5.11.13

HOMOSSEXUAIS: OS NEGROS DO MUNDO


O título acima é uma provocação. É uma referência à famosa canção de John Lennon: “Woman is the nigger of the Word”. A melhor tradução para nigger não seria exatamente negro. Em inglês a palavra tem uma carga de preconceito muito maior.

Não é sobre negros que se tratará aqui, mas sobre homossexuais. Recentemente, li um livro precioso do escritor Tom Ambrose: “Herois e exílios. Ícones gays através dos tempos”. Recomendo a quem deseja se aprofundar no tema.

Ao longo das civilizações, mais precisamente a partir da Idade Média, a perseguição contra os homossexuais tornou-se uma constante e eles foram vítimas preferenciais tanto dos regimes totalitários quanto dos mais fervorosos puritanos. O horror aos homossexuais é disseminado pelo cristianismo e pelo islamismo, pelo comunismo e nazismo e também pelos que combatiam tais regimes. Se havia alguma coisa que unia essas ideologias e religiões tão contrastantes e com tantos ódios entre si, era o ódio comum aos gays.

A grande ironia em todos os casos é que essa perseguição esconde no íntimo um profundo desejo reprimido. Sigmund Freud já escreveu sobre o “retorno do recalcado”, a forma como os desejos reprimidos afloram em forma de ódio ou destruição do objeto do próprio desejo. Nas palavras de Tom Ambrose, um dos problemas enfrentados pelos homossexuais é a fascinação mórbida que suas vidas despertam nos heterossexuais com uma obsessão pela mecânica dos seus atos e o não interesse pelo seu conteúdo emocional.

Existe farto material que estuda as reações fisiológicas e emocionais de heterossexuais homofóbicos diante da exibição de vídeos de sexo gay. Um estudo clássico foi desenvolvido nos Estados Unidos envolvendo dois grupos de estudantes heterossexuais. De um lado, os que odiavam gays; de outro, os não-homofóbicos. Diante da exibição de filmes com conteúdo homoerótico, somente os homofóbicos tiveram ereção e aumento dos batimentos cardíacos (os voluntários tinham eletrodos conectados nessas partes do corpo).

O escritor ativista João Silvério Trevisan analisa no seu livro “Seis Balas num Buraco Só” que todo o medo que alguns homens heterossexuais têm dos gays está muito ligado a um pavor inconsciente da própria castração, algo que tem relação com as figuras parentais, quando o filho desenvolve pelo pai (macho alfa protetor), uma relação ambígua, ao mesmo tempo de admiração e de ternura recalcada. Cria-se uma dissociação de sentimentos devido ao medo do pai como objeto de afeto da mãe e seu concorrente mais forte que simbolicamente pode vir a castrá-lo.

O casamento heterossexual, nas palavras da psicanalista Melanie Klein, facilita a transferência desses papéis onde, em grande número de casos, a esposa acaba assumindo o papel de mãe do seu marido, numa refinada, camuflada, e mesmo sublimada, vivência do tabu do incesto.

O sexo entre homens é visto como um risco para a virilidade masculina e, nesse sentido, a sociedade machista reproduz uma imagem parcial da condição dos homossexuais, disseminando o estereótipo do gay afeminado quando não há uma necessária relação entre ser homossexual e ser afeminado. Inclusive a História registra (mas não se divulga amplamente) grandes generais, comandantes de tropas ferocíssimas, como Ricardo Coração de Leão e Alexandre o Grande, imperadores romanos como Adriano e Julio César, entre tantos outros e ídolos símbolos da masculinidade e que tinham amantes do mesmo sexo, como Rock Hudson, Rodolfo Valentino, Marlon Brando e tantos outros.

Na era clássica Grega havia outra visão da homossexualidade, como registra fartamente a história sobre o amor entre iguais como o temível batalhão sagrado tebano, formado por guerreiros amantes que lutavam lado a lado impondo terror nas batalhas.

Mas a partir do avanço do cristianismo em Roma, quando a religião tornou-se oficial a partir da conversão do imperador Constantino e do édito do imperador Teodósio, a perseguição aos homossexuais passou a ocupar o lugar da perseguição que os próprios cristãos sofriam. Eles, que foram as vítimas, passaram a algozes.

Os registros da perseguição cristã mostram que o horror ao sexo entre homens chegava ao requinte de condenar à morte até mesmo aqueles homens que sofreram violência sexual. Se os violentados não provassem que gritaram por socorro, teriam o mesmo destino dos violadores: a morte.

A hipocrisia sempre reinou no âmago da Igreja Católica com inúmeros casos de homossexualidade entre padres, bispos e até papas. O papa Julio III era reconhecidamente homossexual e presidiu o Conselho de Trento no qual se condenou com veemência a sodomia sendo que era público o seu relacionamento amoroso com um protegido de 15 anos, Inocenzo, que ele tornou cardeal.

Na igreja anglicana, a repressão não era menor do que na católica. Na Inglaterra vitoriana, não somente a homossexualidade era proibida e passível de prisão por trabalhos forçados, como aconteceu com o escritor Oscar Wilde, mas mesmo a masturbação mútua de dois homens adultos e solteiros no interior dos seus próprios lares era um ato criminoso. 

Nos Estados Unidos, ex-colônia britânica, havia pena de morte para os homossexuais. Somente no século XVII, Thomas Jefferson conseguiu convencer o governo da Virgínia a substituir a pena de morte pela castração. Ainda nos Estados Unidos, nas décadas de 1940 e 1950, a era de terror do macartismo, no auge da guerra fria, quando se temia o comunismo como se teme o demônio, o governo americano perseguia os gays com negativa de emprego, demissões e até prisões.

Já na Rússia, na época czarista havia grande tolerância à homossexualidade ao ponto de que vários nobres eram abertamente gays, mas essa tolerância não se limitava à aristocracia pois mesmo entre os camponeses, vicejava a seita skoptsy em que a regra era que os jovens amantes herdassem os bens dos mais velhos e os transmitissem aos amantes seguintes. O político Vladimir Nabokov, pai do escritor homônimo, publicou artigo argumentando que o Estado não deveria intervir em relacionamentos privados. A igreja ortodoxa russa também não perseguia os gays naquela época.

Por incrível que pareça os mais ferrenhos homofóbicos eram exatamente os intelectuais Marx e Engels, que condenavam reiteradamente as relações gays apesar do propalado compromisso com o “amor fraternal socialista”. Engels escreveu que detestava a “abominável prática da sodomia”. Para ele, se um trabalhador fosse homossexual, a culpa seria do recrutamento e da corrupção por elementos da desprezível burguesia. 

Com a ascensão de Stálin, cresceu a perseguição soviética aos gays e a homossexualidade se tornou comparável ao nazismo. Ser homossexual na Rússia comunista era equivalente a ser dissidente político e inúmeros foram deportados para as prisões siberianos para trabalhos forçados e uma morte lenta. A histeria contra os gays fundava-se numa ênfase do governo à urgente necessidade de aumento populacional para habitar a imensa Rússia, gerar alimento e soldados para as guerras.

Não precisamos atravessar o mundo para verificar como o comunismo odeia os gays. Aqui perto de nós, em Cuba, os homossexuais continuam a ser discriminados, como relatou o escritor Reinaldo Arenas em seu famoso livro Antes que Anoiteça, adaptado para o cinema. Arenas, que morreu após fugir para os EUA, escreveu que Cuba possui as piores prisões do mundo, sendo que dentre elas, as piores são as dos dissidentes políticos. Pois bem, num nível inferior ainda em relação a esses horríveis cárceres, estão os destinados aos prisioneiros homossexuais.

A campanha nazista contra os gays na Alemanha de Hitler não se limitava às pessoas, mas também às ideias. Milhões de documentos e décadas de importantes estudos sobre o comportamento sexual foram destruídos quando os nazistas invadiram o renomado Instituto de Ciências Sexuais de Berlim e saquearam sua valiosíssima coleção de mais de 12 mil livros e mais de 35 mil fotografias. Tudo foi queimado em uma gigantesca fogueira junto com milhares de outras obras confiscadas.

Na Alemanha nazista mais de 100 mil homens foram presos apenas pela suspeita de ser homossexuais e grande parte foi enviada para os campos de concentração onde a morte era certa. Para esses homossexuais, marcados com o triângulo rosa, os trabalhos eram piores do que aqueles destinados aos judeus, ciganos ou comunistas. Ser homossexual em um campo de concentração nazista era das condições mais humilhantes e eles eram vítimas preferenciais de castrações e das terríveis experiências médicas.


Atualmente, no mundo inteiro, há pouquíssimos monumentos aos gays mortos no holocausto, diferentemente dos monumentos aos judeus. O filme Bent retrata esse tempo de terror para os homossexuais alemães.

Enquanto os comunistas perseguiam os homossexuais, comparando-os a nazistas, os nazistas faziam o mesmo comparando-os aos comunistas. Aparentemente, este era um dos poucos pontos em que as duas doutrinas concordavam.

Após a queda do nazismo, muitos gays presos continuaram encarcerados, obrigados a cumprir o restante da pena, uma vez que o parágrafo 175 do Código Penal Nazista continuou vigorando. Em 1957, passados 12 anos do fim da guerra, não somente as leis anti-homossexuais foram mantidas como ainda tentaram fazer que as penas fossem dobradas. Somente em 1969, quase 25 anos após a queda do nazismo, o temível parágrafo 175 foi removido e as poucas vítimas restantes puderam contar sua história de terror.

Pesquisa da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo mostra que 76 países ainda perseguem pessoas com base em sua orientação sexual – sete dos quais punem os atos homossexuais com a morte. No Irã, desde a ascensão dos aiatolás, mais de 4 mil gays e lésbicas foram executados, na maioria das vezes de modo violento. Durante dez anos, o Irã matou mais homossexuais do que a Santa Inquisição no seu auge persecutório na Europa.

Para efeito de provas, são aceitas na Justiça iraniana confissões sob tortura e aos acusados são negados advogados. A perseguição no Irã se estende às salas de bate papo na internet onde são criados flagrantes. Os clérigos, nas suas recomendações escritas, descrevem nos mínimos detalhes horripilantes como deviam ser mortos os gays. Todas as prescrições terminavam com a mesma frase: louvado seja Deus.

Não bastasse o risco real de serem mortos, quando muitos gays fogem do Irã para outros países, em muitos deles não lhes é concedido asilo político. Mesmo na liberal Holanda, durante anos os gays iranianos tiveram o pedido de asilo negado e eles foram deportados para o Irã para uma morte certa. Só em 2006, após pressão pública, a Holanda mudou a prática.

Na Arábia Saudita, os homens que têm relações sexuais com outros homens só são considerados homossexuais se exercerem o papel de passivo. Ao ativo da relação atribui-se uma simples satisfação de um desejo físico.

Em diversos países católicos da África os gays são perseguidos e mortos. Em Uganda, pastores evangélicos norte-americanos têm exortado os fiéis a apoiar uma lei que pune os homossexuais com a pena de morte. O pastor evangélico Scott Lively diz considerar bons os motivos que levaram à criação do projeto de lei de Uganda. “Querem proteger a sociedade deles de ser homossexualizada. O mesmo está acontecendo em outros países. Estão preservando a liberdade religiosa e os valores da família” avalia.

Na Nigéria, com 99% da população entre católicos e muçulmanos, a homossexualidade é ilegal e a pena chega a 14 anos de prisão. No norte islâmico as relações homossexuais são punidas com 100 chibatadas até a morte por apedrejamento. Em 2007, o governo nigeriano copiou Uganda e aprovou uma lei estabelecendo prisão para quem tolera, incita, testemunha, auxilia ou consuma um casamento entre pessoas do mesmo sexo e proíbe qualquer demonstração de afeto entre gays. Isto mostra que o ódio aos gays une católicos, evangélicos e muçulmanos.

A escritora lésbica Patricia Highsmith declarou, referindo-se à literatura do escritor russo Dostoievsky: “A história do Cristianismo é mais excitante, perigosa e terrível do que qualquer história de assassinato que ele já escreveu”.

Encerro com Fernando Pessoa, tentando, mesmo que não consiga, deixar alguma poesia nesse texto tão pesado: “O amor é que é essencial / O sexo é só um acidente / Pode ser igual / Ou diferente”. 

7 comments:

Flavio said...

Poxa, Luis eu estava e estou meio conturbado com as coisas da faculdade, mais olhei sua postagem e não consegui ficar sem ler ou melhor devora-la, fantastica é a palavra mais simples que encontrei..

Cláudio Melo said...

Muito bom texto. Denso e apoiado em dados históricos.
O jornalista Pedro Doria publicou um artigo há alguns anos listando alguns países do oriente médio nos quais o homossexualismo é tolerado, sendo destino preferencial de membros do corpo diplomático brasileiro que são homoafetivos.
Creio que a repressão aos homossexuais, insttucionalizada ou difusa, possui um forte componente psicanalítico. Sem apelar ao raciocínio raso de que - quem reprime gay é gay reprimido.
A questão é mais complexa.
Uma parte dos repressores são autoreprimidos, sim. Mas acredito que as reações eróticas em alguns homofóbicos é o subconsciente deles aceitando aquilo como uma possibilidade. "Olha meu lindo. Isso existe e é possível".
Outra parte é de viado enrustido mesmo.

Alberto Milani said...

Oi Luiz!Legal esta rememoração que o teu texto propõe. A gente esquece que a nova geração não passou por isso e desconhece esta história. É um bom resumo. Um abraço

André Setaro said...

Sobre ser um texto enxuto e bem escrito, há pesquisa perfuratriz que revela a 'via-crucis' dos homossexuais através da História.

José Américo Barreto de Ávila said...

Muito bom apanhado sobre instigante tema; resumo dizendo: Todo bombeiro tem algo em comum_ Fogo e Mangueiras,Escadas e Cordas,as oportunidades assustam por serem novos desafios .

Maria Salete Librelato Massuchetti said...

Querido, Luiz, ler você é ter um orgasmo, sem necessariamente , fazer sexo. Cada vez que esse assunto vem átona, só posso dizer uma coisa. O mundo é gay e gays humanos que não contram o parceiro certo. Eu se tivesse o poder nas mãos, condenaria todos os avessos ao seres humanos que nao permitem as pessoas serem felizes. Dê a liberdade aos humanos serem o que ele quiserem ser. E felizes.

Anonymous said...

Eu acredito que a sexualidade humana é complexa, cheia de desdobramentos e fluidezes. Diversa é a natureza e nisto reside a sua beleza… Que texto bom, cheio de boas referências, rico e educativo. Como faz falta ler artigos assim, todos os dias!