9.1.25

LIVROS LIDOS DE OUTUBRO A DEZEMBRO DE 2024



Pelo 7º ano, publico breves resenhas dos livros que li durante o ano. 

A média anual está em 52 livros. 

Em 2018 foram 40. Em 2019 foram 68. Em 2020 foram 61. Em 2021 foram 55. Em 2022 foram 60. Em 2023 foram 50. Em 2024 foram 32.

A lista dos livros lidos de Janeiro a Maio (16) e de Junho a Setembro (8) já foram publicadas no blog. 

Eis aqui a minha lista dos 8 livros lidos de Outubro a Dezembro.

1- O CHÃO QUE ELA PISA - Esse foi o 11º livro que li de um dos meus autores favoritos: Salman Rushdie. Texto sempre primoroso com o toque do realismo mágico típico do autor. Uma recriação moderna do mito de Orfeu e Eurídice em que ele desce ao inferno para resgatar a amada. A trama atravessa décadas, começando em Mumbai, na Índia e passando por Londres, Nova Yorque e pelo México. Os protagonistas são o casal indu Vina Apsara e Ormus Cama. Além do fotógrafo Rai, narrador e vértice de um triângulo amoroso. Amor, morte, fama, cultura pop, desejo e rock-and-roll compõem um enredo envolvente. O título do livro inspirou a canção homônima do U2 e da banda brasileira CPM 22. Os cenários dos livros de Rushdie sempre abordam histórias de famílias em contextos de turbilhões políticos e sociais. 

2-OUTONO DE CARNE ESTRANHA- Primeiro livro que li do autor brasileiro Airton Souza vencedor do Prêmio Sesc 2023. A trama se passa no meio do garimpo de Serra Pelada no Pará, o maior garimpo a céu aberto do mundo nos anos 80, combinando memórias do garimpo e ficção e o amor entre os garimpeiros Zuza e Manel. É o retrato do embrutecimento dos homens e da ganância pelo ouro em meio a desmoronamentos, violência e contaminações por mercúrio. Achei a prosa de um lirismo um tanto forçado com imagens poéticas muito gratuitas enquanto as cenas de sexo me pareceram constrangedoras, sendo que não sou uma pessoa puritana, mas exatamente o contrário. No ano em que o livro foi premiado, durante a FLIP em Paraty, a leitura do livro causou polêmica pelas descrições muito cruas de relações homossexuais. O Sesc chegou a ser acusado de tentar censurar o livro.

3-AS BRASAS - Primeiro livro que li do húngaro Sándor Márai, publicado pela primeira vez em 1942. O autor teve sua obra banida na sua terra natal após a 2ª Guerra Mundial e também pelo regime soviético, emigrando para os Estados Unidos até 1989 quando se matou.  Em 1990, quando os comunistas húngaros foram depostos, a obra de Sándor Márai passou a ser traduzida em todo mundo recebendo grande notoriedade. O livro tem uma força descomunal e impressionante de uma escrita potente e bela. A história se passa em um antigo castelo em que um velho general aristocrata recebe em um jantar um amigo de infância que não vê há 41 anos. Durante uma noite, eles têm a possibilidade de reabrir as velhas feridas do passado numa prosa vigorosa e intensa envolvendo as maiores traições que podem ser feitas em uma amizade de dois homens.


4-PEDRO PÁRAMO - Obra prima inaugural do realismo fantástico latino- americano e que recentemente ganhou uma bela adaptação da NETFLIX. Um dos livros mais desafiadores que li e que havia abandonado até assistir ao filme no cinema, o que me fez entender coisas que não havia compreendido, o que me fez retomar a leitura, desfrutando o imenso prazer de reconhecer o grande valor dessa obra considerada fundamental por autores consagrados como Gabriel Garcia Marques e Jorge Luís Borges. O livro foi trabalhado e condensado por anos pelo autor até deixá-lo só "no osso". A história de Juan Preciado que, para cumprir o desejo da mãe no leito de morte, retorna ao vilarejo de onde ela havia saído muitos anos antes e se defronta com uma cidade abandonada repleta de "fantasmas" em busca da sua origem e do seu pai, o caudilho Pedro Páramo.


5-DEPOIS DA MEIA NOITE - Este foi o 47º livro que li do mestre do terror Stephen King. São quase 100% das vezes leituras muito gratificantes. Ainda bem que o autor escreve prolificamente pois não quero pensar no dia em que não haverá mais livros dele para ler. Ainda bem que há quase 80 romances e coletâneas de contos publicados. Aqui temos quatro excelentes novelas. A primeira: Os Langoriers em que um grupo de pessoas descobre que toda a tripulação e quase todos os passageiros desapareceram durante um voo. A segunda história é Janela Secreta, Jardim Secreto onde um escritor (personagem recorrente dos textos de King) vive o terror de ser perseguido por um "colega de profissão" que o acusa de plágio. A terceira história O Policial da Biblioteca trata do abuso infantil com uma fortíssima cena de estupro e a última novela é a espetacular O Cão da Polaroide onde voltamos à "amada" e perigosa Castle Rock, uma das cidades favoritas do autor.

6-O HERÓI DE MIL FACES - O primeiro livro que li de Joseph Campbell e o único livro de não-ficção que li entre os 32 lidos no ano de 2024. Aqui nessa obra prima temos um excelente estudo sobre o mito da jornada do herói em que o autor descreve um padrão comum encontrado em muitas lendas, mitos e histórias ao longo da história humana com a jornada que representam a transformação e o crescimento do protagonista, bem como a sua relação com os demais componentes narrativos. O autor tem profundo interesse pela mitologia e religião tendo estudado literatura e línguas clássicas e viajado pelo mundo, estudando e coletando histórias de diversos povos e culturas. A análise dos arquétipos permite uma compreensão mais profunda dos conflitos e das contradições que emergem nas interações sociais.


7-RELATO DE UM CERTO ORIENTE - Este foi o terceiro livro que li do autor amazonense Milton Hatoum (na verdade, eu o reli) após as obras Dois Irmãos e A Cidade Ilhada, ambas adaptadas para o cinema, assim como esta última que recentemente virou um filme dirigido pelo ótimo diretor Marcelo Gomes (de Cinema Aspirinas e Urubus e Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo). Aqui temos uma obra narrada por múltiplas vozes de personagens e sem uma ordem temporal em que aparecem os irmãos Emilie e Emir, imigrantes libaneses em Manaus que constroem uma grande família com filhos naturais e adotivos, netos, agregados. A história é rica e cheia de episódios que envolvem suicídio, amores e traições numa bem costurada colcha de retalhos que ao se desenvolver mostra aos poucos a riqueza da sua trama.


8-CONCLAVE - Este é o quarto livro que li do escritor Robert Harris após a sua trilogia de Cícero (Imperium, Lustrum e Dictator). Fui motivado à leitura por conta da elogiada adaptação para o cinema que no momento em que escrevo esse texto (9/1/2025) ainda não foi exibida no Brasil mas já recebeu inúmeros elogios e prêmios importantes. Aqui estamos, como o título diz, no interior de uma Conclave, solenidade da Igreja Católica para eleição do novo papa. Os conflitos entre diferentes correntes (conservadores e progressistas), as intrigas internas, os conchavos e acordos secretos e as surpreendentes reviravoltas da trama indicam um excelente domínio da narrativa do autor. Os embates entre vários possíveis candidatos ao trono do papa levam o leitor a uma ansiedade perfeita nesse soberbo triller.

4.11.24

48ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SÃO PAULO

 

Mais um ano retorno da maratona de filmes da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo com a avaliação de todos os anos: sempre é uma das melhores coisas que faço nas férias. 

Essa é o 22ª ano que participo da Mostra. Há vários anos compro um passaporte que era antes de 50 e hoje é de 40 filmes (o de 50 não existe mais), o que é uma grande vantagem pois além de o valor ser de R$ 410,00, equivalente a menos do valor de uma meia entrada durante a semana, é possível reservar o filme com 5 dias de antecedência, o que é uma maravilha principalmente por evitar o risco de se bater com ingressos esgotados, o que acontece muito com os filmes mais concorridos.

A correria é grande e acaba que muitas vezes bate o cansaço e não dá para ver todos os filmes desejado ou reservados. Este ano foram 417 filmes de 82 países diferentes passando em 15 dias (mais os dias da repescagem). Foram 31 filmes assistidos no total e aqui abaixo faço a avaliação listando dos melhores até os piores, como faço todos os anos. Este ano, curiosamente, os 3 melhores filmes são brasileiros, assim como o pior também. Selton Melo está presente nos dois extremos.

SERRA DAS ALMAS - Direção de Lirio Ferreira- Em Pernambuco, um roubo de joias vai reunir um grupo de amigos desajustados com resultados catastróficos. Vigiados por fantasmas do passado, cada um deles terá de encontrar a própria forma de liberdade. Foi um dos melhores filmes a que assisti nesse ano e também na Mostra. Fico sempre impressionado com o vigor do cinema pernambucano e que reforça minha admiração pelo diretor do também excelente Baile Perfumado. Um filme potente, com interpretações afiadas, trilha sonora excepcional, extrema sensibilidade na escolha de planos muito originais e uma montagem que torna ainda mais interessante a amarração do roteiro. Sem qualquer defeito. Estouraria a cabeça do próprio Tarantino. Levou o Prêmio Netflix da Mostra. 

3 OBÁS DE XANGÔ - Documentário de Sérgio Machado vencedor dos Prêmios de Melhor Documentário Brasileiro da Mostra de Cinema de São Paulo e do Festival de Cinema do Rio. Por meio da seleção de belíssimas cenas de arquivo e filmes antigos, retrata a amizade entre Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé, maiores responsáveis pela criação de um imaginário de baianidade que persiste até hoje. Os três defendiam que a força de suas obras residia em documentar o que viam nas ruas: a resiliência do povo do candomblé, o poder das mulheres e a onipresença do mar. Os livros de Jorge, as canções de Caymmi e as pinturas e esculturas de Carybé consolidaram um modo de estar no mundo dos baianos e influenciaram as gerações de artistas que vieram depois. O documentário me fez chorar em alguns momentos apreciando o poder da arte e da amizade. Excelente escolha da trilha sonora solar.

AINDA ESTOU AQUI – De Walter Salles com Fernanda Torres e Selton Mello. Prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza. No Rio de Janeiro, em 1970, quando o país enfrenta o endurecimento da ditadura, o deputado federal cassado Rubens Paiva, sua esposa Eunice e os cinco filhos vivem uma vida alegre como forma sutil de resistência à opressão que paira sobre o Brasil. Rubens é levado pelo Exército e nunca mais volta e Eunice é obrigada a se reinventar e traçar um novo destino para si e os filhos. Baseada no livro biográfico de Marcelo Rubens Paiva. O filme tem excelente trilha sonora (destaque para a belíssima canção de Erasmo Carlos que acompanha os créditos: “É Preciso Dar um Jeito, Meu Amigo”), perfeita reconstituição da época com cenários dos anos 70, ressaltando a fotografia e a direção de arte. Porém, o seu maior cartão de visita que é a interpretação poderosa de Fernanda Torres pode ser também seu calcanhar de Aquiles. Explico: Ao mostrar a personagem Eunice como mulher forte, mas afetuosa, e que consegue juntar os cacos da família destroçada pela ditadura e morte do seu patriarca, vemos uma mulher com poucas reações mais humanas do que o medo e da estupefação. Não há nenhuma cena de desespero e em que ela desabe, mesmo secretamente, mesmo dentro de uma cela fétida onde ficou por mais de dez dias sem saber o que aconteceu com o marido a filha que foi presa junto com ela. Bastava o diretor mostrar Fernanda chorando sozinha no banheiro e teríamos a dimensão mais humana da personagem. Parece pouco mas considero uma forma de retratar alguém com outras camadas que não a da heroína clássica.

SEX
– Filme da Noruega vencedor dos prêmios do júri ecumênico e da Confederação Internacional de Cinemas de Arte do Festival de Berlim. Um filme instigante e que aborda um tema que talvez não fosse tão bem abordado em um cinema com outra tradição que não o escandinavo. Dois homens em casamentos heterossexuais questionam as suas sexualidades após experiências inesperadas. Um deles tem um encontro sexual com outro homem, sem considerá-lo como uma expressão de homossexualidade ou infidelidade e depois discute o ocorrido com a esposa. Fiquei em dúvida sobre a razão subjacente ao marido revelar à esposa que fez sexo casual com outro homem. A reação dela é perfeitamente compreensível e não sei se ele foi ingênuo ao esperar outra reação ou se o relato escondia a vaidade pelo fato de ele ser desejado. O filme não julga e isso é uma qualidade. Os diálogos são muito bem construídos e maduros.

CORAÇÕES JOVENS - Filme da Bélgica que recebeu menção especial da Seção Generation Kplus do Festival de Berlim. Lembra o também belo filme belga Close e indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro. Um dos filmes mais bonitos da Mostra e que conta a história de Elias, de 13 anos, que se sente atraído pelo vizinho da mesma idade. Ele está profundamente apaixonado pela primeira vez e as interações com amigos e familiares  trazem mais dúvidas do que respostas. Confuso sobre seus sentimentos, Elias empenha-se para resolver o caótico conflito que toma conta dele e tentar conquistar Alexander. Uma bela história sobre como o apoio da família é importante na aceitação da sexualidade. Os ator que interpreta Elias é magistral e as cenas em que ele chora convulsivamente são extremamente tocantes e lembram as cenas com crianças dirigidas pelo iraniano Abbas Kiarosmai.

A TESTEMUNHA - Vencedor do prêmio do público da seção Horizontes Extra do Festival de Veneza. No Irã, Tarlan é uma professora de dança aposentada que testemunha a morte da amiga assassinada pelo marido, uma figura importante do governo que vinha espancando a esposa por não aceitar sua profissão ligada à dança popular do país. Quando a polícia se recusa a investigar o crime, Tarlan precisa decidir se cederá à pressão política ou se arriscará a vida e a reputação na busca por justiça. Uma última sequência final que é pura poesia e, enquanto sobem os créditos, assistimos uma coletânea de vídeos de mulheres espancadas nas ruas do Irã pela polícia da moralidade devido ao não uso do véu, intercalados de outros vídeos de iranianas dançando em protesto ao redor do mundo, sem o véu. Poderosíssima e bela denúncia!

PEDRO PÁRAMO
- Baseado no romance homônimo de Juan Rulfo, considerado um dos livros mais importantes do México, o filme acompanha Juan Preciado, que, após a morte da mãe, vai para a isolada localidade onde nasceu à procura do pai, Pedro Páramo e encontra uma cidade fantasma e pessoas misteriosas, descobrindo a busca implacável do pai por riqueza e poder. O passado torna-se presente à medida que aprendemos a verdade por trás da caça de Páramo pelo amor que conheceu ainda criança. A linha entre mortos e vivos, passado e presente, constantemente se confunde nesta história surreal de desejo e ressentimento. Foi uma sincronicidade esse filme estar na Mostra pois eu havia parado de ler, dias antes, a obra na qual o filme se baseou justamente porque não estava entendendo a história. Agora já posso retomar a leitura.
O BANHO DO DIABO- Vencedor do prêmio de melhor contribuição artística no Festival de Berlim. Em vilarejos cercados por florestas na Áustria, uma mulher é condenada à morte após matar um bebê. Muda o cenário e já vemos Agnes uma jovem que vai se casar e se prepara para a vida de esposa. Logo ela se vê num caminho obscuro e solitário que a leva a pensamentos malignos tendo em vista que seu marido não sente desejo sexual por ela. Retrato de uma época violenta contra as mulheres em que suas infelicidades devido à repressão eram consideradas histeria ou possessão demoníaca.  O filme tem cenas chocantes. Logo no início vemos uma mulher jogando um bebê de uma cachoeira e depois outra mulher matando um rapazinho com estocadas no seu pescoço. Reconstituição de inúmeros episódios envolvendo mulheres que foram decapitadas após matarem crianças no século 18.

A CASA- Espanha- Vencedor dos prêmios da crítica, do público e de melhor roteiro no Festival de Málaga. Um ótimo filme com o tema clássico sobre reencontro familiar e catarse. Após a morte do pai, três irmãos retornam à casa onde cresceram. Eles pretendem vendê-la e seguir caminhos muito diferentes. Mas, à medida que as memórias surgem em cada canto do lugar, cresce neles o medo de se livrar do passado e o impulso de se reunir. Como última homenagem ao pai, ainda pode haver tempo para recuperar o tempo perdido — e a casa pode testemunhar novas histórias. O filme tem diálogos bastante maduros e o reencontro dos três irmãos para decidir sobre a eventual venda da casa da infância é uma oportunidade para discutirem temas dolorosos envolvendo velhice, fraternidade e amor.

OS DEMONIOS DO AMANHECER - Orlando e Marco, dois jovens que moram na Cidade do México, se conhecem por acaso e se apaixonam. Todos os dias é uma luta para realizarem seus sonhos: Orlando quer ser dançarino, enquanto Marco tenta se formar em enfermagem. Diante de um mundo diverso, mutável e hostil, eles vão aprender que, ao fim do dia, assim que a escuridão da noite for embora, com seus corpos entrelaçados e suas almas sincronizadas, terão visto todos os demônios do amanhecer passarem. Um filme lírico e muito bonito, que deixa o coração quentinho. Pode ser meio açucarado, mas às vezes é exatamente o que precisamos. Os dois atores estão muito bem e a direção explora lindamente a nudez e seminudez dos seus corpos jovens. As cenas de sexo são muito quentes e sensuais, mas conseguem ao mesmo tempo trazer muito afeto junto.

ROCINANTE - Na movimentada Istambul, um casal luta para se sustentar e dar uma vida digna ao filho de seis anos que ainda não fala e que precisa de acompanhamento especializado. O pai foi demitido e a mãe vende seguros por home office. Até que o casal decide explorar uma nova oportunidade de trabalho: dirigir um mototáxi. As coisas começam a melhorar, eles começam a se reerguer mas uma desagradável surpresa joga por terra os planos do casal: a moto deles que tem o apelido de "Rocinante" (o cavalo de Dom Quixote), é roubada. A relação de ambos vai precisar passar por essa prova de fogo se eles quiserem ser fortes e conseguir tratar do filho. 

O ANO NOVO QUE NUNCA VEIO - Filme romeno vencedor do prêmio de melhor filme da seção Horizontes do Festival de Veneza que mostra o dia 20 de dezembro de 1989, quando a Romênia está à beira da revolução. As ruas estão repletas de manifestações, os estudantes tripudiam do regime por meio da arte e as apresentações de Ano Novo glorificam a figura do ditador. As pessoas sofrem a onipresença da polícia secreta do país. Seis pessoas aparentemente sem ligação alguma se cruzam de maneiras inesperadas. À medida que as tensões sociais atingem o ponto de ebulição, um momento explosivo as une, culminando na queda dramática do ditador e do governo comunista. O cinema da Romênia nunca decepciona, sempre com excelentes histórias.

MAMÍFERA- Filme da Espanha vencedor do prêmio especial do júri do festival South by Southwest. A história de Lola, que leva uma vida feliz ao lado do companheiro até que uma gravidez inesperada altera todos os seus planos. Ainda que sempre tenha deixado claro que ser mãe não era um objetivo, Lola começa a se sentir desafiada pelas expectativas da sociedade e passa a enfrentar temores e dúvidas pessoais. Durante os três dias em que espera até a consulta em uma clínica, ela se aproxima de amigos e familiares com a intenção de reafirmar sua decisão.  Um tema bastante adulto e com texto maduro e importante. Todas as mulheres devem tirar proveito da película já que o tema da maternidade ou a opção pelo aborto é um assunto muito presente em suas vidas.

AS CRIANÇAS VERMELHAS - Um filme da Tunísia. Um grupo terrorista ataca dois jovens pastores. Ashraf, de 14 anos, é forçado a levar uma mensagem macabra à sua família: a cabeça decepada do seu primo. Traumatizado, ele precisa lidar com a fragilidade dos parentes mais velhos, abandonados pelas autoridades. Inspirado em eventos reais, vemos o retrato das feridas psicológicas de uma criança e sua capacidade de superar traumas. A Tunísia é um dos países com um cinema muito interessante e já vi vários filmes de lá, mas nunca um que se passa nas montanhas e envolvendo esse tema tão pesado.

ABRIL- Filme da Geórgia vencedor do prêmio especial do júri no Festival de Veneza e melhor filme do Festival de San Sebastián - Nina é uma talentosa obstetra em uma maternidade. Após um parto difícil, a criança morre, e o pai exige uma investigação sobre os métodos da médica. O escrutínio resultante ameaça trazer à tona a atividade paralela de Nina —dirigir pelo interior até as casas de meninas e mulheres grávidas para realizar abortos não autorizados— e destruir a profissão que é a única fonte de significado em sua vida.  O filme tem longas cenas brutais de um parto natural, de uma cesariana e de um angustiante aborto.


O PARDAL NA CHAMINÉ – Suiça – Karen, o marido e os filhos vivem numa bucólica casa que sempre pertenceu à sua família. Naquela casa houve uma série de dramas, morte e suicídio. Num jantar de aniversário, a irmã de Karen, seu marido e os dois filhos chegam para visitá-los. As duas mulheres não poderiam ser mais diferentes. O encontro entre elas desencadeia lembranças terríveis de sua falecida mãe, incitando uma tentativa de insurreição da irmã Jule contra o comportamento da dominadora Karen. Conforme a casa lentamente ganha vida e um pardal preso na chaminé procura um caminho para a liberdade, a tensão torna-se insuportável, e os sentimentos e espaços antigos são destruídos para dar lugar a algo novo.

MARIA CALLAS - "Por que tanta gravidade?" Essa pergunta feita pela personagem titulo do filme aos empregados serve para definir o que achei da obra filmada. Muito grave! tanto no sentido do excesso de seriedade como da atração magnética exercida por Callas ao seu redor, como uma verdadeira estrela. A tumultuada, bela e trágica história da vida da maior cantora de ópera do mundo, Maria Callas, reimaginada durante seus últimos dias na Paris dos anos 1970 tem atuação correta de Angelina Jolie e direção de Pablo Larraín, chileno que também dirigiu as biografias  “Jackie” (sobre Jacqueline Kennedy), prêmio de roteiro no Festival de Veneza e indicado a três Oscars e “Spencer” (sobre a Princesa Diana), também indicado ao Oscar. Seu filme “O Conde” uma fantasia esquisita sobre um Pinochet vampiro, ganhou o prêmio de melhor roteiro em Veneza e foi também indicado ao Oscar. O que incomodou foi que o diretor esquece totalmente de mostrar o papel importantíssimo que a mãe de Callas exerceu na sua vida, focando somente no papel de Onassis. Ocorre que Evangelia, mãe de Maria, era uma personagem extremamente opressora e que destruiu a psique da filha, levando-a a uma busca insana da perfeição na ópera e com uma obsessão pelo dinheiro e a fama. A própria paixão tóxica de Maria por Onassis, um homem rude e que detestava ópera, foi uma forma inconsciente de fugir da influência da mãe que aparece em uma única e rapidíssima cena em que obriga a filha a cantar árias para os nazistas que invadiram a Grécia durante a segunda guerra mundial. O diretor está tão preocupado com os aspectos técnicos, inserindo até claquetes nas cenas, que cai em uma monotonia narrativa, reiterando os mesmos tópicos sem se aprofundar em quem realmente era Callas. 

PEQUENAS COISAS COMO ESTAS - Filme irlandês com Cillian Murphy e que deu à ótima Emily Watson o prêmio de melhor atuação coadjuvante no Festival de Berlim. Não sei quem eram as concorrentes e acho Watson sempre excelente, mas a participação dela nesse filme é de pouquíssimos minutos. Em uma pequena cidade da Irlanda. Bill trabalha como vendedor de carvão para sustentar a esposa e as cinco filhas. Durante uma entrega no convento local, ele faz uma descoberta que o força a enfrentar o passado e a cumplicidade silenciosa de uma cidade controlada pela Igreja Católica que por décadas administrou as malditas “Lavanderias de Madalena” que mantinha em regime quase escravo prostitutas, deficientes mentais ou moças jovens que engravidavam vítimas de estupro ou incesto. O problema do filme é que mesmo que não quisesse parecer didático, era importante mostrar como eram terríveis internamente as “Lavanderias” e não retratá-las apenas pelo olhar do protagonista, que, queiramos ou não, é um filtro dentro do filtro, até porque a maior parte das pessoas não tem ideia do que foram aquelas instituições mesmo já tendo sido muito bem retratadas no filme de 2002, Em Nome de Deus (The Magdalene Sisters). O drama de uma única personagem, por mais forte que seja, não alcança a dimensão da tragédia 

A BORDA DOS SONHOS - Vencedor do prêmio de melhor documentário no Festival de Cannes. Mostra uma vila no Egito em que um grupo de meninas forma uma surpreendente trupe de teatro de rua. Elas sonham em se tornar atrizes, dançarinas e cantoras, desafiando as famílias e os habitantes locais com apresentações imprevisíveis. Filmado ao longo de quatro anos, o documentário acompanha as garotas da juventude ao início da vida adulta, revelando as escolhas cruciais que precisam enfrentar ao longo de suas trajetórias.




LUA- Áustria - Ex-atleta de MMA, Sarah deixa a Áustria para treinar três irmãs de uma família rica no Oriente Médio. O que inicialmente parece um emprego dos sonhos logo ganha contornos inquietantes: as jovens estão isoladas do contato com mundo exterior e sob vigilância constante. Além disso, o  esporte não parece interessá-las nem um pouco. Então por que Sarah foi contratada? Vencedor do prêmio especial do júri no Festival de Locarno.

VERMIGLIO – Filme vencedor do grande prêmio do júri no Festival de Veneza, mas que não me pareceu tão especial assim. Em uma aldeia no alto dos Alpes italianos, a guerra surge durante o ano de 1944 como uma ameaça. A chegada de Pietro, um soldado desertor, transforma a dinâmica familiar do professor local, mudando-a para sempre. Pietro e Lúcia, a filha mais velha do mestre, se apaixonam, o que desencadeia consequências inesperadas. À medida que o mundo ressurge da tragédia, a família começa a enfrentar a própria ruína.

DEPOIS DA GUERRA - Co produção Dinamarca e Kosovo - Prédios em chamas em meio a uma densa neblina, um cavalo morto em uma estrada coberta de poeira, pessoas fugindo por paisagens montanhosas. O fim do conflito no Kosovo em 1999 gerou imagens fortes e foi um capítulo obscuro da história da Europa moderna. Depois da guerra, crianças vendem amendoins e cigarros nas ruas da capital do país, para sobreviverem. Em uma espécie de testamento cinematográfico realizado ao longo de 15 anos, esses jovens se transformam em adultos diante dos nossos olhos, enquanto que a luta pela sobrevivência se torna uma luta por algum futuro. Eles nos confrontam com seus segredos e desejos particulares, ao mesmo tempo em que se veem presos em um limbo, assombrados pelo passado. 

AFTER PARTY - Filme da República Tcheca- Uma jovem de 23 anos, leva uma vida sem preocupações até descobrir que seu pai deve muito dinheiro quando chegam para confiscar a casa onde moram. Em um único dia, o mundo da garota desmorona, forçando-a a escolher entre ajudar o pai ou salvar a si mesma antes que seja tarde demais. Até porque o pai demonstra não estar preocupado com os problemas financeiros pois vive numa espiral de negação que periga muito envolver a própria filha.

HANAMI- Produção de Cabo Verde. Vencedor do prêmio de melhor direção para realizadores em ascensão e menção especial da competição de primeiros filmes no Festival de Locarno. Prêmio do Júri da Mostra Melhor Filme de Ficção.  Em uma distante ilha vulcânica de onde todos querem partir, Nana aprende a ficar. Sua mãe, Nia, que sofre de uma doença misteriosa, foi embora depois que a menina nasceu. Acometida por uma febre alta, Nana é enviada ao pé do vulcão para ser curada. Lá, encontra um mundo que mistura sonho e realidade. Anos depois, quando Nana já é uma adolescente, Nia retorna. Não achei nenhuma graça nesse filme, achei na verdade bem chatinho e não me encantou em absolutamente nada. Devo ser uma pessoa insensível a certos tipos de coisas muito vagas.

AFOGAMENTO SECO - Produção da Lituânia vencedora dos prêmios de melhor direção e melhor atuação para o elenco do filme no Festival de Locarno. Para comemorar o aniversário de Tomas e a vitória de Lukas em uma competição de artes marciais, duas irmãs organizam uma celebração na casa de campo da família. Na companhia de seus filhos e maridos, elas nadam no lago, relaxam e falam sobre a situação financeira familiar. Após um acidente quase trágico com uma das crianças que quase se afoga, as irmãs se tornam mães solo. Não entendi a opção muito esquisita de repetir uma certa cena no meio da história numa montagem que eu diria que foi caótica.

RESPIRAÇÃO FRIA - Filme iraniano excelente que conta se passa em um dia em que um jovem que vive no interior descobre que o pai foi libertado da prisão após 20 anos. O homem foi condenado por matar a esposa, mãe do rapaz depois de acusá-la de traição. O rapaz, que nunca soube como lidar com isso e que ainda continua repleto de raiva e ressentimento, decide mesmo assim pegar a estrada para trazer o pai de volta da cadeia. Eles iniciam a viagem, marcada pelo silêncio. As dúvidas do jovem sobre se vingar ou não do pai não o abandonam por nenhum momento. Um filme em que o silêncio dos personagens é quase um personagem em si.
ANORA- Filme americano vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes. Anora, uma jovem profissional do sexo do Brooklyn, tem a grande chance de mudar de vida, tal qual numa história de Cinderela, ao conhecer e se casar impulsivamente com o jovem filho de um oligarca russo. Mas, assim que a notícia chega à Rússia, esse conto de fadas é ameaçado — os pais de Ivan partem para Nova York para anular o casamento. Foi um dos filme mais disputados, com sessões lotadas e ingressos esgotados. Na minha opinião, repercussão e méritos imerecidos devido ao mal disfarçado tom farsesco e não sei nem se o filme se leva de fato a sério. Ou pior, se leva a sério demais. Em votações da internet, quase metade do público deu nota 5 (máxima) enquanto a outra metade deu nota 1 (mínima)  num claro ame-o ou odeio-o. Achei muito fraco, água com açúcar de humor escapista com excesso de gritarias e cenas quase pastelão. Direção, roteiro, produção e montagem de Sean Baker, queridinho do cinema independente americano bastante premiado como em  “Tangerine” no Festival de Mar del Plata e no Festival de Karlovy Vary, e “O Projeto Flórida”, indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante para Willem Dafoe. Seria menos pior se o próprio diretor também não tivesse cuidado da montagem, o que faria o filme ser mais enxuto e não os longuíssimos 2h e 20 minutos.

O SENHOR DOS MORTOS - Canadá. Direção de David Cronnemberg - Um empresário renomado (Vincent Cassel) está inconsolável desde a morte da esposa, ele inventa uma tecnologia revolucionária que permite monitorar entes queridos em suas mortalhas e sepultos. Certa noite. Quando vários túmulos são violados, incluindo o da companheira falecida, então sai à procura dos culpados. Achei um filme fraquíssimo e li que o cineasta escreveu o roteiro filme enquanto vivia a dor da perda da própria esposa, resultando numa espécie de filme-terapia com história frouxa, final abrupto aberto. Não fica claro porquê o personagem adorar mulheres amputadas, submissas e frágeis a não ser uma obsessão do próprio diretor como se vê em muitos dos seus filmes anteriores como Crash, Gêmeos Mórbida Semelhança, A Mosca, Scanners e Mistérios e Paixões.

ESTAMOS NO AR - Um filme péssimo de Portugal. A história de um jovem que vive com a mãe no apartamento que a avó deixou. O filme tem planos extremamente preguiçosos e montagem burocrática. O gancho de atração LGBT com cenas em que o rapaz se veste como policial para satisfazer o fetiche de outro homem são pura armadilha para incautos e as cenas de sexo gay são das mais mal feitas e destituídas de química que já vi. O diretor poderia por exemplo ter assistido ao filme mexicano Os Demônios do Amanhecer, comentado acima, para saber o que são cenas quentes bem filmadas. O filme me incomodou de tal maneira que fiz algo raro: saí no meio da sessão com profundo sentimento de perda de tempo. 

SIMON DA MONTANHA- Coprodução da Argentina, Chile e Uruguai e vencedor do grande prêmio da Semana da Crítica do Festival de Cannes. – “Simon tem 21 anos e se apresenta como ajudante de mudanças. O rapaz afirma não saber cozinhar nem limpar o banheiro, mas sabe arrumar a cama. Recentemente, ele parece ter se tornado uma pessoa diferente”. Essa acima é a sinopse do filme e não poderia ser mais vaga. O filme é uma coisa completamente estranha e sem muito sentido. Esse rapaz Simon se finge de deficiente não se sabe por quê e nem o filme se preocupa em explicar ou deixa alguma indicação. O filme inteiro é essa besteirada de um jovem se fazendo passar por deficiente. Aceite, que é o que tem pra hoje.

ENTERRE SEUS MORTOS - Brasil - Um dos piores filmes que já assisti na vida. Na pequena cidade de Abalurdes, Edgar Wilson (Selton Mello) trabalha como recolhedor de animais mortos nas estradas. Junto dele, o colega de profissão, ex-padre excomungado que distribui extrema unção aos seres moribundos que cruzam seu caminho. Ao redor deles, o mundo parece dar sinais de que um arrebatamento final se aproxima com chuva de granito e tudo.  Dirigido por Marco Dutra que fez os excelentes O Silêncio do Céu e As Boas Maneiras. Não sei como esse mesmo diretor fez os dois filmes acima. Acho que devia estar sob fortes barbitúricos quando rodou esse. Uma metáfora porca sobre pandemia, fanatismo religioso e escatologia com direito a muito sangue e vísceras e uma reviravolta besta com a entrada de um serial killer. Impressiona que o famoso produtor Rodrigo Teixeira tenha proposto entusiasmadamente essa bomba. Somente Beth Farias está bem no filme. Ridículo!

2.10.24

LIVROS LIDOS DE JUNHO A SETEMBRO DE 2024




Na segunda postagem deste ano sobre os livros que li até o mês passado, somo aos 16 lidos de Janeiro a Maio, os 8 lidos de Junho a Setembro.

1 - A CARTUXA DE PARMA – De Stendhal
– Segundo livro que li do autor após O Vermelho e o Negro. Escrito em apenas 53 dias em 1838, acompanhamos as desventuras do jovem e idealista Fabrício Del Dongo que de tanto admirar Napoleão Bonaparte, quando da invasão da sua Itália natal, decide unir-se ao seu herói na célebre Batalha de Waterloo, onde acaba preso como espião. Ao retornar à Itália, reencontra sua apaixonada tia, duquesa Sanseverina, agora amante do importante Conde Mosca, ministro do príncipe de Parma. Temos uma sequência de lutas, fugas, prisões, intrigas, paixões arrebatadoras e conspirações de bastidores. O personagem de Fabrício faz eco ao jovem Julien Sorel, o protagonista de Stendhal no seu romance anterior O Vermelho e o Negro.


2 - A MARCA HUMANA – De Phillip Roth – Meu 5º livro do autor judeu americano e que está empatado em qualidade com os outros livros dele que li: O Complexo de Portnoy, Complô Contra a América, Adeus Columbus e O Teatro de Sabbath. Coleman Silk é um professor acusado injustamente de racismo.  Ele ensina grego e latim e é reitor de uma faculdade em que angariou inimigos por ter mudado privilégios acadêmicos. Roth debate questões candentes como o politicamente correto, o identitarismo e a hipocrisia social. Esse livro integra a série sobre a América com a participação de um personagem recorrente nas obras de Roth; Nathan Zuckerman, espécie de alter ego do autor. O enredo faz eco com as tragédias gregas, bem ao estilo das obras ensinadas pelo personagem principal. Virou filme com Antony Hopkins, Nicole Kidman e Ed Harris no elenco.

3 - ALEXANDRE E CESAR – De Plutarco – É um privilégio poder ler esta obra escrita pelo filósofo Plutarco, que viveu no Século I em Roma e que se celebrizou pelas suas obras “Vidas Paralelas”, uma série de biografias de cidadãos ilustres. Aqui ele reúne a história de dois dos meus guerreiros e estadistas favoritos. Não houve propriamente nenhuma novidade já que eu já havia lido diversos livros sobre os dois líderes, mas nada se compara a ler algo de uma das suas fontes primárias. A edição que li está esgotada e, diferente das mais novas, é repleta de fotos e ilustrações.

4 - FUNDAÇÃO E TERRA – De Isaac Asimov – Finalmente, consegui terminar a arrastada segunda série da Fundação, composta de 4 livros. Diferente da trilogia original que recebeu inúmeros prêmios, esta segunda série me soou excessivamente supervalorizada. O autor não consegue ter um bom domínio dos diálogos que são longos, redundantes e reiterativos e tampouco consegue fazer uma boa construção de personagens que soam esquemáticos e insuportavelmente chatos. Completei com esse livro minha 10ª leitura do autor e não sei muito bem se vou dar conta de ler uma fração das suas inúmeras obras. Recentemente li uma entrevista da filha de Asimov em que ela elogia a adaptação da obra para o streaming e reconhece a dificuldade do pai em construir bons diálogos e desenvolvimento dos personagens

5 - JUDAS, O OBSCURO – De Thomas Hardy – Este foi o primeiro livro que li do autor, considerado ao lado de Charles Dickens, Oscar Wilde, as irmãs Bronte e Jane Austen como os mais representativos daquele período na literatura. Um dos livros mais tristes, sombrios e pessimistas que já li e que talvez contenha a cena mais horrível que sequer imaginei envolvendo duas crianças pequenas e um bebê. Foi o último romance escrito pelo autor. Em razão do seu tom antireligioso e contrário às instituições de ensino inglesas, ele recebeu tantas e tão pesadas críticas que fizeram com que Hardy nunca mais escrevesse mais nada além de poesias. Charles Dickens declarava sobre o período vitoriano: “Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos. Foi a idade da sabedoria, foi a idade da tolice. Foi a época da fé, foi a época da incredulidade. Foi a estação da luz, foi a estação das trevas. Foi a primavera da esperança, foi o inverno do desespero. Tínhamos tudo diante de nós, não havia nada antes de nós. Todos íamos direto para o céu, todos íamos direto para o outro lado.”

6 -  POIROT SEMPRE ESPERA E OUTRAS HISTÓRIAS – De Agatha Christie – Nenhum autor me fez ler mais livros do que a Dama do Crime Agatha Christie. Já devorei mais de 50 das suas obras que chegam perto de 100 romances, contos e peças de teatro. Aqui são 7 contos, um deles com a amada detetive Miss Marple (Santuário) e três contos com o famoso Hercule Poirot (A Segunda Batida do Gongo, Um Mistério da Arca de Bagdá e Poirot Sempre Espera). Os três outros contos são: A Boneca da Modista, com uma pegada sobrenatural envolvendo a possível bisavó da famosa Anabelle; Através de um Espelho Sombrio, também com um quê de mistério paranormal e Onde Há um Testamento, conto excelente em que um sobrinho forja a visita de um tio morto para precipitar a morte da tia pra herdar sua fortuna.

7 - TUDO É EVENTUAL – De Stephen King – Este foi o 46º livro que li do mestre do terror Stephen King. O volume traz 14 contos do autor com breves textos introdutórios onde ele explica as motivações para cada conto. Em Sala de Autópsia temos o puro suco de King quando um paciente com corpo paralisado mas a mente alerta, percebe que passará por uma autópsia iminente; Em O Homem do Terno Preto acompanhamos o encontro terrível de uma criança com uma espécie de demônio. Confesso que não me arrepio fácil, mas aqui não pude evitar.  Tudo Que Você Ama lhe Será Arrebatado não é um conto de terror, mas aquele King alternativo que os fãs adoram. Na Câmara da Morte há um suspense com ótima reviravolta com muita violência física e psicológica que é do jeito que gosto de King. As Irmãzinhas de Elúria são um presente para quem é órfão da série A Torre Negra e do saudoso pistoleiro Roland Deschain. Há ainda o conto que dá título ao livro, e também 1.408, que já foi adaptado para o cinema, Andando na Bala, sombria história de um jovem que para visitar a mãe à beira da morte pega carona com um motorista sinistro, Moeda da Sorte sobre uma camareira que encontra uma moeda mágica além do ótimo O Vírus da Estrada Segue Para o Norte entre outros.

8-OS 50 MEHORES CONTOS DE TCHEKHOV – Organização de Beneh Carvalho. Esta edição não está à venda e a li baixando o arquivo de um site independente. O organizador coletou os contos de Tchekhov impressos originalmente e separadamente em jornais e revistas e em outras publicações. Trata-se de um trabalho excepcional com 845 páginas e que dá ao leitor o privilégio de ler num só volume 50 dos melhores contos do mestre russo das narrativas curtas. Entre eles, alguns maiores, quase novelas, que eu já havia lido anteriormente em publicações individuais ou em outras coletâneas como A Dama do Cachorrinho, O Monge Negro, O Bilhete de Loteria e A Estepe. Os demais contos eu não conhecia ainda e são o melhor que há do mestre do conto.