30.1.21

PERDIDOS NO QUEENS


Logo que cheguei com dois amigos em Nova Yorque, um casal americano foi nos pegar no aeroporto La Guardia, que fica no Queens, um bairro maior do que a ilha de Manhattan e nos levou para dormir a primeira noite na sua linda casa em Staten Island, em frente à Baía de Nova Yorque. Mas essa moleza foi só no primeiro dia, no dia seguinte seguimos para nosso hotel. 
  
Aproveitamos bastante os cinco incríveis dias na cidade que nunca dorme apesar de o meu amigo que visitava NY pela primeira vez, mesmo com todos os meus alertas, ter desrespeitado o primeiro e máximo mandamento dos viajantes: NÃO PERDERÁS TEMPO EM NOVA YORQUE! 

Tempo foi tudo que ele perdeu. Paciência foi tudo que perdi. Ele demonstrou seus métodos de organização que fariam um virginiano radical com TOC parecer um inocente amador. Tinha 87 maneiras diferentes de pentear os cabelos e rituais de escovação dos dentes que fariam inveja a um sadomasoquista profissional e me aborrecia com a dedicação suprema ao consumismo. 

Após cinco dias de museus, parques,  noitadas, bares, musicais...deixaríamos NY e na noite anterior à nossa partida, meu amigo nos comunicou que iria acordar mais cedo no dia seguinte para conhecer o Central Park. Respondemos: "Meu filho, nosso carro está reservado para as 10 da manhã, você ficou 5 dias em NY e não conheceu o Central Park?" 

Detalhe: O Central Park, que ficava a dois quarteirões do nosso hotel, tem 340 hectares, mais de 500 mil árvores, 93 quilômetros de trilhas, o comprimento de 20 quarteirões e a largura de 6. Ele queria conhecer em 2 horas das 8 às 10 da manhã. 

E foi. 

Havíamos decidido alugar um carro e seguir por cinco horas até Boston para ter a experiência de dirigir na região da Nova Inglaterra que é muito bonita e com ótimas estradas. Se saíssemos de Nova Iorque as 10 da manhã, como previsto, com as paradas, chegaríamos em Boston lá para as 5 ou 6 da tarde. 

Isso aconteceria com pessoas normais, não conosco. 

Já eram 10 da manhã e meu amigo não voltava. Descemos para a rua todas as malas e ficamos em pé na porta do hotel esperando em vão seu retorno. Liguei para a locadora para mudar a reserva do carro para o meio-dia. Quando deu meio dia e ele também não apareceu, liguei novamente para a locadora para trocar para 1 da tarde.  A atendente alertou que mudava pela última vez e que se eu não buscasse o carro até 1 da tarde, cancelaria a reserva e eu pagaria mais caro. 

Ficamos mais 40 minutos na calçada em frente do hotel sem saber o que tinha acontecido com o sacana.  E se ele estivesse morto? E se tivesse sido assaltado, estuprado, preso? 

Finalmente, já no desespero, o fdp surge num táxi com 3 horas de atraso. Calmamente, ainda foi buscar uma roupa na lavanderia em frente ao hotel e ainda queria abrir a mala, ali mesmo na rua, para guardar as roupas lavadas. Eu o impedi aos berros. Se ele abrisse aquela mala ali levaria mais 3 horas para organizar tudo.  Pegamos um outro táxi, que nos levou a locadora. Aí começa o segundo problema. 

O carro era um Taurus automático e nenhum de nós sabia dirigir um carro daqueles naquela época. Pedimos um outro carro manual mas eles não tinham nenhum. Não podíamos dizer que não sabíamos dirigir esse tipo de carro porque senão a loja não alugaria. O que fazer? Ler o manual, claro. 

Guardamos as malas e entramos no Taurus, que parecia uma lancha de tão grande. Peguei o manual para ler. Em inglês. Eu tenho problemas para ler manual até em Português, o que dirá sob pressão na porta de uma locadora na rua 44 com a 2ª avenida ao lado da ONU. 

Para piorar as coisas, eis que aparece um policial atrás de mim e diz que aquela é uma área de segurança das Nações Unidas e não poderíamos ficar parados ali. Ao lado dele, o atendente da locadora apareceu sem saber o que ainda estávamos fazendo ali. 

Não sei até hoje como consegui ligar o Taurus e passar a única marcha que tem e que para complicar nossa vida era uma daquelas de mão ao lado do volante. Eu li que tinha que botar no D, mas como fazer isso se a alavanca estava dura e não encaixava?  Então descobri que a marcha só encaixava eu pisasse no freio até o fim. 

Os próximos passos eram: entrar na 2ª avenida, pegar a rua 48, passar pela 1ª avenida em frente ao prédio da ONU, tomar a highway FDR e seguir até a Ponte Triborough para a rodovia 95 que me levaria até Boston. Esse trajeto revelou-se um tormento. A embreagem que não existia parecia me atrair como aqueles membros amputados que coçam e o freio era hipersensível. O primeiro toque do pé nele atirou tudo que estava nos bancos no chão. Ok, freio, eu te respeito! 

A 2ª avenida parecia ser uma experiência instransponível, mas conseguimos superá-la. Vencida essa etapa, despistado o guarda, atravessada a ONU, estávamos, sabe-se lá como, na FDR. 

Nosso guia de NY dizia que era só seguir o East River até a Ponte Triborough sem virar em lugar nenhum. A ponte foi vista à distância o que me acalmou, pois eu só imaginava o inimaginável: perder-me em Manhattan. Subi pelo acesso à ponte e, ao longe, vi 10 pedágios. Nove pedágios nos levariam até a rodovia 95 para Boston. Um dos pedágios não era o certo. Qual deles eu peguei? Eu bem sei do que eu sou capaz. Peguei o único pedágio que eu não poderia em hipótese alguma pegar.    

Estar perdido ali era um atestado de óbito para um estrangeiro. O filme Fogueira das Vaidades começa com um acidente ali naquele lugar, naquela ponte. O personagem de Tom Hanks se perde ali mesmo. Adoro a história mas nunca pensei em reproduzir aquela cena na minha vida. 

Percebi que estava no pedágio errado, mas aí já era muito tarde, pois apareceram vários carros atrás do meu e não pude retornar. 

Perguntei ao guarda do pedágio, num inglês corretíssimo e com toda calma: "Mister, sei que estou no pedágio errado e não posso dar ré, mas há um retorno para a rodovia 95? "

Ele respondeu: Yeah! 

Claro que perguntei: O senhor pode me dizer como eu pego esse retorno? 

Ele respondeu: No! 

Não pude acreditar. O homem não queria dizer onde era o retorno! Eu pensei que tinha entendido errado e insisti: Sorry Mister, but I am lost. I just want to know how can I take the detour to 95 road

Meu inglês foi perfeitamente entendido por ele e o dele por mim. Ele respondeu que não me diria onde era o retorno porque se ele dissesse e se eu me acidentasse, o culparia e ele não poderia se comprometer. 

A palavra bastard veio aos meus lábios, mas ficou por lá mesmo. 

A fila de carros aumentou atrás de mim e eu tive que arrancar com o Taurus para aquele terreno inóspito que era o Queens e o Bronx. 

A highway é um dos piores ambientes para se perder. Prefira o Saara! Não tem acostamento nem nada. Só a pista, horas de pista, mil retornos e a gente sem saber qual pegar. Na locadora, nos deram o mapa de Manhattan e da estrada para a Nova Inglaterra, mas não do Queens ou do Bronx. Não estava nos nossos planos nos perder ali. 

Sem mapa, sem acostamento, sem celular, sem informação e a cada retorno que passava ter que ouvir  dos meus amigos: “Será que o retorno não foi aquele que passou?” Eu estava tentando manter a calma e então gritava: "Ninguém fale comigo!!!Ninguém fale comigo!!!!" 

Reconheço esse momento de descontrole, mas ao mesmo tempo pensava que não fazia sentido algum uma batida, uma prisão, uma multa ou algo mais trágico na minha vida em pleno subúrbio de Nova Yorque. Minha vida não valia um filme trágico desses. 

Depois de quase 1 hora naquele ermo, sem sinal de esperança, vi finalmente uma placa que soou como uma gota de água para um sedento ou um acarajé para um faminto: AEROPORTO LA GUARDIA!!! 

Essa frase será usada na minha sepultura um dia como sinal de agradecimento aos deuses. Aeroporto La Guardia, um dia farei um poema com esse título. Estávamos de volta ao aeroporto, onde chegamos 5 dias antes. Imaginei que no aeroporto deveria haver um retorno, uma estrada para Boston. 

Entrei pela pista que levava ao aeroporto e passei quase meia hora tentando encontrar um americano no meio daquele inferno, mas só encontramos haitianos, paquistaneses, chineses ou filipinos. Ninguém para nos informar como encontrar o retorno para a 95. Não podíamos estacionar para pedir informações. 

Decidi por conta própria arriscar. Fui adiante e peguei outra highway. Ninguém garantia que era a estrada certa e eu arrisquei assim mesmo. Meus amigos deviam estar rezando, pois pararam de falar comigo. Após quase 1 hora, a Triborogh Bridge foi vista à distância. Pegamos outro pedágio. 

Quase sem acreditar disse ao moço algo assim: "Moço por favor, tenha pena desse pobre brasileiro perdido. Como eu faço para chegar na 95 até Boston?" 

Ele disse: Siga sempre. Você já está nela!. 

Quase não acreditei. Quase 2 horas perdido e finalmente free and safe. Essa sorte não teve o personagem de Tom Hanks em A Fogueira das Vaidades. 

Nossa. Saí melhor do que Tom Hanks!

4 comments:

Anonymous said...

Goulart,

Você é ótimo para contar histórias. prende a atenção que é uma beleza.

Abraço.

Cláudio Melo.

Anonymous said...

Que saco, que demoraq para postar alguma coisa, esporte e tecnologia para mim são a mesma bosta, só escrevo para dizer que adoro o mal feito, o idílico, sua sutileza,seu mau humor ferino, e para te dar um conselho : para de viajar em bando, vc só se ferra, viajem boa é dois, tres no máximo, uma vez que dois sempre concordam e um é ignorado, ai nãoda confusão nem história, beijos, adororo ler suas peripécias.

Unknown said...

Meu Deus , que sofrimento, consegui ficar ansiosa, angustiada, desesperada, como se eu estivesse dentro do carro, naquela sua situação. Meus Deus você é um herói.te amo

Unknown said...

Me vi em cólicas de risos desesperados.... hahaha.... imaginando cada cena....isso dá um curta maravilhosoooooo