17.4.08

Culpa com Feriados Diferentes IV


Na última coluna “Culpa Com Feriados Diferentes”, inspirado por Richard Dawkins, falava dos horrores do Velho Testamento. Minha querida colega Altenir adota na sua vida os “belos” preceitos ali escritos e desejaria me convencer a achá-los também belos, nem que eu tivesse que cavoucar nas entrelinhas. O pior da Bíblia é exatamente o excesso de entrelinhas onde cada um lê o que quer. Há quem veja beleza onde outros vêem saladas de interesse, para dizer o mínimo e ser bonzinho.

Os cristãos não percebem que os ensinamentos morais contidos nos Testamentos visavam apenas a um pequeno grupo específico. Quando os judeus se auto-intitularam: “o povo eleito”, e registravam essa definição em livros ditos sagrados, isso se inseria num contexto de dominação de povos vizinhos hostis em torno de um objetivo comum de unir tribos desgarradas. A expressão “Amai o teu próximo” então, significava naquele contexto apenas “amai outro judeu” e “Não matarás” significava apenas “Não matarás outro judeu”. Toda interpretação literal além dessa é ignorância histórica, como prova Richard Dawkins. Se as escrituras sagradas hoje são tidas como veículo de união de milhões de pessoas, elas tinham como objetivo inicial separar pessoas. Sua origem era mostrar que uns são melhores do que outros e estes outros (os não-eleitos) deveriam ser dominados, derrotados, assimilados e destruídos. Mas chega de Testamentos.

As igrejas, de modo geral, condenam o aborto e o preservativo. O Brasil é um Estado laico composto por muita gente facilmente sugestionável, como provam pesquisas recentes que mostram, por exemplo, que índices de aprovação da pena de morte crescem ou diminuem dependendo de um crime mais ou menos chocante divulgado pela mídia. Pois imagine o poder de inúmeros padres e pastores de cidades pequenas do país de impor políticas contra métodos de contracepção. Coitados dos prefeitos que queiram distribuir DIU ou pílulas do dia seguinte aos pobres dos seus municípios. Os padres têm um palanque permanente nas missas para convencer fiéis a não mais votos nesses políticos. Já é difícil lidar com essa realidade social desigual sem as igrejas para atrapalhar ainda mais. Você acha que os fiéis não são tão influenciáveis? É que talvez você não conheça a realidade dos grotões do Brasil ou nunca viu um Maracanã lotado encher sacos de dinheiro atendendo aos apelos do bispo Edir Macedo.

Alguns cristãos já usam a internet, essa terra de ninguém, para pregar falácias como o power point que teima em voltar para minha caixa de e-mails. Dawkins também fala sobre essa lenda urbana que usa o exemplo de Beethoven para pregar contra o aborto. Diz assim:“Sobre a interrupção da gravidez, quero sua opinião. O pai era sifilítico, a mãe tuberculosa. Das quatro crianças nascidas, a primeira era cega, a segunda morreu, a terceira era surda-muda e a quarta também era tuberculosa. O que você teria feito? Interromperia a gravidez? Então você teria assassinado Beethoven” Outras versões mudam o número de fílhos ou os tipos de doenças deles ou dos pais. Mas isso é mentira, pois Beethoven era o filho mais velho e nenhum dos seus pais tinha sífilis. A mãe de fato morreu de tuberculose, algo muito comum naquela época. Ahh...mas ainda não vi na internet ninguém lamentando o fato de a mãe de Hitler não tê-lo abortado. Pouparíamos assim milhões de vida inocentes no Holocausto, estou certo? Não duvido de que haja uma explicação cristã para Deus ter permitido o Holocausto. Ela só não precisa me convencer, não é? Como também não preciso acreditar no Coelhinho da Páscoa.

A Igreja Católica tem 5.120 santos. Rezar para eles aplaca os sofrimentos dos crentes ou seria mero efeito placebo? Richard Dawkins mostra que a milionária Fundação Católica Templeton gastou 2,5 milhões de dólares para tentar provar que rezas funcionam. O estudo envolveu 2 mil doentes e vários milhares de fiéis que oravam por esses enfermos. 1/3 dos doentes sabia que recebia preces, outro terço recebia orações sem saber e 1/3 não recebia reza alguma. O resultado foi uma surpresa: não houve variação na recuperação de quem recebia preces sem saber e de quem não as recebia. Mas os que sabiam estar recebendo orações sofreram mais complicações. A religião não explica isso, mas a ciência sim. E a psicologia humana tem nome para isso: “Ansiedade de desempenho”. Eles não se julgariam merecedores das preces ou imaginariam estar piores do que estavam para precisar de orações...enfim...2,5 milhões de dólares no lixo.

Citando Tertuliano: “Credo quia absurdum” ou “Creio porque é absurdo”. Os que argumentam em favor dos mistérios inatingíveis da fé estão sempre a reboque da ciência. Nossa tecnologia atual pareceria mágica para um homem das cavernas e um isqueiro faria de qualquer um deus na Idade da Pedra. Antes de inventarem o microscópio havia um universo de mistérios invisíveis aos olhos e as doenças, para a Igreja, eram frutos dos pecados, não dos estafilococos. Místicos exultam com os mistérios e querem que eles continuem misteriosos. Um dos efeitos negativos da religião é que ela nos ensina que é uma virtude satisfazer-se com o não-entendimento.

A esse respeito é sempre bom consultar a opinião do sabido do Santo Agostinho: “Existe uma forma de tentação cheia de perigos. É a doença da curiosidade. É ela que nos leva a tentar descobrir os segredos da natureza que estão além da nossa compreensão, que nada nos pode dar que nenhum homem deveria querer descobrir”. E para não dizerem que Dawkins fica só no santo católico, vejamos o que Lutero, pai do protestantismo, diz: “A razão é a maior inimiga da fé. Quem quiser ser cristão deve arrancar os olhos da razão. A razão deve ser destruída em todos os cristãos.”

Um crente é mais feliz do que um ateu? A religião traz consolo? É um seguro contra a dor da alma, um paliativo, um ópio? George Bernard Shaw achava que “O fato de um crente ser mais feliz que um cético não quer dizer mais do que um bêbado ser mais feliz do que um sóbrio”. Dizem que a religião reduz o estresse, mas a psicologia e o placebo fazem o mesmo com menos morticínios. Na verdade, na maior parte das vezes, a religião aumenta o estresse, como o estado permanente de culpa mórbida que sofrem judeus e cristãos.

Nós só somos bons porque Deus estaria nos fiscalizando? Ivan Karamazov, famoso personagem de Dostoievski, temia que se Deus não existisse tudo fosse permitido. Einstein achava que “Se as pessoas só são boas porque temem a punição e esperam a recompensa, então somos mesmo uns pobres coitados”. Voltaire dizia que Deus era um comediante a atuar para uma platéia assustada de mais para rir.

Quando criança eu achava muito errado Deus ver o que as pessoas fazem dentro no banheiro, uma grande bisbilhotice dele. Só tempos depois fui entender a ironia contida em Paranóia, música de Raul Seixas: “Quando esqueço a hora de dormir/ De repente chega o amanhecer/ Sinto uma culpa que eu no sei de quê/ Pergunto o quê que eu fiz?/ Meu coração não diz/ E eu sinto medo...// Minha mãe me disse um tempo atrás/ Onde você for Deus vai atrás/Deus vê sempre tudo que ‘cê faz...”

Mas aí o estrago já estava feito. Quanta culpa carreguei sob o olhar penetrante desse Super Big Brother...

1 comment:

Anonymous said...

Richard Dawkins... Richard Dawkins...
Richard Dawkins...


Ta bom... que tal falarmos um pouco agora do que você sabe, ja experimentou... se quisermos saber mais sobre este autor pode deixar, nós leremos seu livro.


O blog é seu meu querido, fale de você e não de alguém que já falou por si. Se suas ideias sao exatamente iguais a esta pessoa, entao estas materias sao totalmente dispensáveis.

Um artigo deve ser original! Caso for um comentario desse homem por favor troque o titulo dos artigos!

Poupe-nos!