8.1.24

LEITURAS DE OUTUBRO A DEZEMBRO DE 2023

 

Pelo 6º ano publico uma breve resenha dos livros lidos no ano. Minha média anual é de 56.

Em 2018 foram 40. Em 2019 foram 68. Em 2020 li 61. Em 2021 foram 55 livros e no ano passado foram lidos 60. 

Este ano foram 50. Os autores ainda dominam a lista já que foram apenas 10 autoras mulheres sendo uma trans. Foram 12 autores brasileiros e 38 estrangeiros. Os livros de ficção se sobressaem com 40 livros contra 10 de poesia, biografia e não ficção. Foram 35 livros físicos e 15 e-books

A lista dos livros lidos de Janeiro a Maio e de Junho a Setembro já foram publicadas no blog. Eis aqui a minha lista dos livros lidos de Outubro a Dezembro

1-RAZÃO E SENSIBILIDADE – Terceiro livro que li de Jane Austen após Mansfield Park e A Abadia de Northanger. Este foi o primeiro romance escrito pela autora e que lhe rendeu grande reconhecimento do público. A história das irmãs Elinor e Marianne e de como ambas lidam com o amor vivendo em uma sociedade rígida repleta de regras e na qual as mulheres têm um papel subalterno. É delicioso encontrar no meio do relato pérolas preciosas do sutil e afiado humor de Jane Austen.

2-SALVAR O FOGO – Segundo romance do jovem autor baiano Itamar Vieira Junior após o arrasa quarteirão que foi sua estreia com o premiadíssimo Torto Arado. Gostei, apesar de que não superou a qualidade do primeiro romance, mas exigir isso é uma injustiça diante da preciosidade de Torto Arado. A história tem como centro Luzia, uma lavadeira negra e corcunda e Moisés, um órfão que encontra afeto em Luzia que é estigmatizada por ter supostamente poderes sobrenaturais.

3-O VISCONDE PARTIDO AO MEIO – 7º livro que li de Ítalo Calvino de quem sou fã incondicional Juntamente com O Cavaleiro Inexistente e O Barão nas Arvores, este livro compõe a trilogia Os Nossos Antepassados, onde com sua narrativa fantástica traça um relato do homem contemporâneo, alienado, dividido, incompleto. É a história de Medardo di Terralba, visconde que lutando contra os turcos, leva um tiro de canhão no peito, mas sobrevive, ficando absurdamente partido ao meio com uma metade repleta de crueldade e a outra metade cheia de uma irritante bondade.

4-O BARÃO NAS ÁRVORES – O último volume da série de Ítalo Calvino Os Nossos Antepassados após O Cavaleiro Inexistente e O Visconde Partido ao Meio. Prosa divertida de Calvino contando a história de Cosme Chuvasco de Rondó, herdeiro que se revolta contra o pai ditatorial e sobe numa árvore para nunca mais descer. Ele vive então no topo das mais diferentes árvores por toda a vida repleta de aventuras como a paixão por uma vizinha, o envolvimento com o ladrão João do Mato com quem desenvolve o amor pela literatura, salva as árvores de diversos incêndios e livra a cidade do ataque de piratas.

5- ASSASSINATOS NA RUA MORGUE – De Edgar Allan Poe. Já havia lido alguns dos 6 contos desse livro em outras coletâneas, mas adorei reler e conhecer outros como O Gato Preto e O Demônio da Perversidade. Poe é tão influente nos romances policiais e de mistério que seu sagaz detetive Auguste Dupin serviu de inspiração para os detetives Sherlock Holmes, de Conan Doyle e Hercule Poirot, de Agatha Christie. Dupin possui uma capacidade extraordinária de dedução baseada na observação dos fatos, conseguindo desvendar um dos mais misteriosos casos enfrentados pela polícia francesa: o bárbaro duplo assassinato de mãe e filha num apartamento na Rua Morgue.

6-O CÃO DOS BASQUEVILLE- O 6º livro que li do detetive Sherock Holmes, de Arthur Conan Doyle e o mais famoso da série. O romance é considerado o melhor do autor. Holmes e seu amigo Watson partem para o interior da Inglaterra onde investigam o mistério envolvendo a família Baskerville e a maldição de um cão demoníaco que persegue e mata membros daquela família. A mente lógica de Sherlock o faz não acreditar no sobrenatural e assim conduz a investigação para a esfera real, apesar das inúmeras referências ao fantástico da trama que já foi adaptada para o cinema.

7-MACUNAÍMA- Nunca havia lido esse clássico de Mário de Andrade e fiquei encantado. Creio que não é um livro compreensível para jovens que farão o vestibular. Não é fácil, pois tem um texto repleto de expressões regionais e palavras de origem indígena. Dei muitas risadas com o autor e seu um humor único e ferino. Impressionante que tenha sido escrito em apenas seis dias. Um romance modernista dos mais importantes da nossa Literatura. Uma verdadeira rapsódia que já começa impactante: “No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia, tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma”.

8-O ASSASSINATO E OUTRAS HISTÓRIAS – Mais um livro de contos do russo Anton Tchekhov, considerado um dos maiores mestres do gênero. São seis contos longos da última fase da obra do autor mostrando o cotidiano da amesquinhada vida russa no final do século XIX retratando os costumes dos mujiques, comerciantes, proprietários de terra e de jovens intelectuais. Suas narrativas captam um universo contraditório e tenso que não deixam de surpreender o leitor. A edição nos brinda com várias cartas do autor.

9-ESCRAVIDÃO-VOL 3 – Terminei a segunda trilogia do premiado autor Laurentino Gomes após seus best sellers 1808, 1822 e 1889. Um trabalho impressionante sobre a escravidão no Brasil focado no período da Independência até a Lei Áurea, trazendo inúmeras informações das mais diferentes fontes e ricamente ilustrado com fotos, imagens e gráficos, é o resultado de seis anos de pesquisas por 12 países e 3 continentes.

10-NA PIOR EM BERLIM, LONDRES E SALVADOR – O primeiro livro da minha amiga jornalista baiana Joana Rizério onde ela relata os problemas que enfrentou durante uma viagem à Europa em que por conta de distúrbios bipolares, enfrentou o internamento compulsório em clínicas para transtornos mentais. O título é uma homenagem ao livro Na Pior em Paris e Londres, de George Orwell. Como acompanhei de longe a história da minha amiga, achei a leitura potente, corajosa e muito humana. O texto da autora é seco, direto e sem rodeios, com a mesma qualidade que já conhecia do seu texto como jornalista.

11-PAIS E FILHOS – Segundo livro que li do russo Ivan Turgueniev, depois do Primeiro Amor. O livro é um dos maiores clássicos da literatura russa e trata dos conflitos de gerações. O estudante Arkádi retorna para casa com um amigo, o que desagrada imensamente seu pai e seu tio. Bazárov, o amigo, é um niilista empedernido que despreza qualquer autoridade e qualquer arte. Este livro protagonizou uma das maiores polêmicas da literatura russa quando seu autor foi acusado levianamente de ser responsável por atos criminosos influenciados por sua obra. O leitor acaba o livro sem saber se acha Arkádi um ingênuo, se considera Bazárov detestável ou se acha tudo intenso e emocionado demais, como é comum nas personagens da literatura russa.

12-CHRISTINE – O 45º livro que li do mestre Stephen King e que originou o excelente filme homônimo de Jonh Carpenter. Eu estava muito reticente em ler este livro pois achei sua premissa muito forçada: um carro que protege seu dono e sai por aí matando as pessoas que não gostam dele.  Mas King nunca decepciona e a história é muito bem amarrada, construída de forma inteligente e envolvente. A narrativa é fluida e quase não parece que o livro tem mais de 760 páginas ainda mais porque temos três focos narrativos diferentes o que dá mais dinamismo à história. O final é puro King na veia.

13-SUSSUROS NA ESCURIDÃO O segundo livro que li do americano H.P Lovecraft após o volume: O Chamado de Cthulhu e Outros Contos, que contém seu conto mais famoso. Nessa nova história, temos mais um conto de horror cósmico em que o autor apresenta sua marca registrada. Aqui, uma narrativa envolvendo criaturas siderais habitantes do planeta Yuggoth que invadem uma região no estado americano de Vermont. A conhecida ficção científica do autor que é o favorito e inspiração dos gigantes Stephen King e Neil Gailman entre outros.

14-A CIDADE ILHADA – O segundo livro que li do brasileiro Milton Hatoun após Dois Irmãos, livro que originou uma série de sucesso com Cauã Reymond e Juliana Paes. Este é um livro composto de contos, entre eles O Adeus do Comandante, que originou o maravilhoso filme O Rio do Desejo dirigido pelo baiano Sérgio Machado com os atores Daniel de Oliveira, Sophie Charlotte e Gabriel Leone no elenco. Os 14 contos desse livro não possuem uma unidade estilística como num romance, mas é um modo interessante de perceber a evolução do autor ao longo dos anos já que os contos foram originalmente publicados em revistas e coletâneas no Brasil e no exterior. 

15-A FESTA DA INSIGNIFICÂNCIA – O último livro escrito pelo checo Milan Kundera, morto este ano, após catorze anos sem publicar nada. Sétimo livro que li do autor e confesso que foi o mais fraco deles. A história trata de um grupo de amigos em Paris com vidas banais, devaneios sobre umbigos e festas, relação complexas com a mãe e falta de motivação para vida. E vira e mexe Stálin aparece na história em situações muito esquisitas, algo que remete à militância comunista de Kundera na Tchecoslováquia quando ele foi exilado por se opor ao regime pró-soviético. Ainda quero ler os demais livros do autor já que gostei imensamente dos que li anteriormente.

 
16- REALIDADES ADAPTADAS – Terceiro livro que li de Philip K Dick, autor de ficção científica mais vezes adaptado para o cinema. É dele, por exemplo, o livro que gerou um dos melhores filmes que já vi na vida: Blade Runner cujo título original é Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? Seu livro O Homem do Castelo Alto não fez feio também ao ser adaptado para série. Nesse volume são reunidos sete contos, todos adaptados para o cinema: Lembramos para Você a Preço de Atacado (O Vingador do Futuro), Segunda Variedade (Assassinos Cibernéticos), Impostor, O Relatório Minoritário (Minority Report), O Pagamento, O Homem Dourado (O Vidente) e Equipe de Ajuste (Agentes do Destino). Apesar de serem contos excelentes, as adaptações para o cinema conseguem ser melhores, o que é raro acontecer.

17-MANUELZÃO E MIGUILIM O quarto livro que li do meu autor brasileiro favorito, João Guimarães Rosa. Dividido em duas partes: Campo Geral e Uma Estória de Amor. No primeiro conhecemos Miguilim um menino esperto e que vive com sua família num lugarejo pobre e rústico do sertão. Com um pai bruto e sem nenhum traço de afeto, uma mãe dominada e um tio e irmão querido, Miguilim sofre as dores do crescimento e tenta encontrar sem sucesso beleza na aspereza do ambiente. Na segunda história conhecemos Manuelzão, um homem já de idade avançada que realiza uma festa em homenagem à sua mãe falecida. Toda a história gira em torno da festa e da alegria do personagem no sucesso do evento.

 

 


12.11.23

47ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SÃO PAULO

Completo, com sucesso, minha 20ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

A 47ª Mostra retorna com força total após os últimos anos em que se somaram os problemas decorrentes da pandemia e perda do patrocínio da Petrobrás por conta de obscurantismo do governo anterior. Este ano, foram apresentados 362 filmes de 96 países em mais de 20 salas espalhadas pela cidade no período de 15 dias. Comprei a credencial para 40 filmes por R$ 410,00, mas lamentei não haver, como no ano anterior, a credencial para 30 filmes. Esse ano só havia opções para 20 e 40 ingressos

Continua sendo uma pechincha já que apesar de não ter visto os 40 filmes, cada um saiu por pouco mais de R$ 12,00 enquanto o ingresso inteiro chega a custar mais R$ 30,00. Dos 362 filmes disponíveis, vi 32.

Aqui estão os que assisti neste ano, não na ordem em que vi, mas na ordem de preferências.

1- 

FOLHAS DE OUTONO – Filme da Finlândia vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Cannes. Belíssima história de dois estranhos solitários que se encontram por acaso na noite de Helsinque em busca do primeiro, único e último amor. No entanto, os caminhos para a felicidade são obscurecidos pelo alcoolismo do homem, telefone perdido, desconhecimento do nome um do outro e outros obstáculos. O filme tem um senso de humor muito peculiar apesar de tratar de problemas sérios como a solidão, o subemprego, o alcoolismo e a angústia existencial. Uma história que se desenvolve rica de minimalismos nas interpretações (um pleonasmo irresistível), perfeitas elipses e uma doçura tocante. Impossível não se comover com a história.



SOBREVIVÊNCIA DA BONDADE
– Vencedor do Prêmio da Crítica do Festival de Berlim. Um filme da Austrália em que, aos poucos, se percebe o que está acontecendo e nesse ponto está o que mais gosto num filme: sua capacidade de respeitar a inteligência da plateia e não entregar tudo de cara. Até o fato de o filme não possuir legendas, nem sequer ser falado numa língua compreensível, apesar de haver sim diálogos, eles também incompreensíveis para seus próprios interlocutores.  Começamos vendo uma mulher negra e sem nome ser sequestrada e abandonada em uma jaula no meio do deserto. No entanto, ela não está pronta para morrer e foge, atravessando epidemias e perseguições. Cruzando desertos, cânions e montanhas, ela só encontra tragédia, mas nada disso é capaz de modificar sua intrínseca natureza generosa. Um final que só de revela no último segundo, dando ao filme que já era ótimo, uma genialidade ainda surpreendente.


   O SILÊNCIO DAS SIRENES O primeiro filme que assisti de Kosovo, país pouco conhecido dos Balcãs. Um roteiro muito interessante e bem desenvolvido com sólidas interpretações e direção segura. A história de um policial de trânsito pouco honesto que aceita pequenos subornos de motoristas detidos por excesso de velocidade até que encontra, com drogas e muito dinheiro, o promotor de um tribunal internacional. Ele pensa estar finalmente fazendo algo importante que vai lhe render elogios e promoção sem saber que está se envolvendo num perigoso caso de corrupção, muito maior do que poderia imaginar, envolvendo suborno, máfia e crimes de guerra que foram comuns durante os conflitos envolvendo Sérvia, Bósnia e Croácia.

    DEVAGAR Filme da Lituânia que ganhou prêmio de melhor direção no Festival de Sundance – A história de uma dançarina contemporânea que conhece um intérprete de linguagem de sinais designado para traduzir as aulas para seus alunos. Uma forte atração ocorre, mas tudo muda quando ele revela que é assexual. Apesar do cálido romance entre os dois, o casal vai precisar lidar com a questão da intimidade. Um filme muito instigante e que, apesar de não se aprofundar tanto no aspecto psicológico da assexualidade, está no ponto exato para trazer o tema à discussão sem tentar esmiuçar demais a questão a ponto de virar didático.

OS JUNCOS- Filme da Turquia exibido no Festival de Toronto. Esse filme tem a fotografia mais bonita que vi entre todos os que assisti na Mostra. Em uma pequena vila na Anatólia, um lago repleto de juncos contém aquilo do qual os moradores dependem para a subsistência. Nesse lugar isolado, com códigos e leis próprias, o jovem Ali resiste bravamente contra a dominação de proprietários de terras e as violentas milícias que tomam conta da região. Ao mesmo tempo, ele tenta recuperar o amor da esposa, que se aproxima cada vez mais da corrupção local.

ESPECIALMENTE À NOITE- Coprodução Espanha Portugal e França. Quando jovem, Vera não tinha condições de criar o filho e o entregou à adoção. Depois de muito tempo, ela começa a procurá-lo, mas as instituições de adoção insistem dizendo que não há registros da criança. Ao mesmo tempo, Cora, uma professora de piano, vive com o filho adotivo de18 anos. Os caminhos desses três personagens estão prestes a se cruzar. Exibido no Festival de Veneza. Com Lola Dueñas estrela de muitos dos de filmes de Pedro Almodóvar. A plateia aplaudiu no final. Tem uma bela cena em que uma cantora interpreta toda a canção Estranha Forma de Vida, de Amália Rodrigues, gravada por Caetano Veloso e que inspirou Almodóvar no seu filme homônimo.

QUARTOS VERMELHOS – Filme do Canadá. Todos os dias, Kelly-Anne vai cedo até o tribunal para garantir um bom lugar no julgamento de Ludovic Chevalier, um serial killer por quem é obcecada. Mas à medida que o processo se arrasta e a garota passa mais tempo no tribunal com as famílias das vítimas, ela tem cada vez mais dificuldade em manter o equilíbrio psicológico e em assumir a fixação mórbida pelo assassino. Kelly-Anne decide tentar de tudo para encontrar a peça final desse quebra-cabeça: um vídeo desaparecido da vítima, uma menina de 13 anos que se parece muito com ela.

ANATOMIA DE UMA QUEDA – Filme francês que venceu a última Palma de Ouro do Festival de Cannes. Sandra, uma escritora alemã, e Samuel, seu marido francês, também escritor, vivem com o filho adolescente em uma isolada cidade nos Alpes. Quando Samuel é encontrado morto, a polícia passa a tratar o caso como um suposto homicídio, e Sandra se torna a principal suspeita. Aos poucos, o julgamento se transforma não apenas numa investigação das circunstâncias da morte, mas em uma jornada psicológica e perturbadora às profundezas da conturbada relação do casal.



THE PERSIAN VERSIONFilme independente muito simpático dos Estados Unidos vencedor dos prêmios do público e de roteiro do Festival de Sundance. Focado nas dificuldades de relação entre as culturas americana e iraniana, a história da jovem Leila que busca encontrar algum equilíbrio e abraçar essas culturas opostas enquanto desafia rótulos. A sequência inicial dá o tom debochado do filme mostrando Leila usando burca e biquíni, caminhando pelas ruas de Nova Yorque. As cenas musicais com os iranianos dançando Girls Just Wannna Have Fun, de Cyndi Lauper, lembram as impagáveis cenas do cinema indiano.

MULHER DE... Filme da Polônia exibido no Festival de Veneza que mostra as transformações históricas no país ao longo dos anos do comunismo para o capitalismo. Nesse ambiente, acompanhamos 45 anos da vida de Aniela em busca da liberdade como mulher trans, enfrentando do preconceito de um país muito católico às dificuldades com a família e a Justiça que a obrigam a fazer escolhas difíceis e grandes sacrifícios. Uma história de resiliência e da força de vontade que é impossível dimensionar para quem não tem ideia do que é a questão trans.

GARAGEFilme da Irlanda que mostra o cotidiano de Josie, um frentista e zelador considerado pelos vizinhos como desajustado inofensivo e que passou toda a vida adulta trabalhando em um posto de gasolina decadente nos arredores de uma pequena cidade irlandesa. Solitário, mas otimista incansável, Josie vê seu pequeno lar ficar ameaçado e sua vida corre o risco de mudar para sempre após passar a dividir o dia a dia de trabalho com um adolescente complicado. O filme é belo e triste e venceu um dos prêmios do Festival de Cannes.

BEIJANDO O CHÃO POR ONDE VOCÊ PASSOU- O primeiro filme que assisti de Macau. Foi exibido no Festival de Roterdã.  História de um escritor que não consegue escrever há anos e que procura alguém para alugar um quarto no apartamento onde vive. Um belo ator iniciante se candidata à vaga e desperta o interesse do escritor, que começa a enxergar no inquilino a inspiração para o novo livro. Despertou o interesse do público LGBT graças às belas e discretas cenas de envolvimento romântico platônico dos dois jovens orientais, com destaque para a tradição asiática de momentos contemplativos. Interessante notar os timings profissionais desses dois homens, um vivenciando a paralisia artística e emocional após o sucesso e outro a euforia do início da lida com a própria arte.



MANHOLE – DESVIO FINAL – Filme do Japão exibido no Festival de Berlim que conta a história de um jovem ambicioso e com um excelente emprego e casamento marcado com a filha de seu chefe. Na véspera da cerimônia, após a despedida de solteiro, ele cai dentro do poço de um bueiro. Sem saída e assustado ele usa o smartphone para contatar a polícia, os amigos e até usuários desconhecidos das redes sociais, enquanto luta para sair a tempo de chegar ao altar. Uma história que achei bastante original por manter a tensão constante em um cenário limitado onde se passa 90%. Aos poucos descobrimos que se trata de uma história de vingança com uso inteligente da tecnologia de comunicação via redes sociais.

NÉVOA PRATEADA – Uma coprodução da Holanda e Reino Unido. História de Franky, uma jovem enfermeira londrina obcecada por vingança e necessidade de encontrar culpados por um acidente traumático ocorrido há 15 anos. Ela é incapaz de se envolver em um relacionamento até que se apaixona por uma de suas pacientes. A atriz Vicky Knight venceu o Prêmio do Júri do Teddy Award do Festival de Berlim. Ela, curiosamente, tem mais de 30% do corpo queimado num incêndio de um pub (no filme, ela é sobrevivente justamente de um incêndio num pub).  No filme anterior, Dirty God, da mesma diretora Sacha Pollak, a atriz levou um prêmio BAFTA pelo papel da vítima de ataque com ácido no filme anterior.  

A BARBÁRIE- Filme argentino que conta a história de Nacho, que aos 18 anos, foge da violência da mãe em Buenos Aires e busca um lugar para se refugiar com o pai, um fazendeiro com quem tem pouco contato. O contato mostra a Nacho as nuances do relacionamento tenso com os empregados da fazenda paterna, pessoas que ele conheceu quando criança e a dificuldade para ele entender seu lugar como patrão. O ator Marcelo Subiotto, que faz o pai, foi premiado como melhor ator no Festival de Lima. Também foi exibido no Festival de Málaga.

O CASO GOLDMAN – Filme francês que conta a história real do julgamento em Paris de Pierre Goldman nos anos 70. Judeu e ativista de extrema-esquerda sentenciado à prisão perpétua por quatro assaltos e pela morte de duas mulheres, Goldman alega ser inocente dos assassinatos. Goldman é transformado pela imprensa em um herói da esquerda intelectual e o julgamento vira um evento caótico em razão do famoso antissemitismo francês. Exibido do Festival de Cannes. Achei a história interessante mas me incomodou o tom excessivamente palavroso e muito verborrágico do filme.

O AMOR É UMA ARMA – Uma interessante coprodução de Hong Kong e Taiwan que venceu o Prêmio Leão do Futuro “Luigi De Laurentiis” para melhor primeiro longa-metragem no Festival de Veneza. Conta a história de Sweet Potato um jovem que sai da prisão e vive sem rumo praticando pequenos golpes. Ele é puxado de volta para questões do passado quando o antigo “chefe”, a mãe e o melhor amigo reaparecem, deixando-o sem esperança para o futuro.

VAMPIRA HUMANISTA PROCURA SUICIDA VOLUNTÁRIO – Um filme divertido e fofo do Canadá que venceu o prêmio de melhor filme na Jornada dos Autores do Festival de Veneza. Poderia ser um filme da Sessão da Tarde se não tratasse do tema do suicídio, mas com um tanto de humor negro. Sasha é uma jovem vampira com um sério problema: ela é sensível demais para matar. Desesperados, seus pais, tios e primos vampiros cortam seu suprimento de bolsas de sangue e, assim, ela percebe que sua vida está em perigo. Tudo muda após ela conhecer Paul, um adolescente solitário com tendências suicidas e que está disposto a morrer para salvar a vida dela. Mas esse acordo logo se transforma em busca durante a noite para realizar os últimos desejos de Paul.

EM CHAMAS – Filme paquistanês que conta a história de Mariam que vive com a mãe num minúsculo apartamento no Paquistão. Com a morte do avô materno, o irmão de Mariam manipula mãe e irmã para que elas cedam a ele o local onde moram, coisa muito comum no país, onde os direitos de propriedade das mulheres são bastante frágeis. Mariam, perturbada com a situação, encontra algum conforto em um romance secreto com um colega de classe que faz a jovem ser consumida por pesadelos que, logo, passam a se transformar em realidade. Exibido no Festival de Cannes.

O OUTRO LAURENS – Coprodução da Bélgica e França, conta a história de Gabriel Laurens, detetive particular cuja sobrinha pede que ele investigue a morte de seu pai, irmão gêmeo de Gabriel. Ele é forçado a enfrentar fantasmas do passado ao ver-se envolvido em uma estranha investigação que mistura dissimulações, fantasias e uma rede de tráfico de drogas.  Exibido no Festival de Cannes.

UM DIA TUDO ISSO SERÁ DE VOCES – Filme da Suécia. Lisa é uma desenhista de humor que viaja até a fazenda da família, onde encontra os pais e o casal de irmãos pela primeira vez em uma década. A reunião tem um motivo inusitado: os pais querem que apenas um dos filhos herde uma floresta, que está em posse da família há gerações. Porém, talvez nenhum deles esteja disposto a morar naquele lugar novamente. Nessa disputa cheia de subterfúgios histórias escondidas do passado e uma tragédia mal explicada vêm à tona forçando a família a expelir fantasmas e expurgar seus traumas.

OUR SON– Outro filme dos Estados Unidos que tem certa atmosfera de filme independente, muito mais pelo tema que aborda, mas que aparentemente é uma produção cara. Luke Evans interpreta um editor de sucesso no auge da vida com uma ótima carreira, um casamento com o esposo Gabriel (Billy Porter, famoso pela série Pose) e um filho de oito anos. Quando seu marido decide terminar a relação, seu mundo desmorona. Ambos travam uma batalha num divórcio caro e colocam o filho no centro da disputa. O casal, antes muito próximo é levado pela separação até o limite. Um filme algo açucarado que agrada especialmente ao público LGBT que tem nos dois atores bem diferentes dois ícones de representatividade gay. Há cenas de sexo bastante picantes de Luke Evans com outro homem, ambos com corpos esculturais, mas a química com Billy Potter é abaixo de zero.

 

SHE CAME TO ME
– Filme norte-americano exibido no Festival de Berlim com elenco estrelado pelos premiados Peter Dinklage, Anne Hathaway e Marisa Tomei. Não é a cara de filmes independentes da Mostra, mas a diretora Rebecca Miller já participou com alguns filmes em mostras anteriores. Peter Dinklage interpreta um renomado compositor passando por um bloqueio criativo e incapaz de terminar a partitura da grande ópera. Sua esposa interpretada por Anne Hathaway, uma mulher obcecada por controle e organização, que curiosamente também é sua terapeuta, o obriga a sair de casa em busca de inspiração até que ele conhece uma mulher pilota de um rebocador que é viciada em romance e relacionamento abusivo. Um pouquinho açucarado demais para meu gosto por dramas mais intensos.

QUASE TOTALMENTE UM PEQUENO DESASTRE- Filme da Turquia exibido no Festival de Roterdã. Acompanhamos quatro jovens que vivem em Istambul. Uma estudante que se angustia ao acompanhar as notícias diárias da, sua amiga com quem ela divide a casa e que tenta fugir para o exterior porque não consegue ver qualquer futuro na Turquia. Um engenheiro casado insatisfeito com a vida e um desempregado que se sente sufocado por estar morando com os pais. Várias coincidências aproximam os dois casais e mostram como o inesperado pode ser surpreendente e por vezes assustador.

O DIABO NA RUA NO MEIO DO REDEMUNHO - Filme brasileiro dirigido por Bia Lessa com Caio Blat, Luiza Lemmertz e Luiza Arraes no elenco e baseado no meu livro brasileiro favorito, Grande Serão: Veredas. Riobaldo conta suas experiências sangrentas no cangaço, acompanhado por Diadorim, amigo misterioso que lhe desperta sentimentos contraditórios. Queria muito ter gostado mais do filme, mas muitos elementos me incomodaram a começar pelo fato de que Caio Blat, por mais talentoso que seja, não tem nenhum dos atributos de Riobaldo. Em cinema, isso tem o nome pomposo de physique du rôle (físico para o papel). As falas soam excessivamente teatrais e irritam pela velocidade com que são ditas, talvez uma opção para não levar o filme às 3 horas de duração. As cenas de batalha, mesmo bem dramatizadas, são excessivas e há momentos em que mesmo quem já leu o livro fica confuso. Usar dublagem em vez da captação do som direto foi uma armadilha já que incorporou elementos sonoros que seriam impossíveis de outro modo, mas fez com que as falas soassem ainda mais artificiais. Achei desnecessário apelar várias vezes para a nudez frontal dos atores, o que além de soar como um “ruído estético”, dá a impressão de que só porque os atores têm os corpos lindos, eles estão expostos ali nus.

A GRAÇA- Um filme russo exibido no Festival de Cannes que é um road movie clássico. Uma adolescente e seu pai viajam em uma antiga van por estradas ermas no interior da Rússia, carregando um projetor de cinema enferrujado. Eles vagam aparentemente sem rumo e no caminho passam por diversas situações tensas. Somente no final ficamos sabendo o objetivo da viagem, mas sinceramente é um final que acrescenta muito pouco ao filme e serve apenas como a explicação ou propósito da viagem em si.

EU SOU MARIA –Um filme brasileiro bem simpático que trata do tema do preconceito racial e de classe que atinge moradores de favelas cariocas- Maria tem 15 anos, mora com a mãe, e o irmão numa favela do Rio. Ela sonha estudar em um bom colégio e participa de um concurso de redação em uma renomada escola particular. Aprovada com uma bolsa de estudos, ela enfrenta o desafio de manter as notas altas, provar que merecem estar ali e se adaptar a um mundo de privilégios que nunca conheceu.


FRAGMENTOS DO PARAÍSO –
Documentário dos EUA vencedor do prêmio de melhor documentário sobre cinema do Festival de Veneza – Apesar de não ser muito fã de documentários e de nunca ter ouvido falar do cineasta Jonas Mekas, fiquei curiosos pela sua história. Por mais de 70 anos, o diretor lituano Jonas Mekas documentou sua vida, no que ficou conhecido como seus filmes-diários. Há depoimentos apaixonados de celebridades como Peter Bogdanovich, John Waters, Martin Scorsese, Jim Jarmusch, Andy Warhol, Marina Abramović e outros sobre a influência de Mekas nos seus trabalhos

ASOG- Filme filipino que deu à atriz Jaya os prêmios do público no Festival de Vancouver e o prêmio do Júri para Melhor Interpretação na Mostra. Jaya é não-binária e apresentava um talk show na televisão filipina, mas o programa acabou quando um desastre natural atingiu o país. Para se recuperar financeiramente, Jaya decide viajar para participar de um concurso de beleza e ganhar o dinheiro da premiação. No caminho, encontra um dos seus alunos que planeja viajar para a mesma direção, em busca do pai ausente. A pé, de bicicleta e de barco, essa dupla improvável realiza uma viagem totalmente transformadora.

ANIMALIA – Filme do Marrocos vencedor do Prêmio Especial do Júri no Festival de Sundance e conta o drama de uma jovem de origem rural que está lentamente se adaptando aos privilégios da família marroquina abastada do marido. Mas quando eventos sobrenaturais colocam o país em estado de emergência, ela se vê separada do esposo e da nova família. Sozinha, grávida e em busca do caminho de volta, ela encontra a emancipação.

RODAS E EIXOS- Filme japonês que preciso dizer que saí na metade, pois senti uma rejeição total ao estilo de filmagem e interpretações aparentemente amadoras. Basicamente é a história de uma moça rica que vive no interior do Japão e conhece um homem gay também rico que a leva para uma boate onde ela se interessa pelo garoto de programa que já teve um relacionamento com o amigo dela. Há uma proposta de ménage à trois, mas não tive paciência para esperar essa parte. Inspirado no livro “Madame Edwarda”, de Georges Bataille, mas não li nada desse escritor.

EL PARAÍSO – Filme da Itália cujos ingressos na Mostra foram muito disputados, pois venceu os prêmios de melhor roteiro e de melhor atriz do Festival de Veneza conta a história de Julio que, já com 40 anos, ainda mora com a mãe colombiana de personalidade forte. O pouco dinheiro que tem vem do que ganham trabalhando para um traficante local. Esse frágil equilíbrio é ameaçado com a chegada de uma jovem colombiana que faz a primeira viagem como “mula” de cocaína. Adoraria ter assistido mas confesso que dormi quase o filme todo, não pela qualidade do filme mas pela minha total exaustão no dia.