19.1.16

TARANTINO NÃO MERECE SER ODIADO, MAS BOI NEON É QUE É POESIA PURA

Na mesma semana assisti a dois filmes de diretores completamente diferentes: Os Oito Odiados, oitavo filme de Quentin Tarantino, e Boi Neon, segunda ficção do pernambucano Gabriel Mascaro. As coincidências acabam no fato de ter visto os dois filmes na mesma semana. No mais, não podem ser mais diferentes.

Assisti a todos os filmes de Tarantino e sou tiete do seu cinema autoral, repleto das suas marcas cult: diálogos inspirados, humor negro, violência desmedida e cenas repletas de referências a filmes antigos. Já o cinema de Gabriel Mascaro, para mim, significara apenas sair na metade do seu filme anterior, Ventos de Agosto, tamanha a chatice e pretensão do filme.

Mas eis que me vejo apaixonado por Boi Neon e decepcionado com Os Oito Odiados.  E eu preparadíssimo para soltar novos rojões para Tarantino e torcer novamente o nariz para  Mascaro.

Os Oito Odiados tem uma série de problemas, a começar pelas desnecessárias três horas de durações e longuíssimos diálogos que deixam o terreno do inspirador e beiram o falatório tagarela.

O filme tem graves problemas de ritmo. Em um Tarantino, estamos acostumados a ver um crescendo de tensão até as explosões de violência como em Cães de Aluguel, Django Livre, Kill Bill e Bastardos Inglórios. Em Os Oito Odiados, as cenas iniciais em que os atores praticamente passam quase uma hora dentro de uma carruagem, refletem pura preguiça do roteiro e pouca criatividade nas tomadas de câmera.

O diretor parece estar copiando a si mesmo quando emula Cães de Aluguel, transferindo a ação de um galpão fechado para uma hospedaria isolada e mesclando outra autocópia ao repetir o tom racista de Django Livre.

Na escalação do elenco, há certa preguiça em repetir o que já funciona, sem correr riscos. Seria bom ver o diretor apostar em caras novas ao invés de seguir sua zona de conforto com rostos familiares. Kurt Russell já foi visto em À Prova de Morte; Tim Roth atuou em Cães de Aluguel, Pulp Ficcion e Quatro Quartos; Michael Madsen também trabalhou em Cães de Aluguel; e Samuel L. Jackson é figura carimbada dos filmes do diretor.

O personagem de Bruce Dern, ator excepcional, também figura tarantinesca (Django Livre), está praticamente servindo de figuração de luxo. O bonitão do momento Channing Tatum aparece num desempenho que dá pena, e os sempre excelentes Tim Roth, Demián Bichir e Michael Madsen estão subaproveitados.

Talvez a marca mais interessante seja a acertada escolha de Jennifer Jason Leigh, que andava sumida, para viver a quase única personagem feminina. Assim, Tarantino, pelo menos, mantém um pouco da sua bem sucedida estratégia de resgatar rostos que estavam no limbo do mercado, como fez com John Travolta em Pulp Ficcion e Pam Grier em Jackie Brown.   

A violência é marca de Tarantino e não se pode reclamar aqui de falta dela. Mas há grandes diferenças das cenas icônicas de violência extrema de seus filmes anteriores, como a quase “inassistível” sequência em que o assaltante de Cães de Aluguel corta a orelha de um policial com uma navalha ou os escalpelamentos de Bastardos Inglórios. Em Oito Odiados há uma  constrangedora e repetida explosão de cabeças com tiros à queima roupa. É tanta groselha que a gente sente saudade dos filmes B estrelados por Bruce Campbell como A Morte do Demônio e suas sequências Uma Noite Alucinante. Ok, Tarantino adora fazer referências a filmes B, mas aqui foi falta de inspiração que só fez o filme ficar menor pois tais cenas bizarras acontecem nos momentos de maior tensão.

Um roteiro demonstra sua fragilidade quando apela para um narrador. Isso é ensinado nas primeiras aulas dos cursos de roteiro e Tarantino apelou para essa solução preguiçosa para ligar duas cenas na metade do filme e introduzir, subitamente, um novo personagem saído do nada para iniciar uma nova narrativa.

Já Boi Neon é um filme-experiência. Uma produção inspiradíssima e que demonstra a grande coragem do seu diretor em explorar os limites dos estereótipos do masculino e do feminino nas profundezas do sertão. Como diz a Folha, o filme é “uma rota da dissolução de estereótipos de gênero, que ganha ainda mais força no terreno carregado do campo nordestino” 

O filme coleciona mais de uma dezena de prêmios de prestígio pelo mundo afora. Impossível não se impressionar com o fato de o diretor Gabriel Mascaro (que também assina o roteiro) ter recebido os prêmios especiais dos júris dos festivais de Veneza e Marrakech diretamente das mãos dos diretores Jonathan Demme (O Silêncio dos Inocentes e Filadélfia) e Francis Ford Coppola (trilogia O Poderoso Chefão).

Em Boi Neon brilha o excelente Juliano Cazarré (Tropa de Elite, Serra Pelada e O Lobo Atrás da Porta) como Iremar, um vaqueiro sertanejo, um homem de labutar rude e cujo sonho é ser estilista. Ao mesmo tempo em que tange os bois para as vaquejadas, Iremar limpa os animais numa espécie de busca pela delicadeza. Os cheiros de esterco e de perfume são elementos conflitantes que o habitam sem nunca reivindicarem qualquer protagonismo.

Quando Cazarré, com sotaque pernambucano impecável diz, em uma cena, que seu sonho é ser estilista, em momento algum se vê qualquer fissura na sua masculinidade, refletida logo em seguida na sua belíssima cena de sexo com uma mulher grávida que além de vender perfumes, também porta um revólver, já que é vigia de uma fábrica.

Duplo desafio às identidades de gênero, sem falar no tabu de filmar o sexo com uma grávida. A cena flerta o explícito e é de uma beleza poética tão genuína, tão espontânea, que merece entrar para o rol das cenas icônicas do cinema nacional. As únicas do gênero que lhe chegam perto na cinematografia brasileira são a de Marília Pera amamentando Pixote no filme de Hector Babenco e a emblemática cena de sexo de Glória Pires e Alexandre Paternost sobre a mesa de uma cozinha em O Quatrilho.

Os personagens que acompanham Iremar são Galega, uma mulher que dirige um caminhão e dança em cabarés; sua filha, a menina Cacá, que acompanha esse universo quase ambíguo como se fosse um mini-peão; e Junior, personagem de Vinicius de Oliveira (o Josué de Central do Brasil), um vaqueiro de longos cabelos alisados à base de demoradas chapinhas e que usa aparelhos nos dentes porque acha bonito.

Duas notas de merecido elogio à inspirada fotografia de Diego Garcia e à preparadora de elenco, a excelente Fátima Toledo, responsável por 10 em cada 10 atuações memoráveis do cinema nacional.

1 comment:

Unknown said...

Oi Luis, ontem eu vi Boi Neon, achei que fosse gostar mais. Vi que você gostou muito. Achei que a história não se desenvolve,não evolui. O que eu gostei do filme foi a fotografia. A trilha sonora deixa a desejar. Dei duas estrelas para o filme de um total de cinco :) Pessoalmente te falo mais coisas!! NOé