14.5.18

A TETRALOGIA NAPOLITANA DE ELENA FERRANTE

A escritora italiana Elena Ferrante é um sucesso na literatura mundo afora, mas eu, por preconceito, sempre achei que o seu seria um tipo de leitura mais feminina, talvez um tanto devido à escolha das ilustrações para as capas dos seus livros que a Editora Biblioteca Azul - Editora Globo fez para o Brasil.

Não sei como, venci o preconceito e após terminar de devorar as mais de 1.500 páginas dos quatro volumes da sua Tetralogia Napolitana, posso dizer que estou viciado na escrita de Ferrante.

            Apesar de ainda considerar péssimas as capas dos quatro livros, inadequadas ao conteúdo áspero e sujo da ambientação da história narrada em Nápoles ou no ambiente acadêmico e político ao longo de mais de 50 anos da Itália pós-guerra, confesso que ultrapassei a barreira das ilustrações infantis das capas para desfrutar de uma das melhores narradoras dos últimos anos.

         
            A tetralogia, que já vendeu quase 6 milhões de exemplares pelo mundo, é formada pelos romances: A Amiga Genial,  História do Novo Sobrenome, História de Quem Foge e de Quem Fica e História da Menina Perdida. Tive o privilégio de ler os quatro livros de enfiada, um após o outro, ao contrário daqueles que começaram a lê-los na medida em que foram sendo publicados sucessivamente, ano a ano de 2012 a 2015.

           As obras narram as vidas de duas amigas de infância em um bairro pobre de Nápoles. Lenu e Lila. A primeira, a narradora, escreve já na maturidade sobre o desenrolar das histórias de ambas, os caminhos que percorreram, suas dores, a maternidade, os amores e os ódios.

A história nos faz ora admirar ora detestar uma ou outra, torcendo pelo sucesso de Lenu no mundo acadêmico e na literatura ou pela libertação de Lila da miséria social do bairro pobre de Nápoles, representação do microcosmo da Itália pós-guerra, com os assassinatos políticos, a luta sindical e partidária e a máfia napolitana, a Camorra.

A relação das duas amigas é o foco narrativo dos quatro volumes e Ferrante, habilmente, alterna as histórias de uma e de outra, fazendo com que os leitores fiquem presos ao vínculo único que as une que é desenvolvido nos muitos episódios em que, ao longo da vida, elas convivem em momentos diferentes, da infância à vida adulta, já casadas e com filhos.

          Há uma notável construção sobre a ambivalência das amigas Lenu e Lila, suas passionalidades napolitanas, a insuperável competitividade de ambas e seus rancores, mas também a ternura, os vínculos familiares e mesmo os amores divididos por ambas.

A crítica tem feito seguidos elogios à escrita de Ferrante que se insere na tradição da literatura feminina sem apelar para aspectos mais fáceis e de leitura rápida. As obras alcançam ainda a esfera do romance histórico, pois perpassam pela vida das duas amigas todo o panorama político e social da Itália na segunda metade do século passado.

No bojo de toda a história, vemos uma profunda crítica ao universo machista e retrógrado e uma elegia sobre a busca da voz própria e feminina, que inclui a tetralogia napolitana no chamado “romance de formação”, tradição em que estão obras que acompanham as transições da vida de um personagem não apenas ao longo dos anos, da infância à velhice, mas sua evolução psicológica e crítica que muito o definem em um antes e um depois, como acontece em David Copperfield, de Charles Dickens; Um Retrato do Artista Quando Jovem, de James Joyce e O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D.Salinger, entre outros.

        Que seja bem-vinda a adaptação da obra para as telas pela HBO, mas, se eu fosse você, não esperaria e começaria logo a devorar os livros para ao menos poder também dizer, como sempre acontece: o livro é muito melhor.

1 comment:

Maizia said...

Ainda não conheço a escritora... mas confesso que fiquei curiosa. Não posso discordar da falta de atrativo da capa dos livros... rs... mas tentarei mergulhar no conteúdo, valendo-me dos comentários seus Goulart!