20.11.12

Minha Pauta: Caetano e Las Vegas


Duas fotos separadas por 12 anos e muitos quilos

Pauta é aquele termo usado em imprensa significando a orientação dada a jornalistas pelos editores para que escrevam sobre determinado assunto. Assim, aqui estou eu, como bom jornalista, sem diploma, obedecendo ao meu editor ad hoc Dida Santiago.

Dida sacou a última coluna cifrada de Caetano Veloso para me perguntar: “Você não acabou de chegar de Las Vegas? Não escreveu nada a respeito! Veja só: Caetano escreveu!”

Dida sabe que Caetano é uma das minhas pautas preferidas (E a favorita do próprio Dida). Sinto-me desafiado. Se Caetano falou de Las Vegas eu preciso também falar sobre Las Vegas e sobre o que Caetano falou de Las Vegas mesmo que as frases randômicas de Caê, atiradas a esmo sobre o jornal, necessitem de algum tipo de decodificação do caetanês para o português.
Caetano foi homenageado no último Grammy Latino (com direito a um beijo caliente de Sonia Braga). O evento ocorreu justamente na Cidade do Pecado, mais conhecida como Las Vegas. E lá foi Caê pela primeira vez para Vegas e retornou tecendo comparações entre ela e Santo Amaro.

Os Velosos adoram essas comparações extremas. Outro dia, Maria Bethânia, dizia que a primeira vez que conheceu Paris achou igualzinha a Santo Amaro. O que será que tinha no leite do peito de Canô que fez isso com a cabeça dos filhos? Bethânia acha Paris igual a Santo Amaro; Caetano acha a mesma coisa de Las Vegas....o que será que Mabel ou Rodrigo Veloso pensam de Viena? Não soltem Mabel ou Rodrigo nas ruas de Viena ou Budapeste que eles vão achar iguaizinhas a Santo Amaro e o Danúbio, o Subaé dedivivo.

Mas já estou divagando. Basta falar de Caetano para eu entrar também no modo randômico.

Caetano conhece Los Angeles e eu não. Em seu artigo ele compara Vegas a Los Angeles e diz: “Tudo em Los Angeles parece um precário esboço de concentração urbana aberto para o céu, o vazio, a rodovia expressa, o deserto, os olhos do coiote”. L.A. já servira de inspiração para Caetano na bela canção “Minhas Lágrimas”, do disco Cê, que diz: “Desolação de Los Angeles,/ a Baixa Califórnia e uns desertos ilhados por um pacífico turvo/ a asa do avião/ o tapete cor de poeira de dentro do avião/a lembrança do branco de uma página/ nada serve de chão onde caiam minhas lágrimas.” 

Finíssima poesia. Pérola bruta.

Caetano sabe o que é uma cidade e Los Angeles não se enquadraria nesses critérios. Assim define uma cidade: “o lugar onde a gente entra e se vê rodeado de sólidas paredes de alvenaria”. Assim seriam Paris, Las Vegas e Santo Amaro.

Minha cidade natal tem semelhanças com o berço dos Veloso, uma cidadezinha cortada por ruas estreitas, casas coloridas ou sem reboco, pracinhas, igrejinha, coreto na praça, um rio...Então assimilo o que Caetano chama de cidade: “território urbano, com calçamento de paralelepípedo e casas coladas umas às outras: o mundo selvagem das matas, dos mangues, dos braços de mar ficando fora dos muros”.

A moça do balcão da Delta no aeroporto de Nova Iorque olhou para o meu bilhete e abriu um enorme sorriso. Lá estava escrito: Las Vegas. Ela me perguntou com um simpático inglês novaiorquino, quase uma contradição entre termos: “Vai para Las Vegas? Me leve junto na mala!” E  continuou em tom amistoso: “Vai lá apostar hein?” Meu acompanhante completou: “Não, vamos ver um show de Madonna”. Foi a senha para que a mulher arregalasse os olhos: “Uau! Madonna! Dê a ela um beijo por mim. Eu A-do-ro Madonna!!!”.

Não pretendia retornar a Vegas depois de 12 anos. Lá estive no ano 2000 com a desculpa esfarrapada de conhecer o Grand Canyon. Madonna novamente serviu de desculpa perfeita, já que nem fui ao Grand Canyon no ano 2000 tampouco no show de Madonna no mês passado.

Procurava algum sinal de vida e poucas vezes vi tanta pulsação de vida num lugar só como Las Vegas, uma cidade improvável construída no meio do deserto. No meio do nada surgindo um oásis de vida, calor e seres humanos. Nunca vi tantas fontes jorrando água, incluindo a maior e mais famosa fonte do mundo, com incríveis e gigantescos jatos d’água que dançam acompanhados de músicas famosas e luzes coloridas.

Difícil, quase impossível descrever o que é Las Vegas. Uma vez tentei fazê-lo num texto caretéssimo que publiquei quando de lá retornei chamando-a de cidade de plástico. Como sempre, Oscar Wilde tinha razão quando disse que “Definir é limitar”. Uma página não dá conta de definir Las Vegas como Caetano não conseguiu nas poucas palavras que usou.

Também não conseguirei, mas não é somente plástico que define Vegas. Vida é mais adequado. Não é por outra razão que existem inúmeros prédios gigantescos, restaurantes deslumbrantes, cassinos fervilhantes, shows diversos acontecendo todos ao mesmo tempo, não é senão por conta da presença das pessoas, de nós, animais humanos, bípedes implumes que tudo aquilo foi construído. Não é por conta de outra coisa que não a imensa fome e sede de luxo, de sexo, de emoções que tantas mulheres e homens se exibem, que se apostam fortunas, que se come demais e se bebe tonéis de álcool, que se fuma e se droga. Frenesi feérico de luzes e excessos de tudo, do mais brega ao mais chique, do mais sofisticado ao mais grotesco convivendo lado a lado.

Fiquei tentando apreender nos olhos tantos signos e sinais, observei o vai e vem interminável de pessoas pela sua avenida principal, a larguíssima Las Vegas Strip que tem cerca de 8 km ladeada por gigantescos hotéis-casino, alguns moderníssimos, de um luxo atordoante: Ária, Bellagio, Mandarin, Encore, Wynn, Trump, Hilton, Venetian, Monte Carlo, Ceasar, Paris, MGM, Escalibur, Vdara, Luxor, Mirage...cada um com uma decoração mais exuberante e um show diferente (pelo menos 5 grupos do Cirque Du Soleil se apresentam diariamente com espetáculos variados). Outros hotéis mais antigos convivendo harmonicamente, mas com evidente inclinação para certa baixaria e um tanto de exagero, exibindo mulheres seminuas: o Flamingo, o Harra’s, O Ilha do Tesouro e outros que assustam um pouco. Parece que algo vai subitamente fugir do controle...
A sensação é de que absolutamente tudo pode acontecer em Las Vegas. Cada hotel é como um mundo à parte, mas é impossível entrar num mundo daqueles sem lembrar que circundando-o existem dezenas de outros mundos vibrando na mesma frequência. Impressionaram-me tantas coisas, mas encontrei um traço comum no meio daquele quase caos: em todos os rostos viam-se olhos brilhando com um tipo urgente de vida, seja pelo reflexo dos milhões de lâmpadas que iluminavam os bulevares, das janelas dos quartos dos hotéis, das luzes dos semáforos ou dos faróis dos carros e limusines, dos painéis gigantescos dos luminosos de neon a exibir seus shows, das placas reluzentes de lojas de grife com roupas que custam fortunas em frente a lojinhas que vendem 5 camisas por U$ 9,99 e infinitas opções de lembrancinhas baratas como chaveiros, canecas, postais...

Ou o brilho nos olhos vinha de alguma chama interna, um desejo vívido de estar bebendo a vida, de estar saboreando todas as possibilidades, de saber que apesar de a cidade oferecer diversões caríssimas, há muito para fazer com  alguns dólares no bolso, um pouco de criatividade, a companhia certa dos amigos mais divertidos e dispostos a tudo.

A cidade é inexplicável. Onde tanta alegria vai parar quando o sol nasce? Onde eu encontro amigos suficientemente loucos, insanos, queridos e divertidos para dividir comigo o prazer de uma noitada em Las Vegas?

Caetano disse no seu artigo que vai levar os filhos e netos para verem com ele o show “Love” dos Beatles, um dos vários espetáculos do Cirque du Soleil. 

Eu não vi “Love”, preferi o “Zumanity”, num hotel-cassino diferente, show do mesmo grupo, mas impróprio para menores de 18 anos que mostra o lado sexual e sensual do Cirque du Soleil. Uma dica para quem deseja ser eletrificado e vibrar no ritmo alucinado de Las Vegas.

Enquanto isso, minha mãe assistia a Madonna no hotel-cassino em frente.

1 comment:

Unknown said...

Dida Santiago precisa continuar te provocando. Adorei seu texto.