27.8.06

Os Falsos Ingleses


A lareira era falsa, apenas acendia uma luz, o chá era falso, tratava-se de suco de uva, mas a gente estava num hotel maravilhoso em Londres, Dolphin Square alguma coisa...tinha até um clube-spa dentro onde Boy George fez uma cena do clip Do You Really Want to Hurt Me?
Nossa, como a gente se divertiu. Na foto minha amiga perfeita: Sally

O Verdadeiro Inglês

Meu sonho sempre foi conhecer um inglês! Nelson intitulava Antônio Callado como o único inglês verdadeiro. Mas após a morte de Callado eu já havia perdido as esperanças de conhecer um inglês de verdade. Passei a acreditar que eles só existem nos livros de Agatha Christie, nas peças de Oscar Wilde ou nos filmes de James Ivory.

Pois não é que existe O Inglês Verdadeiro? Um lorde de carne e osso? Você não precisa procurá-lo em páginas de literatura cult ou no escuro dos cinemas de arte. Ele está em todos os jornais. Muitos ainda não sabem, mas Luis Inácio é, sim, o lorde perdido.

Luis Inácio é, provavelmente o filho ilegítimo de um barão bretão arruinado por intrigas palacianas com uma viscondessa celta exilada. Talvez até um príncipe herdeiro galês filho bastardo de uma condessa refém de alguma rainha malvada, deve ter sido seqüestrado por corsários e deixado incógnito, ainda criança, para ser criado no sertão de Pernambuco e acabou dando com os costados no ABC, o resto a gente sabe.

Mas o destino fez L.I. retomar suas raízes em busca do seu sangue azul aristocrático. E eu que me contentaria em ser atendido por um simples garçom inglês sou brindado com um Luis Inácio em carne e osso, ou melhor, barba e banha. É que sofri horrores nas mãos de garçons malignos, garçons demasiadamente baianos com sua baianidade exuberante, com sua desatenção indigesta, com sua incontinência interativa...o que eu não daria por um verdadeiro garçom inglês, discreto, confiável, eficiente e sobretudo fleumático...Agora tenho um presidente inglês!!!

Luis Inácio tem sido descrito pelas pessoas com quem viaja a bordo do Areolula, como um legítimo nobre inglês. Fontes importantes revelam que L.I. estaria desconectado da realidade, como um verdadeiro lorde deve ser. Dizem que L.I não discute nenhum assunto sério, como um lorde real, envolto em eflúvios alcoólicos, ele só dá atenção aos que massageiam seu ego, só se interessa por quem está disposto a ouvir seus discursos e improvisos repletos de piadinhas, chistes, anedotas ou melhor, como convém a um lorde britânico de boa cepa: blagues e boutades.

E havia quem pensava que o príncipe era FHC, mas que nobreza existe nessas três letras? L.I., sim, parece mais com um título. L.I não é 51 em romanos? Nosso nobre poderia ser chamado agora de L.I da Silva ou 51 da Silva. Tudo bem que lembra uma cachaça, mas agora que praticamente é um arquiduque, L.I. prefere mesmo o bom e envelhecido scotch escocês à caninha. Nada mais britânico. Não sabemos sobre o seu chá preferido, mas em breve veremos que é um legítimo chá inglês.

Logo mais, todos verão 51 da Silva, com paladar mais refinado pelos genes ingleses, preparando fish & chips e yorkshire puddings no lugar dos pesados churrascos do Torto. Gordura por gordura, nas três iguarias encontraremos muita banha de boi derretida. Algo que agrada a qualquer lorde que viva no país do “Fome Zero”. Alguém ainda lembra?

23.8.06

O Baiano Interativo no Cinema


Há uma praga solta nos cinemas de Salvador. Adoraria saber dizer seu nome em latim, pois assim esse artigo teria um estofo intelectual e sério - essas pragas em latim parecem tão mais ameaçadoras e solenes...- Pois bem, vá lá em português vulgar: "O BAIANO INTERATIVO".

Quando se diz: "Não assisto mais a filmes em sessões vespertinas", logo nos olham como se fossemos algum gótico eremita ou fotofóbico misógino.

O típico baiano interativo nunca ataca sozinho. São sempre dois ou mais, definham se não interagirem por mais de 10 minutos e por isso andam aos pares ou em cordas de caranguejo.

Então lá está você no cinema, evitou as sessões vespertinas esperando escapar da praga. Você escolheu a sessão de 10 e meia do Multiplex. Lá na sala menorzinha, onde passam os filmes ficam em cartaz 5 dias e levam só 12 expectadores por sessão. Lá você pensa que escapou dele? Engano seu, meu amigo. Ele já o descobriu ali.

O filme é um drama? Tem morte? Tragédia? O baiano interativo descobrirá uma motivo para rir porque há uma incompatibilidade genética entre o baiano interativo e a circunspecção necessária para assistir a um filme desses. O baiano interativo tem marcado nos cromossomos, gravado no DNA, o gene da esculhambação.

O baiano interativo da variante pseudo-cinéfilo não vai ao cinema para ver UM filme ou O filme. Ele vai para ver qualquer filme, escolhem pelo cartaz ou um que tenha um título bem cretino ou onde trabalhem aqueles atores medíocres.

O filme mostra corpos mutilados na guerra? Eles acharão motivos para rir. Já vi diversos ataques desses. Há os que não conseguem absorver uma narrativa não linear ou um flash back (acham que tem algo errada e comentam imediatamente com o vizinho interativo: "Ué?, essa mulher não morreu?). Estamos falando do interativo que não sabe o que é um flash back. Há os que não admitem os planos seqüências. Já vi um angustiado se mexer na cadeira em pânico quando a seqüência durou mais de 3 minutos. Sua companheira de interatividade tinha inadvertidamente ido comprar pipocas enquanto ele se debatia com o plano seqüência. Ah, o baiano interativo pseudo-cinéfilo não resiste por 5 minutos sem pipoca.

A interatividade na sala de cinema é contagiosa. Começa com um riso nervoso e desemboca na gargalhada frouxa nervosa envolvendo vários expectadores numa onda.

Uma pessoa normal não consegue se concentrar num filme e se deixar envolver na mágica do cinema porque a praga interativa está falando ao celular, criticando o que não entende ou rindo nervosamente.

O baiano interativo dirá que cinema não é igreja ou templo onde deve reinar o silêncio absoluto. Mesmo assim vou começar a uma campanha pelo uso de valium no sal da pipoca.

18.8.06

O Baiano Interativo no restaurante


Dando seguimento aos capítulos bissextos do meu personagem favorito, o Baiano Interativo, aqui nós o encontramos em lugares que em ele abunda: bares e restaurantes.

O Baiano Interativo adora se exibir para amigos, inimigos, conhecidos e, principalmente, para desconhecidos. Levando-se em conta que o número de desconhecidos é muito superior ao de conhecidos, a prática da auto-exibição assume proporções de epidemia.

Melhor definindo: a interatividade baiana é endêmica e, nesses trópicos, cresce e floresce sem par ou inimigos naturais, estimulada que é pela cultura oficializada, que a valoriza como charme típico e a chama pelo pomposo nome de “A Baianidade”.

O Baiano Interativo viceja em lugares públicos e ostenta, indiscriminadamente, sua exuberante e orgulhosa baianidade, principalmente em bares e restaurantes, onde encontra-se a praga chamada “música ao vivo”.

Em um mundo perfeito as pessoas que tocam música ao vivo em bares e restaurantes seriam presas, juntamente com as que vão aos shoppings usando havaianas. Mas como isso pode soar draconiano demais, talvez fosse suficiente uma lei obrigando essas pessoas a prestar serviços comunitários, como capinar um jardim, pintar um muro, usar uma mordaça!

Ah, os benefícios de uma mordaça seriam inestimáveis para conter a praga da interatividade baiana.

Mas divago. Estava com o meu anti-herói no restaurante não foi? Um daqueles com música ao vivo. Por música ao vivo entenda-se um som entre o insalubre e o insuportável. O baiano típico odeia silêncios. O silêncio dói nele, agonia-o...Baianos Interativos precisam da música alta para não ouvir os outros e, assim, não ouvir seus pensamentos. Coloque quatro deles à mesa e faça uma aposta em quem estará ouvindo quem. Você ganhará uma fortuna se apostar em ninguém.

Um baiano interativo estará calado apenas quando não houver um desconhecido por perto para ele falar qualquer irrelevância. A irrelevância, por sinal, é o conteúdo principal de um diálogo entre dois baianos típicos.

Baianos não costumam receber pessoas em casa, mesmo os amigos, prefere fazê-lo em bares, onde pode, facilmente, livrar-se deles se surgir algo mais interessante.

Cena clássica: dois baianos se encontram na rua e, com uma efusividade exagerada até mesmo para padrões tropicais, cumprimentam-se em uma variedade do baianês, o braulês, aos gritos de “colé di mermo, brother! ”, “é ninhuma, rei, na moral!”, “sideu di mal, mêrmão!”. Essa terminologia consta do dicionário de braulês e é utilizada indiscriminadamente tanto pelos braus do Curuzu quanto pelos mauricinhos de Aleluia. É sinal de bom gosto!

Então lá estão eles no restaurante. Recentemente li uma reportagem que dizia que 80% dos bares e restaurantes de Salvador fecham as portas antes de dois anos de funcionamento. Entre as causas desse fechamento está o péssimo preparo dos funcionários, obviamente baianos.

Um dos valores mais sagrados do baiano, o primeiro mandamento do decálogo soteropolitano é: Tu te divertirás! Então o baiano que sai para se divertir e se aborrece, se chateia, com algo, estará pecando seriamente contra esse mandamento. Então ele sempre irá relevar e descontrair. Não importa se a cerveja está demorando, se o bolinho de bacalhau veio congelado, se o arroz chegou sem sal...ele agüentará. Quando a conta chega, ele paga sem conferir, não quer passar a impressão de que é “complicado”. Como ele vai sobreviver sem a galera, sem a turma do bar?

O baiano quer receber mais atenção dos garçons e por isso logo que chagam num bar tratam de ficar “amigos”, perguntam o nome do funcionário, o seu time de futebol, e criam um “vínculo”. Quando voltam lá esperam um tratamento melhor do que o dos outros clientes que não sabem esses detalhes. “Qualé Baêa!” “E aí, chefia, solta uma cerva geladíssima”!

Tenho várias histórias dessas. Eu as coleciono. Sou o rei de reclamar com garçons. Se os garçons de Salvador formassem uma confraria organizada, mandavam-me matar. Eu confiro a conta, reclamo da demora, questiono tudo. Não sei me divertir. Nunca me chamam para sair. Estou virando um eremita dentro dessa sesmaria, dessa freguesia, dessa província.

História 1: Lá estava eu, pela primeira e última vez, naquele bar do Rio Vermelho. Meu pedido demorava. Como não? Quando já ia reclamar para o garçom, eu o ouço respondendo às pessoas da mesa vizinha que reclamavam da demora da cerveja: — Fique na sua! — disse ele, entre o sério e o compenetrado, mostrando aos clientes a palma da mão num gesto de “pare!” E eles ficaram na deles, talvez até se envergonhado por apressar tão diligente garçom.

História 2: Levo um amigo a um restaurante na Barra, um lugar que me servira antes um farto e suculento filé com um preço honesto. Meu amigo pede o mesmo prato que vem com metade da quantidade de comida. Chamo o garçom que me ignora. Chamo de novo e reclamo. Ele passa a bola para a gerente. Chamo a gerente. Ela chega. Estou repetindo a história quando o celular dela toca. Ela, simplesmente, vira as costas para a minha mesa e atende. Deixa-me falando sozinho e vai embora, tagarelando interativamente, ao celular. E não volta mais. Nem eu.

15.8.06

Minha mãe foi Miss Primavera


Tudo bem que eu não precisava herdar essas pernas da minha mãe. Mas ela bem que poderia ter se esforçado um pouco mais e me transmitir seus olhos verdes.
Ahh, a foto é P&B....Mas creia...os olhos são demais!

O Baiano Interativo e o Turista


Uma das coisas que mais me incomodam em Salvador é o Baiano Interativo.

Essa praga é tão disseminada pela cidade que é, praticamente, impossível escapar dela. Os baianos acreditam, a mídia os ajuda nisso quando vende essa imagem, que a famosa hospitalidade dos cidadãos locais é uma vantagem.

Parece que o turista, aqui chegando, jamais poderá caminhar, tranqüilamente, pelos sítios históricos ou desfrutar das aprazíveis paisagens da Soterópolis sem que uma horda de baianos interativos surja saída subitamente de becos e ladeiras para oferecer-lhe sua hospitaleira amizade.

O pobre turista será abordado e disputado a tapas e golpes de capoeira, terá seu pulso algemado com fitinhas do Bonfim e será arrastado para a casa do baiano interativo.

Não importa que o soteropolitano não fale uma palavra sequer do norueguês ou do italiano do ultramar, ele dará um jeito de se comunicar, de preferência em um tom de voz bem acima do seu normal, esse, já um tom escandaloso em si.

O desavisado turista, arrancado do seu dolce far niente flanar, será instado a escalar ladeiras da altura de um arranha-céu e, atirado pelo novo “amigo” em uma roda de samba e pagode, beberá cerveja “essa é da boa”, devorará quilos de moqueca de mapé e aratu “prá dar suadeira” e, “pra rebater”, enfiar-lhe-ão pela goela litros de água-de-coco.

A essa altura o turista conhecerá toda a família do baiano interativo. A sobrinha de 10 anos Suelen sentará no seu colo e não mais irá arredar dali apesar das tentativas vãs de Weitercleiton, esse de apenas seis, que precisará se contentar em se pendurar na barra da bermuda do ultramar.

A gorda tia Ivoneide já estará entregue ao sambão com a canga estampada — que já teve seus dias de glória — amarrada na altura das tetas, mal cobrindo o maiô bordô.
Ivoneide, vez por outra, joga a cabeça para trás e solta uma risadinha arfante. Não tem mais peso ou idade para isso, mas, surpreendentemente, samba aos gritos de “ordinária”, expressão que o turista crê ser uma grande elogio, devido à maneira como isso parece agradar à Tia Ivoneide.

O pai do nosso baiano interativo, Seu Ivonildo — irmão caçula de Ivoneide — estará firme no agogô e, pelos olhos baços e semicerrados, já demonstra estar entornando a cerveja desde muito cedo. Mas Ivonildo leva o ofício muito a sério. Comanda a roda de samba e de capoeira e canta firme: ”Aruanda ê/ Aruanda ê/Aruanda ê camará”.

O nosso baiano interativo exibirá aos seus, com orgulho, o turista arrebanhado, apontado-lhe a cunhada, o cunhado, o irmão militar e a irmã auxiliar de enfermagem.
O turista sorri amarelo, não se sabe se de confusão ou se já é efeito do mapé!

A roda de samba vai aos poucos se acabando. Suspeita ser algo ligado à hora do Ba-Vi, que o turista crê ser um ritual sagrado superior a tudo mais, pois ele, de repente, se verá sozinho em um quintal abandonado. Jogam-no numa rede, finalmente Suelen e Weitercleiton encontraram alguma outra novidade — ou outro turista por perto — e o “gringo” poderá, finalmente, dormir, embalado pelas toneladas de álcool e dendê que ingeriu e ouvindo as ondas do mar competindo com o som do Psirico e gritos de Baêêêêêa, que ele jamais entenderá o que significa. Não irá perguntar. Pelo resto da sua vida terá pesadelos com esse grito medonho.

No fim da tarde, nosso turista será arrastado para a Ribeira onde o obrigarão a tomar um sorvete “da porra” e, exortado por exemplos vários, mijará num muro vizinho a um módulo policial.

O “seu” guarda o repreenderá abrindo os braços e batendo de volta nos lados do corpo com a célebre frase que o turista a essa altura descobre servir para quase tudo: “Qual é a sua meu rei!” ou talvez sua variante mais comum; “Colé Papá”.

14.8.06

Uma foto de 40 anos


Camamu. 1966. Uma foto de 40 anos mostra que o mau humor já era um traço da minha personalidade, como o cheiro de cebola no hálito de Florentino Ariza (O Amor Nos Tempos do Cólera) era, praticamente, um traço do seu caráter.

13.8.06

Boston em um raro dia de sol

Abaixo o "Carioca"


Em tempos de boçalidades políticas, o que se pode fazer se não se acha uma rima para Endlösung, o que se faz se a vastidão do pequeno mundo não acompanha a vastidão do coração? o que se faz? dança um tango argentino ? toma uma cachaça? e se o estômago rejeita o álcool? adeus improváveis vapores azuis de absinto. Só resta tomar um porre de café.
Mas então você, após ler a Folha, um masoquismo ritual diário que aprendeu ao assistir a "Um Homem Chamado Cavalo", já não está lá no seu melhor humor e sua pobre alma resolveu não aceitar desaforos naquele dia.
Será encontrado já saindo do cinema. Ali já terá xingado de canalha o canalha que deixou o celular ligado e atendeu durante a sessão. O filme não era um filme definitivo...afinal o que aconteceu com os filmes definitivos? nunca mais um filme definitivo...nunca mais um em que se possa dizer: disse tudo!
Mas o café o esperava e pelo menos ali haveria alguma redenção possível. Se há um território sagrado no seu humilde, ma non troppo, parecer é aquele que se instala ao redor de uma xícara de expresso. Ali se reúne uma legião de fiéis do sagrado coffea arábica em tom de voz baixo compungido. Falam a mesma língua entorpecida de cafeína. Há os que se fazem acompanhar do cigarro, não chega a ser um cisma, talvez apenas uma variação litúrgica.
O café será uma fuga breve, uma paz fugaz, àquela altura suficiente para acalmar a indócil alma, esse pote até aqui de mágoas com severinos, lulas e boçais ao celular...o inferno são mesmo os outros, Jean Paul.. mas já não importa o que o mundo faz de você, nem o que você faz com o que o mundo fez de você...não importa nada...ninguém é mesmo cidadão.
Você está no recinto sagrado, um lugar onde crê estar a salvo dessa gente, você sabe de quem falamos. Os outros! Até que você pede à mocinha do café:
—"Um expresso não muito forte"
Aqui uma pausa para explicação. Você já tem experiência com a gente que trabalha nesse tipo de emprego. Se você quer um suco com pouco açúcar eles o entupirão de açúcar porque não acreditam que você não seja como eles. Sabedor dessa característica, se você quer um suco sem açúcar algum não adianta deixar isso claro e pedir um suco sem açúcar algum pois eles ainda colocarão algum pensando que seu paladar é como o deles.
No caso do café expresso lidamos com a mesma escória. Não é porque você adora café que tenha que tomá-lo como pasta cremosa de borra em pó. Você quer apenas um café expresso normal. Mas para consegui-lo você terá que deixar claro que quer um não muito forte, o que em português quer dizer um café expresso normal.
Acontece que você chegou há uns meses de São Paulo e por lá as mocinhas das cafeterias costumam chamar esse café de "carioca". Você pede:
—“Um expresso não muito forte —e elas perguntam de volta:
—“Um carioca?”
No começo você achou engraçado, você sabe que paulistas e cariocas tem essa rixa, mas você não é nem de um estado nem de outro e compreende a idiossincrasia das mocinhas das cafeterias....se bem que na décima vez aquilo já perdeu a graça...
E aqui está você na cidade da Bahia e vai pedir o mesmo café expresso não muito forte de sempre e a mocinha, com aquele inconfundível sotaque baiano lhe devolve com expressão bovina crente que está arrasando:
—"Um carioca"?
Você pensa logo no seu presidente...a bílis sobe até suas narinas, você lembra do canalha do celular no cinema...você olha para os lados para ter certeza de que os pontos geográficos que definem os limites da Bahia estão ainda ali e se pergunta onde essa infeliz pensa que está?
Você repete, fingindo que está ignorando a lúpen e pronunciando bem as sílabas para que ela compreenda que está pisando em campo minado:
—"Um ex-pres-so-não-mui-to-for-te!"
—Ah, um carioca! —repete ela, virando o rosto para a "colega", antes de ver as faíscas dos seus olhos.
Então essa praga chegou aqui! Você já havia até se acostumado com o hábito infecto dos atendentes de responderem ao seu pedido de expresso com a pergunta já banalizada pelo abuso
—"Puro ou com leite?"
Se você cobrasse uma multa para cada vez que você ouviu essa heresia poderia pagar a dívida externa. Você não se preocupa mais apesar de nunca ter se acostumado, pois um expresso sempre é puro, leite é como água sanitária no café. Mas agora terá que aguentar a invasão dos "cariocas"
Se ela dissesse para a "colega": "solta um carioca", você compreenderia ser um jargão, alienígena, tudo bem, mas algo para consumo interno da classe dela. Mas quando ela devolve a pergunta a você o que de fato quer é lhe mostrar que está antenada com a nova tendência oriunda da terra da garoa e que vocês dois dividem esse conhecimento, vocês seriam, nisso, iguais. Só faltou ela dar uma piscadela de cumplicidade.
Isso deve ter começado com algum paulista de férias viciado em café. Essa praga contaminou várias cafeterias de Salvador. Você viveu tal dissabor em cafés de shoppings, de livrarias, de cinemas...a praga está solta. Você já consegue até ver o tal paulista indo vezes seguidas naquele café, sempre pedindo o mesmo "carioca". A atendente baiana já fez "amizade" com ele, você sabe como baiano é interativo. Da 4ª vez que o paulista chegou lá a mocinha desinibida já foi logo perguntando metidinha: "um carioca?"
Mas agora você fechou a cara e perguntou para ela:
—"Por que carioca?"
Ela não esperava aquela reação. Você adora tirar baianos interativos do sério, eles são tão compenetrados na sua interatividade prezam muito a informalidade que se acham imunes a críticas. Ela amuou como sói acontecer quando não conseguem cumplicidade.
Agora você está feliz. Estragou a tarde de alguém...nem lembra mais do canalha do celular.

12.8.06

A Natureza do Poder


Atualmente é comum falar de Big Brother com uma enorme familiaridade mesmo por quem nem imagina que o termo se refere ao onipresente vilão do livro 1984, de George Orwell. Muita gente boa também não sabe que a intenção de Orwell, quando escreveu o livro, era criticar o comunismo.

Recentemente Pedro Bial, perguntado sobre o que George Orwell diria sobre os reality shows respondeu: "Ele diria: puxa, o danado do capitalismo conseguiu subverter até isso!". Só que o capitalismo não precisava subverter nada, como disse Bial, porque o texto inteiro de 1984 é uma crítica ao comunismo. Afinal o capitalismo vai subverter o quê se o totalitarismo orwelliano é cópia do stalinismo comunista?

As utopias sempre alimentaram os homens e elas sempre são subvertidas quando se deparam com a realidade. Por isso não duram muito.O poder sempre se encarrega de cooptar tudo, como no caso do Winston, de Orwell, que após uma rebelião inútil é cooptado pelo Grande Irmão.

Com a eleição do primeiro presidente operário do país, defrontamo-nos, incorrigíveis que somos, com mais uma dessas utopias. O fenômeno da eleição de Lula lembra muito esse sistema de cooptação, digestão e deglutição dos crédulos, comum a todos os regimes de poder. Um famoso quadro de Goya mostra Cronos devorando os filhos. É um quadro terrível, de uma violência estética impressionante. O tempo é sempre implacável e Cronos é o senhor do tempo. A decepção com Lula em tão pouco tempo reflete bem a velocidade com que o mundo caminha nessa era das mídias virtuais digitais ultra rápidas. É preciso estar preparado, pois a velocidade é nauseante.

Em 1984, as utopias negativas se revelam como nunca. Em época de unilateralidade americana, guerras estúpidas pelo poder, conflitos em valores éticos, crise econômica mundial, globalização e ditaduras sangrentas, o poder gera um sistema auto regulado como uma solução totalitária homogênea. Quem não se adequar, como o Winston de Orwell, será engolido. O capitalismo e a globalização sempre vencem. 

Em outro livro de Orwell, A Revolução dos Bichos, comprova-se que a histórica dominação humana (das elites) sempre se portara como suprema e intocável, mas depois que os bichos (a esquerda) revolucionam esse poder, vê-se que a sua estrutura básica enquanto poder não mudou em absolutamente em nada.

Orwell pode ser chamado de niilista e pessimista, mas o danado matou a charada. Qual o sentido de tirar do poder uma elite dominante e colocar no lugar uma nova classe que, uma vez emancipada do seu papel de oposição vê-se, como os porcos de Orwell, travestida em uma nova elite, no começo meio envergonhada, mas já com os tiques dos poderosos ? Que semelhança incrível entre porcos e humanos do livro de Orwell. Como petistas e tucanos, já não se pode distinguí-los.

Orwell disse uma vez: "A maior desvantagem que sofre um movimento de esquerda é que, recém-chegado à cena política, e precisando constituir-se do nada, precisa criar seguidores dizendo mentiras. E para um partido de esquerda no poder, seu mais sério antagonista é sempre a sua própria propaganda anterior".

Mas um outro conceito embutido subliminarmente no texto orwelliano é que não é bem uma traição o que os novos poderosos fazem. Está mais para uma intrínseca necessidade de dominação de quem está no poder. O fracasso da utopia é inequívoco, pois não há razão em manter-se boa fé num sistema que não permite uma revisão profunda das relações intrínsecas com o consumo, com o trabalho, com o poder, com o mercado, com a liberdade. O mercado tem seus tentáculos entranhados em toda forma de poder, pois já não mais se concebe prescindir dele. O Grande Irmão é esse mercado global e anônimo e nesse sentido nunca se viu nada tão eficiente. Toda construção antropológico-social está baseada na impossibilidade de lutar contra ele.

Como em 1984, o PT vê-se imbuído do papel do grande irmão e como no livro, adota uma "novilíngua", um "duplipensar", o que se disse ontem não vale mais hoje. Pelos que governam busca-se o colaborador responsável, o conformista ajustado. Em A Revolução dos Bichos as leis escritas no celeiro a cada noite mudavam e quem questionava era punido. Como no livro de Orwell, as ovelhas moderadas estão sempre balindo para ofuscar a revolta dos radicais que questionam as mudanças súbitas das leis.

Até dá para pensar em traição, mas é muito pior do que isso. É a própria natureza do poder.

Descabaço

Essa é a minha estréia universal em um blog. Não sei como vai ser esse nosso relacionamento. Pode ser que dure, pode ser que amoleça....pode ser que caia no vazio ou vá onde nenhum ser humano jamais esteve...Longa vida e prosperidade. Não me leve a mal mas não peguei ainda a embocadura....Vá lá. No começo nem tudo são flores