30.7.22

CAÇANDO CARNEIROS

Este foi o sexto livro que li do badaladíssimo escritor japonês Haruki Murakami e já havia escrito aqui sobre o único livro dele do qual não gostei: “Kafka à Beira-Mar”. Agora, junto a essa seleta lista “Caçando Carneiros”, que se não chega a ser tão ruim, está anos luz distante da qualidade dos outros que li: "Norwegian Wood, Minha Querida Sputnik, Sono e O Incolor Tsukuru Tazaki e Seus Anos de Peregrinação".

Reconheço, porém, o potencial de Caçando Carneiros para se igualar a Kafka à Beira-Mar em ruindade porque Kafka tem insuperáveis 576 páginas da mais pura chatice, enquanto Caçando Carneiros conseguiu parar em 336 páginas. Ficaria melhor com um corte de 25%.

Aqui temos um personagem jovem e sem nome (e sem qualquer carisma), publicitário dos mais banais, que recebe uma incumbência estranha de encontrar um misterioso carneiro desaparecido no interior do Japão. E mais não digo, pois não há qualquer necessidade já que é tudo uma enrolação. 

Se o livro tem uma pegada de realismo fantástico, fica devendo muito à tradição que nos deu Gabriel Garcia Márquez e Salman Rushdie, encravado entre o que se chama de literatura de enigma e literatura do fantástico, vertentes das histórias com solução racional ou com solução fantasiosa. Murakami fica na metade do caminho de ambas.

Apesar de ainda faltar uma imensidão de livros do autor para ler, percebo nele os mesmos maneirismos, como o uso recorrente de diálogos desnecessários e criação de expectativas na narrativa que não se concretizam em desfechos satisfatórios, chegando a gastar dúzias de páginas e capítulos inteiros em descrições detalhistas sem sentido para a trama ou narrações de atividades banais como o que os personagens comem ou bebem. São verdadeiros inventários de mastigação e deglutição que desrespeitam por completo o conceito da “Arma de Thekhov”, princípio dramático mais do que clássico que define que todos os elementos presentes em uma história devem ser necessários sendo que os irrelevantes devem ser removidos para não produzir falsas promessas.

Este livro, que foi responsável pela grande divulgação do autor pelo mundo e o transformou num fenômeno literário, foi escrito em 1982, quando Murakami ainda não tinha 30 anos, e fica claro sua atmosfera juvenil, que difere dos seus trabalhos seguintes mais amadurecidos, já que, felizmente, ele é um escritor muito prolífico.

O trecho a seguir mostra o tom juvenil que retrata o niilismo do protagonista: “Eu tinha vinte e nove anos. Dentro de seis meses, diria adeus à casa dos vinte. Uma década vazia. Nada do que eu conquistara tinha valor, nada do que eu realizara tinha sentido. Tédio era tudo que eu obtivera.” A presença desse elemento niilista blasé soa bastante datado no estilo que se convencionou chamar de ficção pós-moderna, conceito ele próprio também datado e que consiste basicamente em atirar meio aleatoriamente nas páginas da obra imagens e falas sem muito sentido, confiando que o leitor por si só dará alguma coesão a tudo. Seria ótimo se a narrativa não passasse de uma sucessão de banalidades.  

Na internet circula uma imagem conhecida como “Bingo de Murakami” (reproduzo) em que bem humoradamente (ou não) vemos aquelas ideias que são obsessões do autor e aparecem frequentemente em suas obras como gatos, telefonemas misteriosos, longas viagens de trem, um milionário enigmático, sexo estranho, cabana isolada, comida, solidão, música pop, jazz e suicídio.

Murakami todo ano entra na lista dos candidatos ao Nobel de Literatura e arrasta uma multidão de fãs pelo mundo inteiro, sendo o autor japonês mais celebrado pelo planeta. Curiosamente, no próprio Japão seus conterrâneos não entendem esse sucesso comentando que há no país muitos autores tão bons quanto e que não têm tanta repercussão. Mas não há o que se fazer. O jeito é ler os outros livros do autor para tentar encontrar o mesmo prazer de ter lido O Incolor Tsukuru Tazaki e Seus Anos de Peregrinação e Minha Querida Sputnik. Por sorte, há muitos ainda nas prateleiras.