28.11.18

A SAGA DOS PLANTAGENETAS


Conheço algumas pessoas, poucas, na verdade, que adoram livros sobre a Idade Média. Sou desses fascinado por esse período histórico que durou 10 séculos e que é um banquete apetitoso para quem aprecia tramas, guerras e intrigas. Uma verdadeira aula de roteiro e que, não por outra razão, é tema de incontáveis filmes e livros.

Acabo de finalizar a leitura do 10º dos 14 volumes de uma das melhores séries sobre a dinastia dos Reis Plantagenetas, que governou a Inglaterra por 300 anos. Infelizmente, só os dez primeiros livros foram publicados no Brasil pela Editora Record. Cada um, em formato de bolso, custa em torno de R$ 20,00, uma pechincha para quem gosta do tema.

A Saga dos Plantagenetas, da inglesa Jean Plaidy, conta os bastidores da poderosíssima família que governou a Inglaterra entre os séculos 12 e 15, durante as terríveis Guerra dos Cem Anos e Peste Negra.

A Saga tem início com o livro 1, Prelúdio de Sangue sobre a ascensão ao trono inglês do jovem Henrique II, após os tumultuosos anos de anarquia na Inglaterra, período brilhantemente retratado no livro (e também na mini-série) Os Pilares da Terra, de Ken Follet.

Henrique II deu início à dinastia dos Plantagenetas ao se casar com a icônica duquesa Eleanor de Aquitânia, uma das mulheres mais incríveis de toda a História. O casal tinha um relacionamento extremamente turbulento, já que Eleanor fora casada com o maior inimigo da Inglaterra, o rei da França, Luis VII, com quem já tinha gerado duas filhas e de quem se divorciou para contrair segundas núpcias com o inimigo do ex-marido.

Henrique e Eleanor participaram da 2ª Cruzada, empreendimento de dimensões colossais que não tem o merecido reconhecimento dos estudantes e leitores de História. Apesar de ter sido esposa de dois reis, a verdadeira joia era o ducado da Aquitânia, que pertencia a Eleanor, um território mais rico do que todo o restante da França e da própria Inglaterra.

O casamento de Eleanor com Henrique II gerou oito filhos e a rainha viveu anos prisioneira do esposo por ter tramado destroná-lo. A história é retratada no filme O Leão no Inverno, de 1968, (poster ao lado) com Peter O'Toole como o rei Henrique e Katharine Hepburn, como Eleanor, papel que lhe rendeu um dos três prêmios Oscar que o filme levou.

São extremamente detalhados os volumes da saga que tratam da provável homossexualidade de Ricardo Coração de Leão e as relações conflituosas entre Henrique II e seu chanceler Thomas Beckett, arcebispo da Cantuária, assassinado por ordens enviesadas do rei e que, posteriormente seria santificado pela Igreja Católica.


O segundo volume, O Crepúsculo da Águia, narra os momentos derradeiros de Henrique II, que viveu longos anos como um rei respeitado, mas que ao final da vida era odiado e foi traído pelos filhos, sob a influência da rancorosa esposa. Apesar de certo tom folhetinesco, as obras não deixam de oferecer um riquíssimo panorama da época, mesmo que, em certos casos, haja espaço para tópicos não tão bem fundamentados e que passaram para a História provavelmente como boatos. 

Uma das dificuldades que essa narrativa pode trazer para o leitor não muito familiarizado é a falta de criatividade que os pais tinham ao nomear os filhos. Foram inúmeros os Ricardos e Eleanoras, Henriques e Isabelas, Guilhermes e Joanas etc. Para ajudar os mais confusos, cada volume traz as árvores genealógicas completas. 

O terceiro volume, O Coração do Leão,  aborda a ascensão de Ricardo I ao trono, sua ida para a 3ª Cruzada, seguindo o caminho anterior da sua mãe, onde lutou contra o lendário sultão sarraceno, o guerreiro Saladino. O livro narra, com detalhes, o relacionamento romântico explícito entre Ricardo, rei da Inglaterra, e Felipe II, rei da França, que o acompanhou na Cruzada, lutando ao seu lado com todos os componentes típicos de macheza e virilidade medieval, apesar do notório romance homo-afetivo. Acompanhamos o sequestro de Ricardo, mantido refém pelo imperador da Áustria antes de retornar para a Inglaterra, o que mergulhou o país num caos. Na sua ausência, o irmão caçula João, conhecido como João Sem Terra, governou o país após determinar a morte do jovem sobrinho Artur, o primeiro na linha sucessória.

O quarto livro, O Príncipe das Trevas, trata do governo do rei João após a morte de Ricardo, Coração de Leão. João é retratado como um rei tão cruel que a própria mãe Eleanor disse que teria sido melhor ela ter morrido antes de gerá-lo. Em outras obras da literatura e do cinema, esse período é retratado nas sagas de Robin Hood e Ivanhoé. 

Sob o reinado de João I, a Inglaterra conheceu a famosa Carta Magna,  uma espécie de Constituição que os barões impuseram ao rei. No livro, acompanhamos o casamento do dissoluto João com a inescrupulosa Isabella de Angoulême. As baixarias chegam ao requinte de Isabella acordar no meio da noite e encontrar o corpo de um dos amantes castrado e enforcado no dossel da cama por ordem do marido.

O quinto volume, A Batalha das Rainhas, trata da rivalidade entre as rainhas Isabella da Inglaterra e Blanche da França. A primeira, após a morte de João I, vitima de uma forte disenteria,  entrona o filho Henrique III, de apenas 9 anos. Enquanto isso, Blanche, mãe do rei francês Luís IX, trama a invasão da Inglaterra. Por trás de dois jovens reis, manipulavam duas rainhas-mães, lobas ambiciosas, causando guerras e mortes. Sobre a beleza e voluptuosidade da rainha Isabella da Inglaterra, é interessante o fato de que após enviuvar do rei João, ela se casa novamente, mas dessa vez com o noivo da filha Joana e seu antigo noivo, Hugo de LusignantCuriosamente, o rei Luis IX viria mais tarde a ser canonizado pela Igreja Católica como São Luis. Sua estátua adorna a fachada da Catedral de Sacre Couer em Paris, ao lado da estátua de Joana D'Arc, outra santa francesa.  

No sexto volume, A Rainha de Provence, estamos durante o reinado do dócil Henrique III, que se empenha por um casamento feliz com sua amada Leonor da Provença e tenta apagar os escândalos que mancharam o nome da sua família. Henrique, ao contrário de vários outros reis da Idade Média, não é personagem de nenhuma das peças de William Shakespeare nem foi retratado em muitos filmes ou séries de TV, tendo uma presença e papel mínimos na cultura popular.

Henrique é personagem da célebre Divina Comédia, poesia de seu contemporâneo italiano Dante Alighieri, que o representou como um exemplo de governante negligente, sentando sozinho no Purgatório do lado oposto a outros reis fracassados. 

O volume sete, Eduardo I  conta o reinado do rei conhecido como Eduardo Pernas Longas e O Martelo dos Escoceses, que trouxe prosperidade à Inglaterra e passou para a história pelo brutal tratamento dado aos escoceses e pela expulsão de todos os judeus da Inglaterra, lei que vigorou por 350 anos. Sua violência contra os escoceses é retratada no filme Coração Valente em que Mel Gibson interpreta o rebelde escocês Willliam Wallace.

Os historiadores atuais elogiam sua contribuição às leis e à administração pública, sendo-lhe creditada a restauração da autoridade real após o reinado de seu pai e o estabelecimento  do parlamento como instituição permanente, bem como um sistema funcional para a arrecadação de impostos.

Já no oitavo volume, As Loucuras do Rei, conhecemos Eduardo II, vaidoso e homossexual assumido, que entrega o país nas mãos dos amantes. Seu casamento infeliz com a princesa francesa Isabella resulta em muitas humilhações para a rainha e termina com a prisão e assassinato brutal do monarca, tramado pela esposa.

O primeiro dos amantes de Eduardo II, Piers Gaveston, Conde da Cornualha, famoso pela sua arrogância como favorito do rei, gerou tamanho descontentamento entre os barões ingleses e a família real francesa que Eduardo foi obrigado a exilá-lo. Pouco depois chamou-o de volta e um grupo de barões executou Gaveston em represália à ordem do rei. O filme Eduardo II, do diretor inglês Derek Jarman, retrata com maestria esse período.


O volume nove, O Juramento do Rei, aborda o reinado de Eduardo III, que governou com sabedoria e fugiu do legado do pai. Os problemas tiveram início quando o rei da França morreu sem herdeiros masculinos. A mãe de Eduardo III era sua única descendente direta, mas na França vigia a lei sálica e mulheres e seus descendentes eram excluídos do direito ao trono. A mãe de Eduardo, Isabella era filha do rei francês, o que levou o monarca inglês a reivindicar o trono da França, dando início à Guerra dos Cem Anos. 

Esse período é retratado também no livro e na míni-série Mundo Sem Fim, de Ken Follet, continuação de Os Pilares da Terra.

O décimo volume, Passagem para Pontefract, trata de um período confuso da história inglesa, quando o neto de Eduardo, Ricardo II, assume o trono com dez anos de idade até ser preso e morrer de fome, após um governo desastroso. Sua reputação para a posteridade foi em parte devida à peça homônima de Shakespeare, que o retrata como responsável pela Guerra das Rosas.

Os quatro volumes finais da série não foram lançados no Brasil, mas podem ser baixados em alguns blogs e sites. São: A Estrela de Lancaster (sobre o Henrique V), Epitáfio para Três Mulheres (que narra a história de Joana D’Arc), A Rosa Vermelha de Anjou e Sol em Esplendor, que relata o fim da dinastia dos Plantagenetas.

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