolvendo o pequeno Leopold é tão constrangedora que merecia uma framboesa de ouro de edição mal caprichada.

Filmagem burocrática e dinâmica frenética da montagem, a bobagem da inclusão de supostos elementos sobrenaturais e os sustos forçados nem de longe lembram o ritmo do original. Sei que filme e livro são formatos diferentes e exigem abordagens diferentes, mas não me altere o samba tanto assim. Até os assassinatos são diferentes do livro. Sinceramente, foi uma bola fora total.