21.8.12

PARIS E MAIS UM INVERNO - PARTE 3



Após dois dias em Paris, fiz uma viagem relâmpago para um fim-de-semana na Alemanha, onde visitei minha amiga Cândida. Embarquei na imensa e gelada Gare du Nort em que as pessoas tentavam se aquecer ao lado de umas espécies de totens onde lâmpadas fortíssimas tentavam, em vão, esquentar o ambiente. 

Para minha surpresa, meu vagão era na primeira classe. Minha amiga havia comprado, com antecedência, a passagem por 69 euros em uma promoção. Numa viagem de 3 horas contei com serviço de bordo, almoço completo, bebida à vontade, conexão wi fi e passageiros um tanto esnobes. 

Passei por Bruxelas e várias cidadezinhas charmosas.  A estadia na Alemanha foi breve e agradável. Meus amigos me apanharam na estação de trem ao lado da Catedral de Colônia no sábado e na segunda-feira peguei o trem em Bonn de volta até Paris. O frio de 6 graus na França transformara-se em zero grau na Alemanha e uma gripe deu sinal de vida em meus pulmões. 

O retorno para Paris foi na segunda classe. Por 39 euros, o vagão não tinha conexão com internet e os passageiros eram famílias de indianos, paquistaneses, nigerianos...Pelo menos dormi quase toda a viagem de volta.

Às 16h estava de novo na  Gare du Norte. Telefonei para Patrick, o francês que alugou, pela internet, seu apartamento na Rue Saint Honoré (a Oscar Freire de Paris), ao lado da Rue d’Opera, da Rue de Rivoli e do Jardim das Toulherias, no bairro mais chique da capital. Peguei um táxi e encontrei o locador na porta do prédio. O apartamento era ótimo, reformado e totalmente mobiliado, com internet, telefone, tv a cabo, micro-ondas, geladeira, fogão, lava-louças, lava-roupas... Tudo por pouco mais de 110 euros por dia.

Sinta a diferença de nível! O albergue em que dormi dois dias ficava nos arredores do bairro 20, o mais longe do centro. Agora eu estava no 1º arrondissement, ao lado da Ópera e do Louvre. 

Adeus pobreza!

PARIS E MAIS UM INVERNO - PARTE 2

Meu segundo dia em Paris foi bem produtivo. Apesar de um frio cortante, resolvi explorar a pé o máximo que conseguisse. Saltei do metrô na Ile de La Cité e voltei à Notre Dame, onde já havia estado nas duas outras viagens a Paris. Dessa vez, aluguei aquele aparelhinho que conta a história da igreja. 

Tem em várias línguas, mas não Português, para mostrar nossa desimportância. Em todos os museus do Mundo é assim, tem gravações em Inglês, Francês, Espanhol, Italiano, Alemão, Chinês e Japonês. Em Português, nem a pau.

Apesar da eterna horda de turistas, a visita foi agradável, mesmo dentro da Notre Dame fazendo quase tanto frio quanto fora dela.

Atravessei a ilha, visitei várias lojas de gravuras e livrarias simpáticas, andei pela margem do rio Sena até o Boulevard Saint German e o Boulevard Saint Michel. Continuei à pé até o Jardim de Luxemburgo, um lugar belíssimo e atualmente com uma exposição imperdível do pintor alemão Lucas Cranach que viveu na corte do imperador Frederico na Saxônia na época da Reforma. 

O Museu Luxemburgo é pequeno e estava cheio de velhos tropeçando na gente. Mas a exposição foi excelente,com um acervo único de pinturas de Cranach. Lembrei como os franceses não gostam mesmo de tomar banho e os velhos franceses gostam menos ainda, pois naquele lugar apertado, foi agoniante sentir aquele odor ardido. 

Pelo menos não fazia frio.

Anoiteceu mas ainda deu para conhecer dois lugares que não tinha visto em Paris anteriormente: o Pantheon e a Igreja de Santa Genevieve.

O Pantheon é um edifício magnífico onde estão enterrados os heróis da França, das revoluções, cientistas e escritores como Zola, Rousseau, Voltaire, Marie Curie, Alexandre Dumas, Victor Hugo. Imenso, com criptas no subterrâneo, cúpulas altíssimas, estátuas e murais com a Histórias da França. 

De volta ao albergue. Na manhã seguinte eu pegaria um trem para um fim de semana na Alemanha.

PARIS E MAIS UM INVERNO - PARTE 1



Cheguei a Paris  sob 6 graus após um voo de mais de 10 horas da Air France. Eram 8 da manhã quando desembarquei  no imenso aeroporto Charles De Gaulle e uma hora depois já estava no ônibus da própria Air France que, por 15 euros, bem mais barato do que um taxi, me deixou ao lado do Arco do Triunfo. 

Saltei com mala e mochila, além de uma sacola cheia de café, cachaça, charque e feijão para amigos saudosos do tempero brasileiro. 

Após uma troca de trem e estação de metrô cheguei ao meu destino: estação Porte de Bagnolet, de onde segui para o Albergue da Juventude, uns 500 metros da estação. Já havia me hospedado nesse albergue em 1998, mas como a prefeitura estava reformando todas as ruas e calçadas do bairro, foi bem complicado arrastar uma mala por desvios, tapumes, cascalho e lama seca. 

O frio e o vento gelado exigiam casaco, luvas, cachecol e gorro. Cheguei ao albergue às 11:30, mas tive o desprazer de saber que o quarto só é liberado às 3 da tarde. De 12 às 15h eles fazem faxina e todo mundo é obrigado a deixar os quartos. Só restava esperar. Um mau negócio, pois praticamente não dormi a viagem inteira. 

Quando o quarto foi finalmente liberado, consegui simplesmente desabar na cama e dormir 3 horas. Acordei às 18h e tomei um banho estranho num chuveiro com apenas duas duchas: uma expelia um jato gelado como o bafo da morte e a outra, um jato fervente como lava incandescente. Optei pelo segundo. Com o frio do ambiente, era a menos pior das opções.

Maldita hora em que esqueci as havaianas. Tive que me enxugar com a toalha úmida e voltar para o quarto semi-congelado vestindo meias molhadas.  

A história desse albergue não está nada boa...

19.8.12

360

Diretor do cultuado Cidade de Deus; do inspirado Domésticas;  do oscarizado O Jardineiro Fiel, além da surpreendente mini-série Som e Fúria,  Fernando Meirelles começou a errar na mão no decepcionante Ensaio Sobre a Cegueira, filme que nem de longe faz jus aos inúmeros méritos da obra homônima de José Saramago.

Ok, livro é livro; filme é filme. Entretanto, tratando-se de uma das primeiras adaptações de Saramago para as telonas, separam as qualidades das duas linguagens um abismo mais amplo do que o que seria aceitável.

Mas esse texto é para falar de outra derrapada de Meirelles: 360. Sinto pena de dizer isso pois gosto dele. Acompanho com interesse sua carreira mas não posso negar a segunda decepção seguida.

Aqui vemos um filme com atores de vários países, entre eles os talentosíssimos Anthony Hopkins, Jude Law e Rachel Weisz pouquíssimo utilizados e também os brasileiros  com comprovados carisma e talento mas também com um mínimo de espaço: Maria Flor e Juliano Cazarré. A única palavra que cabe aqui é esta: desperdício!

O próprio diretor já declarou várias vezes que não repetiria a empreitada em filmes com esse tipo de narrativa multifatiada. São nove historietas que teriam potencial para ser melhor desenvolvidas, cada uma podendo virar um filme em si, mas restam pouco impactantes sem o tempo necessário para que o expectador se envolva com qualquer uma delas. Aos personagens não é dado o tempo para que gerem empatia no público e, enquanto o filme transita entre EUA, França, Áustria, Inglaterra e Eslováquia, a plateia anseia por mais substância.

A crítica de O Globo, Susana Schild, de modo inspirado em sua crítica no jornal: "O perfil dos personagens é tão ralo que cabe em mensagens do Twitter".
Meirelles é o primeiro a se reconhecer  frustrado e que a cria carecia de mais musculatura e menos superficialidade. Disse que se dependesse dele cada história teria mais uns 20 minutos cada. O filme me lembrou um quadro em que temos uma excelente moldura, as tintas mais caras e variadas, uma tela de material excelente mas uma pintura sem alma. Isso não é arte, é só técnica.

E a falta de pulso de Meirelles em relação à obra prova que foi um produto de encomenda, em que ele foi contratado unicamente para agir como um tarefeiro de luxo e não como um diretor. Um trabalho pífio para quem já teve nas mãos o luxo de ser pai de um filme tão autoral como Cidade de Deus. Ele mesmo já declarou: “80% do filme é do roteirista  Peter Morgan, 3% é da peça original de Arthur Schnitzler. O resto é meu”. Suspeito que seja menos ainda pois ele esqueceu de dizer qual parte é do estúdio.

Os US$ 14 milhões gastos na produção dificilmente se pagarão. O filme estreou nos Estados Unidos em duas salas, rendendo US$ 12 mil. Na semana seguinte chegou a sete salas, mas rendeu apenas US$ 10 mil no fim de semana com a média caindo para US$ 1,1 mil por sala. A produtora alega que o filme foi disponibilizado no iTunes e pay-per-view, o que garantiria uns US$ 3 milhões. Mas, reconheçamos: ainda está longe de encostar no custo do filme. Não sei como vai ser no Brasil pois estreou este fim de semana enquanto escrevo.

O diretor tem razão em ficar preocupado com os números já que sua última obra como produtor, o bem feito Xingu, de Cao Hamburger, custou R$ 12 milhões e para zerar os custos era para ter mais de 800 mil expectadores, não tendo passado da metade disso. Resultado: prejuízo.

360 faz parte dos chamados filmes mosaico, em que várias tramas paralelas são mostradas e se encontram no decorrer da narrativa. Não se pode necessariamente acusar o gênero de superficialidade. Um bom roteiro aliado a uma boa direção podem atingir um resultado poderoso como provaram muito bem Paul Thomas Anderson em Magnólia; Tod Solondz em Felicidade e  A Vida Durante a Guerra; Robert Altman em Short Cuts, Dr. T e as Mulheres e Prêt-à-Porter; Quentin Tarantino em Pulp Ficcion e Sin City; e Alejandro González Inárritu em 21 Gramas, Babel e Amores Brutos em que as histórias independentes se entrelaçam de modo muito mais sutil e inteligente.

Tirando o mérito da primorosa trilha sonora, e não somente por todos os problemas de formato, o filme decepciona também no quesito filosófico e conceitual, pois trata de maneira banal questões bastante densas como o abandono, a solidão, a prostituição, a religião, a máfia, o alcoolismo, o adultério...Já no título a película traz uma obviedade referindo-se ao giro em torno de um  eixo, e tem como mote final e inicial a mesma frase pretensamente profunda: "Um sábio disse uma vez que se há uma bifurcação na estrada, siga-a. Só esqueceu de avisar qual caminho escolher". O que se vê em 360 é que, apesar de qualquer caminho que os personagens trilhem, os bons acabam sempre bem, enquanto os maus, literalmente, acabam na lama. Valores como amizade, família, religião aqui são pregados na testa do expectador como um post it para lembrá-lo: seja um bom menino e tudo vai dar certo para você. Caretice tem aqui nome e sobrenome.

Se a ideia fosse fazer uma comédia rala, rasteira e simplória eu não diria nada, até porque nem iria gastar meu dinheiro suado com o ingresso, mas com temas tão densos e um diretor tão talentoso fico me perguntando onde tanta pretensão pode levar.

12.8.12

À Beira do Caminho


Fui assistir ao terceiro filme do diretor Breno Silveira em pleno domingo do Dia dos Pais: uma crueldade, pois não me lembro de ter chorado tanto em um filme. Não vou esconder o jogo, chorei do começo ao fim.


O filme é descaradamente (no melhor sentido do termo) feito para levar às lágrimas e faz isso magistralmente, com competência e sensibilidade incontestáveis, sem jamais apelar para o melodrama.

A história é um road movie de redenção. A história do caminhoneiro João, um homem marcado por uma profunda dor, que carrega um fardo como uma âncora que o faz mergulhar numa espiral de autodestruição, fuga e alheamento. Este personagem denso e trágico tem na interpretação do sempre talentoso ator baiano João Miguel um tour de force, ou seja, uma ação difícil, executada com grande habilidade.

Poderia fazer um parágrafo inteirinho falando só dos excelentes trabalhos de João Miguel no cinema e no teatro, mas isso me tiraria do foco do filme. Então vamos combinar assim: João Miguel, como sempre, está brilhante desde a primeira cena em que aparece, com uma barba desgrenhada. Solidão é seu nome; desamparo, o sobrenome. Perdido, a bordo de uma boleia, vagando pelas estradas do interior do País na companhia unicamente dos seus fantasmas e das músicas de Roberto Carlos.

E então não há como não falar de Roberto Carlos, mesmo correndo o risco de desviar um pouco da narrativa sobre o filme porque, na verdade, a película foi construída sobre essas canções românticas e descaradamente (essa palavra de novo) sentimentais. E o filme e as canções formam, brilhantemente, um corpo só.

Breno Silveira, que já dirigiu Dois Filhos de Francisco, campeão incontestável de crítica e público, com mais de 5 milhões de expectadores, novamente usa o casal de atores do primeiro longa: Ângelo Antônio e Dira Paes. A atriz está soberba, carregando parte da dor do caminhoneiro João, sua personagem faz parte da luta pelo resgate da alma deste homem e ela faz isso com a mesma competência de sempre: um único olhar seu, de amargura e arrependimento, arranca tantas lágrimas quanto uma pedrada ou um soco no estômago.

Dira é Rosa, que se junta ao personagem do pequeno prodígio baiano Vinícius Nascimento, no papel de Duda, para amolecer o coração do quase destruído João.

Mas, por que o nome do menino só vai aparecer nesse texto depois de tantos parágrafos? Afinal, é ele quem tem as melhores falas, as cenas mais ternas. Vinícius foi visto no cinema pela primeira vez em Ó Paí, Ó, como um dos filhos da beata Joana.

Então aqui vai um parágrafo só para esse garoto que possui um talento mais do que natural, sem qualquer afetação, sem exageros tampouco receios, ele parece saber exatamente o que se espera dele. Milhões de atores profissionais não saberão nunca o que Vinícius tem de sobra: talento e carisma, uma combinação que encanta a plateia e seu rosto não precisa procurar a câmera, pois a câmera não quer perdê-lo de foco. Todas as suas cenas não são menos do que perfeitas e brilhantes. Não temo estar exagerando nos adjetivos, pelo contrário, temo não estar sendo suficientemente justo com ele.

Um filme sobre pais e filhos, perdas e reencontros, sobre amizade e família, amor, arrependimento e sobre segundas chances. Seguindo a tradição dos filmes de estrada, os road movies, À Beira do Caminho trás a memória de Paris Texas, de Wim Wenders, uma preciosa obra prima, além de um tanto de Central do Brasil, de Walter Salles, já que nos dois filmes são narradas histórias de adultos endurecidos em uma jornada pelo interior do país em companhia de crianças que buscam suas famílias. Curiosamente, os atores mirins dos dois filmes têm o mesmo nome: Vinicius Oliveira (o Josué de Central do Brasil) e Vinicius Nascimento (o Duda de à Beira do Caminho).

Impossível, para quem a ele assistiu, não lembrar um pouco do filme argentino Las Acácias, em que um motorista de caminhão faz um trajeto entre Assunção e Buenos Aires, um homem solitário e carrancudo que dá carona a uma mulher e um bebê. Outro road movie sobre redenção e busca pela família e identidade que ganhou o cobiçado prêmio Caméra D'Or em Cannes em 2011 e recebeu muitos elogios na Europa e América Latina.

Mas Las Acácias é praticamente todo construído de silêncios enquanto À Beira do Caminho mescla eloquentes silêncios com diálogos que são quase monólogos feitos aos arranques. O filme tem tantos outros méritos, mas sublinho a fotografia do incomparável Lula Carvalho que traz no currículo a direção de fotografia de filmes como Tropa de Elite 1 e 2,  Budapeste, Feliz Natal, A Festa da Menina Morta, entre muitos outros.

À Beira do Caminho levou merecidamente cinco prêmios no último Festival do Audiovisual em Pernambuco: melhor filme pelos júris oficial e popular, melhor roteiro, melhor ator (João Miguel) e ator coadjuvante (Vinícius Nascimento). Sua narrativa é praticamente toda linear, com alguns flash backs que ajudam a entender o drama do protagonista.

Chamo a atenção para cenas com frases de para-choques de caminhões. São inseridas em momentos chaves, como verdadeiros capítulos da história e que contribuem, sem dúvida, para a narrativa. A última tomada do filme é irretocável, surpeendentemente, um provérbio chinês pendurado na traseira de um caminhão.

Com ela encerro esse texto: “Espere o melhor. Prepare-se para o pior. Aceite o que vier”.

7.8.12

O Que Esperar Quando Você Está Esperando o Brilho Eternamente Ofuscado de Rodrigo Santoro




Fui assistir à comédia romântica bobinha O Que Esperar Quando Você Está Esperando unicamente pela presença de Rodrigo Santoro no elenco, pois sou fã do ator e admiro sua persistência em desbravar a selva do cinema norte-americano.

Como já intuía, foi o mesmo que jogar meus cobres pelo ralo. O filme, que tem no título um trocadilho fácil, é baseado num best seller de auto-ajuda. É uma comedizinha muito da rala e rasa e o pobre Santoro está menos do que insosso no papel do marido da personagem de Jennifer Lopez.

Adoro o humor escrachado de Chris Rock, mas nesse filme ele está despido da sua clássica escatologia, engessado por um filme família sessão da tarde. E o pobre Santoro fica apagado, tanto ao lado de Chris Rock quanto nas cenas com Jennifer Lopez. E ele sacou que a câmera procura os rostos dos colegas atores em vez do dele e optou por uma interpretação minimalista em excesso sem qualquer ousadia.


Registro a esperteza da distribuidora brasileira em exibir no cartaz apenas a imagem de Rodrigo Santoro, sem qualquer dos atores americanos mais famosos do que ele, como Chris Rock, Jennifer Lopez, Cameron Diaz e Dennis Quaid.

E lá estava eu, naquela sala do Cinemark, como uma ilha solitária cercada de casais por todos os lados. O casalzinho da minha frente tinha, em anos somados, menos do que tenho de idade e passaram o filme inteiro com as bocas grudadas, não sei como eles conseguem. Aliás, sei sim, tenho na memória o nome vagamente familiar disso: hormônios. Mas será que não ficam com os lábios inchados e as línguas dormentes? Bem, se restasse alguma dignidade nesses velhos ossos eu não ficaria até o final do filme. 

Novamente não foi dessa vez. Parece que há um carma nos filmes do ator em Hollywood. Inicialmente apagado no seu debut internacional como um surfista sem falas em As Panteras Detonando, foi detonado pelo quarteto fantástico: Cameron Diaz, Drew Barrymore, Lucy Liu e Demi Moore. Escalado para o elenco da mega série Lost, foi visto em pouquíssimos episódios, também quase sem falas. 

Houve uma rápida ponta em Simplesmente Amor, filme formado por uma colcha de retalhos de histórias em que se viu ofuscado pelos machos-alfa: Hugh Grant, Colin Firth e Liam Neeson e por Laura Linney, atriz com quem contracenava.

Em Che ele até que ganhou um papel de mais destaque como Raul Castro, mas, novamente, havia dois nomes mais fortes na sua frente: Benício Del Toro como Che Guevara e Damien Bichir como Fidel Castro. Para quem não sabe Damien Bichir foi indicado ao último Oscar pelo filme Uma Vida Melhor, concorrendo com Brad Pitt, George Clooney, Gary Oldman e Jean Dujardin.

Em Cinturão Vermelho, filme americano sobre jiu jitsu, do escritor e diretor cult David Mamet, nosso herói fica novamente ofuscado pelos astros americanos Tim Allen e Joe Mantegna.

Uma boa chance viria com a deliciosa comédia O Golpista do Ano (I Love You Phillip Morris), mas a sina colocou em seu caminho Jim Carrey e Ewan McGregor que também roubam o filme como um divertido casal de gays.

Em 300, Santoro teve um bom destaque interpretando um vilão, o rei Xerxes, um papel marcante e valorizado por uma perfeita caracterização e por ser um rico contraponto para a saga dos 300 espartanos. Por sorte, quase consegue dividir bem a tela com o astro Gerard Butler que interpreta o malhado herói Leônidas. 

Alguns dos seus filmes no Brasil não tiveram tanto destaque como A Dona da História, Os Desafinados, Não Por Acaso e Reis e Ratos, mas o muito talentoso Santoro continua sua labuta, tendo no currículo papéis irretocáveis no cinema brasileiro como em Bicho de Sete Cabeças em que literalmente entra na pele de um interno num hospital psiquiátrico; em Abril Despedaçado, onde interpreta um jovem obrigado a seguir a sina de vingança sem fim de uma família; em Carandiru, onde encarna à perfeição um travesti; e em Heleno, no papel do jogador Heleno de Freitas. Ele também mostrou seu talento no drama argentino Leonera, do premiado Pablo Trapero, diretor argentino dos excelentes: Família Rodante, Abutres e Do Outro Lado da Lei.

Santoro está em uma nova produção internacional ainda sem data marcada para estrear, o novo filme de Philip Kaufman: Hemingway & Gellhorn, em que dividirá as telas com ninguém menos que Nicole Kidman, Clive Owen e Robert Duvall. Vamos torcer pelo nosso herói e ver no que vai dar.

3.8.12

Para Roma Com Amor


Fico feliz ao sair de uma sala de cinema onde acabo de assistir a um filme sobre o qual não tinha grandes expectativas. Dizer isso de um filme de Woody Allen pode parecer sacrilégio, mas eu esperava não gostar de Para Roma Com Amor, no entanto gostei bastante do filme.

É que passei a tomar mais cuidado com os filmes de Woody Allen depois da baita decepção que tive com o muito fraco Vicky Cristina Barcelona que, entre inúmeros problemas, me fez crer que Penélope Cruz é uma farsa: uma atriz que interpreta sempre o mesmo papel, o de Penélope Cruz, uma serial femme fatale. Seu prêmio Oscar não mudou minha opinião. 

O segundo cuidado que tive com Para Roma Com Amor foi o fato de que nele trabalha um ator que também detesto: o repetitivamente indigesto Roberto Benigni, outro que faz sempre o mesmo papel: o de Roberto Benigni, uma espécie de Didi Mocó com sotaque italiano e a quem substituíram o jabá pelo ravióli. O seu Oscar por A Vida é Bela também não me enche os olhos.

Comecei a me surpreender positivamente, pois os dois estão ótimos no filme. E eu que pensei que jamais gostaria de qualquer um deles. O mais incrível é que ambos continuam a fazer o que sempre fazem: os papéis deles mesmos. Penélope Cruz só mudou de língua, substituindo o espanglês ou o espanhol pelo italiano, mas continua a interpretar a femme fatale de sempre. Benigni é Benigni, mas sob a direção de Woody Allen ele ficou menos insuportável. Ou talvez porque ele apareça nas telas menos tempo do que nos seus próprios filmes, já que integra apenas uma das quatro histórias da película. É isso! Roberto Benigni em dose homeopática é palatável.

Para Roma Com Amor não é o melhor filme de Woody Allen, mas também não é o pior. E assim consegue ficar muito acima da média dos filmes descerebrados de comédia que o cinemão anda a oferecer por aí, graças aos seus diálogos inteligentes, cenas e atuações inspiradas, direção segura, montagem ágil e trilha sonora de primeira.

Da sua série mais recente longe da zona de conforto nova-iorquina, Allen passou por Londres, Barcelona e Paris e, dessa série, as obras-primas são Match Point e Meia Noite em Paris e a dissonância ficou com Vicky Cristina Barcelona.  

Para Roma Com Amor está mais próximo da linha cômica de Scoop, o Grande Furo do que do também de origem inglesa O Sonho de Cassandra, lembrando que nesse interim o nova-iorquino voltou às origens filmando os irregulares, mas comicamente agradáveis: Tudo Pode Dar Certo e Você Vai Conhecer o Homem dos seus Sonhos.

Aqui o diretor, fã declarado de jazz, abre a película com a canção italiana "Nel blu dipinto di blu”, popularmente conhecida como “Volare" levando a plateia de cara para dentro do clima caótico da capital italiana, onde somos apresentados a quatro histórias simultâneas, mas que não se inter-relacionam.

Fora das próprias produções por cinco filmes, Woody Allen volta a interpretar o mesmo personagem neurótico que encanta os fãs aos 76 anos e 40 filmes. Aqui ele é um produtor cultural aposentado que vai a Roma com a esposa para conhecer o noivo da filha. E aqui temos a melhor parte do filme, a do agente funerário tenor que só consegue cantar bem no chuveiro. Um achado divertidíssimo. Recomendo até para quem tem problemas biliares.

Na segunda história, Alec Baldwin e Jesse Eisenberg interagem no melhor estilo Woody Allen com Ellen Page. De tirar o chapéu. A química e o timming dos três atores estão perfeitos. Já era fã de Ellen Page desde Juno e Menina Má.com. Baldwin e Eisenberg (A Rede Social) me impressionaram bastante, o último está ótimo como o alterego do diretor. Novamente, parte do mérito se deve à direção segura de Woody Allen. 

Roberto Benigni interpreta um homem comum que repentinamente se descobre uma celebridade, uma crítica ácida do diretor à mídia sensacionalista e novidadeira. Felizmente, como disse, a história é curta e termina antes de Benigni nos fazer enjoar da sua cara. A última história não deixa de ser divertida, mas é a mais fraca das quatro, salva justamente pela personagem solar da prostituta de Penélope Cruz. Nunca pensei que um dia eu a elogiaria. 

Quem teve o privilégio de conhecer Roma, não terá como não se deleitar com a beleza das tomadas inusitadas da Cidade Eterna. Quem não conhece a capital italiana, não terá motivos para se queixar do belíssimo cenário para as deliciosas histórias. Então entreguei os pontos, deixei a caretice de lado e dei boas e altas gargalhadas. Absurdos surreais, humor desbragado e inteligente. O que eu queria mais, ora bolas?! 

29.7.12

Batman, O Cavaleiro das Trevas Ressurge


Fui assistir a Batman, O Cavaleiro das Trevas Ressurge, filme com que Christopher Nolan encerra a trilogia iniciada com Batman Begins, seguida de O Cavaleiro das Trevas e saí do cinema com uma certeza: essa praia super-heróis não é a minha.

Talvez eu devesse ganhar algum dinheiro para escrever sobre super-heróis. Assim, quem sabe, me interessasse entender vários aspectos das suas histórias: suas motivações psicológicas, sua psique complexa, sua ideologia messiânica, a necessidade dos seus fãs de idolatrá-los, sua presença avassaladora na cultura pop, a indústria gigantesca que move rios de dinheiro com seus subprodutos comerciais, o nerdismo dos viciados em fantasias e roupas apertadas, máscaras diversas, superpoderes mirabolantes, identidades secretas e inimigos números 1.

Talvez devesse me enfronhar na análise junguiana ou freudiana ou nos textos do psiquiatra Otto Rank sobre “O Mito do Nascimento do Herói” ou reler, com calma, e talvez entender, o tal Übermensch, o Super-Homem, que Nietzsche descreve em Assim Falou Zaratustra...Bem, há histórias de heróis mais interessantes e profundas do que as dos gibis da Marvel e DC Comics, e suas transposições para telas. Dizer isso certamente soa blasé e arrogante, mas reconheço que também não tenho a paciência abissal necessária e nem tempo para mergulhos mais profundos em Nietzsche, Freud, Jung e outros cabeções, que é o único modo de entender os heróis. 

Mas também pra que entender?  O negócio é diversão ou entrei na sala errada? Não estou louvando os filmes bobocas de ação pura e pancadaria generalizada, mas essa psicologia maciça e discussão sobre a alma também cansa. O problema nesse filme novo do Batman é que o diretor mistura pancadaria barata com diálogos de puro clichê e análise psicológica de drama bem raso. E assim, ele agrada a todos os lados: os que buscam adrenalina e os que garimpam conteúdo. Engana a outros, não a mim.

Por isso fico impressionado com artigos de críticos de cinema, como o de Isabela Boscov, na Veja, repleto de superlativos e louvações à profundidade dos diálogos do filme, começando o comentário com uma interjeição forte: “Meu Deus do céu!”, para seguir desfiando elogios rasgados ao diretor Cristopher Nolan que finaliza, ufa, sua trilogia do morcego. E tome-lhe: “virtuosismo técnico incomparável, roteiro da mais alta qualidade, capacidade de casar emoção explosiva com emoção genuína, filme absolutamente imperdível” A mulher gostou mesmo!!!

E o crítico do Jornal do Brasil, Filipe Quintans, incensa de confetes: “Tudo é gigantesco e pleno de fisicalidade. E deve ser. A trilogia é encerrada no volume de um trovão e com o impacto de dez deles. Quem vai ao cinema paga por sonhos. O Cavaleiro das Trevas Ressurge é uma coleção de ‘Grandes Eventos’ e dá ao espectador o exato tamanho de todos eles. Trata-se do melhor filme de seu gênero e, com a quantidade exata de boa vontade e apreço pela arte, o melhor filme de 2012”. Esse Quintans, pelo jeito, gostou até mais do que Isabela Boscov .

Mas pena mesmo foi ler o texto de Luiz Carlos Meten do Estadão, um crítico de alto nível: “‘Batman Begins’ me provocou uma comoção, o 2, ‘Cavaleiro das Trevas’, me impactou mais ainda e o 3 me deixou em prantos. Estou convencido de que Nolan é gênio”. Fico imaginando o homem, de certa idade, chorando enquanto na tela rolam diálogos absolutamente pueris. 

Sei não...mas essa escuridão toda é demais para meu Rivotril. Para começar, temos um Batman (Christian Bale) banido e escondido por oito anos nas cavernas sombrias da mansão Wayne; um Bruce Wayne de luto fechado, num ostracismo amargurado meio caquético; um promotor-vilão defunto (Aaron Eckhart), louvado como herói; um mordomo Alfred (Michael Caine) sorumbático e nostálgico; um comissário Gordon (Gary Oldman) carregado de complexo de culpa; policiais sem autoestima (Mattew Modine e Joseph Gordon-Levitt); órfãos para todos os lados; um vilão mascarado originário da escuridão (Tom Hardy); uma mulher-gato ladra desesperada para desaparecer nas sombras do oblívio (Anne Hathaway), uma milionária obscura de passado misterioso (Marion Cotillard). Como diria o menino prodígio: Santa  Morbidez, Batman!

Essa suposta profundidade de diálogos e roteiro a que se referem os críticos aparentemente não se aplica às cenas de briga em que não importa de vilão e herói dispõem de armas de grosso calibre para se matarem mutuamente. Na hora da briga cara a cara os marmanjos recorrem aos velhos e manjados socos que estamos cansados de ver em filmes B de pancadaria ou em competições de MMA. É a hora em que o diretor deixa toda a conversa mole e o psicologismo barato de lado e cede ao verdadeiro vício secreto de todo fã nerd: testosterona. É pena que a direção de arte economize na verba da hemoglobina, pois saraivadas de soco na cara pode, mas sem respingos de sangue para não manchar a capa do morcego.

Ai que preguiça. Acho que passei da idade.

25.7.12

Na Estrada


Há algumas semanas, assisti ao aguardado filme de Walter Salles: Na Estrada. Por alguma razão, há dias, tentava escrever a respeito, mas havia tantas coisas para dizer que batia um bloqueio. Talvez porque o filme me decepcionou um pouco; talvez porque, na adolescência, maravilhado, li On The Road, livro de Jack Kerouac no qual o filme se baseia; talvez porque sou fã de carteirinha dos filmes de Walter Salles: Central do Brasil, Diários de Motocicleta, Abril Despedaçado e Terra Estrangeira, obras-primas repletas de belas imagens, soberbas interpretações, montagens, fotografias, direção e músicas primorosas. Então por que o bloqueio?

Salvou-me o texto sempre ininteligível de Caetano Veloso na sua coluna do último domingo. Lá, o múltiplo Caetano diz que não assistira ainda ao filme nem lera o livro. Ora, se o próprio Caetano (com opinião sobre tudo) não opinou, por que eu deveria me sentir mal por não conseguir escrever um artigo? Quem sabe no domingo seguinte Caetano já tenha resolvido ambos os problemas: lido On The Road e assistido a Na Estrada e nos brinde com uma opinião em que se entenda ao menos um parágrafo?

Justiça seja feita: Caetano escreve com o mesmo recurso de estilo de Jack Kerouac, os famosos fluxos de pensamento, em que as ideias caem no papel diretamente dos dedos, sem a intermediação da consciência crítica. Assim escreve o filho de Canô e assim também faziam os autores que ele cita na sua coluna como preferidos: Allen Ginsberg, Gertrude Stein, Marcel Proust, Scott Fitzerald, William Faulkner e James Joyce. Todos eles, autores cabeções. Mas é impossível não rir quando o mano de Bethânia escreve que Truman Capote declarou sobre On The Road: “Isso não é literatura, é datilografia”. O que diria o autor de Bonequinha de Luxo e A Sangue Frio sobre os artigos de Caetano? Se houvesse computador naquele tempo, a frase seria: “Isso não é crônica, é digitação”. E Caetano gargalharia.

Mas, afinal, este não é um artigo sobre Caetano, mas sobre Na Estrada e está na hora de encarar o tema.  Mas antes faço eco a um questionamento feito pelo meu colega PC Alves quando escreveu uma crítica sobre o filme: “Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios” na edição 422 do Falajuf, de 15/05   

Segundo PC Alves, que lera o livro de Marçal Aquino que originou o filme de Beto Brant: “A primeira questão diz respeito à adaptação de um livro para o cinema. Até que ponto pode existir uma correspondência?” Concluindo que “cada arte tem seus códigos particulares, mobiliza diferentes sentidos, estimula percepções diversas. Na transposição de uma linguagem a outra, portanto, deve existir uma recriação, que pode ou não alcançar o mesmo nível do original, ou até ultrapassá-lo”.

Era neste ponto que eu queria chegar. Foi o que mais me incomodou em Na Estrada. O filme de Walter Salles se baseia num livro que marcou gerações, considerada a “Bíblia” Beatnik,  texto seminal do movimento sócio-cultural dos anos 50 e 60 que distinguiu um novo estilo de vida: anti-materialista, musical e hedonista que flertou com o budismo, a liberdade sexual, o consumo de drogas

Li On The Road na adolescência, assim como milhões de outros jovens  pelo mundo. A versão original, datilografada em um rolo de papel de quase 40 metros foi considerada impublicável pela ausência de vírgulas e parágrafos. A sua leitura foi uma experiência arrebatadora e dá uma grande pena saber que muitas pessoas atingiram a idade adulta sem terem lido On The Road na idade certa para fazê-lo. Dificilmente o impacto causado em alguém mais velho seria o mesmo.

E muito mais dificilmente o filme atinge o impacto do livro. Sei que é uma imensa responsabilidade para qualquer diretor adaptar para as telas uma obra clássica, assim como aponta o colega PC Alves: na transposição de uma linguagem para a outra deve existir uma recriação, que pode ou não alcançar o mesmo nível do original. E aqui está uma tarefa inglória e impossível que Walter Salles talvez tenha tentado abraçar em vão, como se desse um passo além das pernas.

O filme talvez alcance, afinal, dois públicos distintos: os fãs de Kerouac e os que não leram On The Road. Aos primeiros, é improvável que a película não gere certa sensação de desgosto; para os segundos pode ser apenas um road movie sobre um bando de malucos drogados que se jogam na estrada, ouvem jazz e blues e transam como se o mundo fosse acabar no dia seguinte. E não é só isso. Não é mesmo!

A crítica Natalia Bridi, do site Omelete, especializado em cinema, aponta uma película “de final melancólico, enquanto no livro vê-se apenas euforia - o que pode causar estranhamento para alguns” e conclui: “falta a Na Estrada não conseguir, enquanto adaptação, vencer a barreira entre inspirado e inspirador. O filme é um retrato sensível do livro e do seu autor, mas não consegue se firmar como obra em si”.

Ao ser apresentado no último festival de Cannes, o filme, que levou mais de 50 anos para chegar às telas, dividiu a crítica. O jornal britânico The Guardian, escreveu: "é uma celebração com olhos vidrados do narcisismo e da autoabsorção". No site do periódico o crítico alfinetou: "Belas cenas e uma tristeza comovente não compensam o ar tedioso de autocongratulação".

O site Time Out London, definiu o filme como "longo e tedioso. O grito rebelde de On the road agora parece mudo e até um pouco embaraçoso". O The Telegraph também não gostou e diz: "Na estrada corre o risco de confirmar as especulações de que On the road, de Kerouac, é inadaptável para o cinema. O filme rapidamente se instala em um ritmo tedioso".

Mas afinal, o que achou Caetano?

10.4.12

O Último Dançarino de Mao

Primeiro de tudo: eu não sabia que havia uma tradição de balé na China. Depois: não sabia que durante os anos da Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung, os bailarinos tinham que seguir aquela cartilha que os comunistas impunham às outras artes, como aqueles cartazes horrorosos de realismo socialista do tempo de Mao e Stálin, valorizando o homem rude e simples e a revolução comunista. Ingênuo, eu!
Salvou-me da ignorância o cineasta australiano Bruce Beresford (de Conduzindo Miss Daisy) que com O Último Dançarino de Mao demonstra uma direção de extrema sutileza e sensibilidade, contando uma história de determinação e superação, além de nos brindar com belíssimos números de balé. Um filme encantador que merece as lagrimas que arranca. No cinema em que o vi, vários expectadores fungavam.
Impressionatemente o filme é baseado em uma história real, adaptado do livro Adeus China: O Último Bailarino de Mao, de Li Cunxin, e mostra a chegada do próprio Li nos Estados Unidos nos anos 70 para estudar balé em Houston. Com bem dosados flashbacks, acompanhamos a infância pobre de Li ao lado de vários irmãos em uma remota aldeia chinesa e vemos quando ele é selecionado aos 11 anos para estudar em Pequim tornando-se em seguida, a custa de muito sacrifício, bailarino da Academia de Dança Oficial da China.
O filme tem uma perfeita reconstituição de época, uma excelente direção de arte, números musicais e coreografias de tirar o fôlego e os atores que fazem o papel de Li em diversas etapas da sua história são excelentes tanto atuando quanto dançando, o que deve ter dado um trabalhão para encontrar atores que façam tão bem as duas artes.
Impossível não lembrar, na parte em que o bailarino pede asilo nos Estados Unidos, de uma cena belíssima do filme Retratos da Vida (Bolero), dirigido pelo francês Claude Lelouch que mostra o ator e bailarino argentino Jorge Donn, interpretando o russo Sergei Itovitch, também pedindo asilo para fugir de um regime comunista e opressor: um da China de Mao, outro da Rússia de Khrushchev.
Outro filme que não dá para deixar de lembrar ao assistir ao Último Baiarino de Mao e que também trata do tema balé, é o inglês Billie Elliot, que, sem apelar para o viés caricatural, mostra toda a dificuldade que passa quem enfrenta essa vida ao mesmo tempo bela, cansativa, desafiadora e mal compreendida, mas que, no final, garante uma redenção arrebatadora.

12.3.12

Shame


A primeira vez que ouvi falar desse filme foi num debate do Manhattan Connection. Fiquei ansioso pela estréia no Brasil, pois o tema me pareceu bastante interessante e ousado: a história de um jovem executivo novaiorquino viciado em sexo.

Falou-se bastante da coragem do ator Michael Fassbender (O jovem Magneto em X-Men e, mais recentemente, o psicanalista Carl Jung no novo filme de David Cronnenberg) em deixar-se filmar em cenas em que aparece em nu frontal em um drama do diretor inglês Steve McQueen, homônimo do ator americano.

Assisti ao filme na pré-estreia em uma sala bem cheia numa concorrida sessão de domingo à noite. Confesso, tristemente, que esperava mais. O filme tem recebido inúmeros elogios dos críticos e quem sou eu para falar alguma coisa da ótima interpretação do ator (premiado este ano no Festival de Veneza) e da sua coragem em interpretar um personagem tão sombrio e doloroso.

Aliás a beleza do relativamente jovem ator de 34 anos, em perfeita forma física, é algo que chama a atenção. Ele interpreta um bem sucedido executivo, frequenta bons restaurantes e mora num bom apartamento mas sua vida se resume ao trabalho e ao vício em sexo.

Mas essa compulsão não é algo que o prejudique como acontece com os viciados em drogas e álcool. Ele vive sozinho, não atrapalha a vida de ninguém, não é casado, portanto não trai ninguém, e seu vício “sustenta” prostitutas e todo um mercado de sexo encontra em tipos assim sua razão de existir. Ok, o homem se masturba diariamente no trabalho e em casa. E daí?

O problema de Brandon é que para manter aquele ritmo de vida não há espaço para o afeto ou a família. Ele vinha lidando bem com o micro cosmos que criou, mas a súbita aparição de Sissy, uma irmã para lá de problemática (depressiva e com tendências suicidas), personagem da ótima atriz Carey Mulligan revira o mundinho de Brandon. Tudo que ele não precisa é daquela irmã revirando seus armários, bagunçando sua vida, se metendo nos seus assuntos. Uma irmã daquela também ninguém merece, nem precisa ser viciado em sexo.

Eu não queria uma mala sem alça daquelas caminhando pelo meu apartamento. Talvez eu esteja sendo cruel, talvez haja gente com paciência para irmãs assim....ainda mais quando a gente a vê cantando lindamente New York, New York....e aí o diretor Steve McQueen não deixa dúvida de que quer nos seduzir com uma das facetas da complicada Sissy ao deixar a câmera fixa no rosto da atriz enquanto ela canta inteirinho, imortalizado por Frank Sinatra, o hino da Grande Maçã, com um arranjo sexy, romântico, blues na veia...e ainda acompanhada de um belíssimo piano.

Desculpe ser estraga prazeres, também achei a cena linda e também, como o personagem do irmão, derramei uma furtiva lágrima, mas não dá para esquecer de uma cena do documentário Edifício Master, de 2002, do cineasta brasileiro Eduardo Coutinho, em que um “personagem” canta, do mesmo Sinatra, e sem piano algum, My Way. Quisera não ter essa cena na memória para comparar e nem tantas lágrimas nessa cena para competir com aquela (uma minha, outra do irmão Brandon).

Difícil não sentir pena do pobre Brandon, mesmo quando ele se acaba em quartos de hotéis, mesmo sendo quartos com belíssimas vistas de Manhattan, mesmo quando ele tem que se livrar dos seus tesouros pornográficos por conta de uma invasão de uma irmã chata em sua vida.

Há tratamentos para viciados em sexo como há para compulsivos de toda ordem. Um alcoólatra não precisa deixar de freqüentar bares e festas onde há bebidas se ele sabe que a bebida o leva a um poço sem fim, porque o viciado em sexo não pode se contentar em apreciar as mulheres sem querer levá-las todas para a cama? Estava indo tudo tão bem até a chegada daquela irmã....mas afinal, é isso que faz o cinema. Cria um conflito e precipita um drama.

Não há importância alguma nos nus frontais de Fassbender, apesar de serem respeitáveis os seus atributos. Em cena particularmente dramática, vê-se o erotismo transmutar-se em pura amargura em plena orgia com duas belas mulheres. O orgasmo, ou algo que atenda por esse nome, torna seu rosto máscara de puro horror. Como não sentir dó?

A frieza das longas tomadas, o distanciamento da câmera, a luz crua e os ambientes quase imaculados parecem querer nos afastar daquele mundo. Talvez coubesse indagar por que a degradação máxima tem que ser necessariamente em um escuro clube de sexo gay? Ali o drama do personagem de Fassbender simplesmente desapareceria envolto por um mar de corpos de outros homens para quem nada daquilo seria novidade e como se o drama do personagem Brandon fosse o de um simples carneirinho diante da “decadência” das orgias gays.

Mas ele sobrevive a tudo e uma redenção se aproxima do horizonte simbolicamente na forma de uma chuva que lavaria seus pecados....mas sempre há um um belo par de pernas no caminho....resistir...quem há de ?

10.3.12

Tom Boy


Para quem não sabe, Tom Boy é uma expressão em inglês que pode ser usada para ambos os sexos e que seria como moleque/moleca. 

Esse filme francês conta com extrema delicadeza a história da Laure que, com dez anos, é uma menina com problemas de relacionamento. Quando seus amorosos pais se mudam para outro bairro de Paris, ela é confundida com um garoto pela forma como se veste e o corte de cabelo à La garçon (como dizem os franceses) e decide tirar proveito disso passando-se por Michael, fazendo amizade com os novos vizinhos, integrando-se àquele grupo divertido e unido e aproximando-se afetivamente a uma garota da vizinhança.


Mas dá pra prever que aquela farsa não vai durar muito, pois as férias da garotada estão acabando, junto com as partidas de futebol, os passeios e toda a diversão. As aulas vão começar e todos vão saber que Michael é Laure. 

Então, acompanhamos o desenrolar de uma tensão crescente e fica claro que a narrativa leve e idílica vai desembocar em algum drama. E é exatamente aí que a diretora francesa Céline Sciamma apresenta sua delicadeza, mostrando a divertidíssima relação de Laure com sua irmã caçula Jeanne e como a família e os vizinhos lidam com a questão.

O filme faz lembrar o filme belga Minha Vida em Cor-de-rosa quando os papéis eram invertidos e era um garoto que queria ser garota, mas aqui Tom Boy deixa margem à interpretação da platéia e não entrega tudo mastigado. O filme venceu o prêmio do público do último Festival Mix Brasil, em São Paulo e o Teddy Bear no Festival de Berlim - prêmio dedicado a produções de temática gay. Um belo exemplo de como o cinema pode ser útil na discussão sobre as questões de gênero e identidade.

À Beira do Abismo


Este filme já saiu de cartaz mas deve estar nas locadoras. Gosto de filmes que envolvem alguma conspiração e que vai se desenvolvendo aos poucos, mesmo tendo um final que a gente já imagina qual é. Dá gosto ver a história ser delineada com algum cuidado e a trama sendo tecida. Não é um filme excepcional, mas vale para passar o tempo. Não é uma obra prima, mas em compensação, não faz feio.

Sam Worthington (de Avatar e Fúria de Titãs) faz o policial Nick Cassidy, que cumpre pena de prisão após ser envolvido em uma arapuca. Ao conseguir escapar por meio de um artifício, encontra um jeito bem original de provar sua inocência. Dependurando-se no peitoril de um prédio em pleno centro de Nova Yorque e atraindo a atenção da mídia e da própria polícia.

Jamie Bell (de Billy Elliot e Jump) faz o irmão mais novo que aproveita a atenção de todos para a ameaça de suicídio para completar o trabalho pretendido pela dupla. O vilão mor aqui é Ed Harris em uma interpretação correta, como é seu bom costume. A surpresa fica por conta da atriz Génesis Rodríguez no papel de uma ladra latina que tem momentos de bastante química e de algum humor com o namorado interpretado por Jamie Bell.

Aproveite para ver num dia em que não estiver a fim de pensar em muita coisa. Dá pra desfrutar. Muita gente da mídia falou mal, a crítica não perdoou, disse que o filme é repleto de clichês, mas eu até que gostei. Devia ser o que meu dia estava precisando.

7.3.12

Dois Coelhos

     Não me lembro de ter visto um filme brasileiro tão cheio de tramas, reviravoltas, perseguições como este. E olhe que assisti a Tropa de Elite 1 e 2 e gostei muito das duas películas, mas aqui em Dois Coelhos o diretor Afonso Poyart, um estreante na tela grande, mas já parece um veterano, leva o filme na unha já que também é o produtor e fez a montagem. 

      O filme tem um elenco muito bom com mérito de ser preparado pela já mítica Fátima Toledo, polêmica preparadora de elenco responsável por extrair preciosidades de atores em filmes como Tropa de Elite, Cidade de Deus, Céu de Suely, Cidade Baixa, Central do Brasil e inúmeros outros.

    Aqui talvez pelo dedo de Fátima Toledo, podemos ver o ator Fernando Alves Pinto, protagonista, sem as suas tradicionais afetações vistas em filmes anteriores como em Terra Estrangeira, Árido Movie, Nosso Lar e Tônica Dominante. Aqui o rapaz tá na rédea curta e isso é muito bom. Não aguentava mais seus trejeitos. Alguém precisava ensinar a ele que no cinema menos é mais.

       O filme é uma pequena pérola, uma brisa refrescante no meio de uma produção nacional que parece mais feita para estudos acadêmicos ou para caçar níqueis, pois foi nisso que o cinema brasileiro se transformou com raras e honrosas exceções. Aqui vemos um roteiro complexo, uma narrativa bem feita que teria tudo para descambar numa mixórdia de explosões e tiroteios, mas tudo se explica no final, e para isso é bom prestar bastante atenção ao filme, pois a trama é complicada mas fascinante.

         Parabéns extras à sonoplastia vibrante e à equipe de pós-produção que adiciona ao filme elementos gráficos que o associam à linguagem das pichações de rua, adequadas ao ritmo acelerado e ao universo marginal em que transitam os personagens. Impossível não lembrar bons momentos de filmes de Quentin Tarantino, Christopher Nolan e Guy Richie. 

       Um filme para espantar o sono.

22.2.12

Histórias Cruzadas


Uma crítica disse que o pior adjetivo que se pode usar para um filme é: correto. Ok, então se for assim, Histórias Cruzadas é isso: correto, mesmo levando um Globo de Ouro e concorrendo a quatro Oscar. Filme, Atriz (Viola Davis) e Atriz Coadjuvante (Octavia Spencer e Jessica Chastain).
O filme levou os prêmios de Melhor Elenco, Melhor Atriz (Viola Davis) e Atriz Coadjuvante (Octavia Spencer) do Sindicato dos Atores da América e Octavia Spencer, o Globo de Ouro, concorrendo com a mesma Jessica Chastain do elenco.
Então voltemos ao início: é um filme correto, interpretações na medida do que se espera delas, roteiro amarradinho, tudo dentro da receita. Ninguém faz feio, a reconstituição de época dos anos 60 é boa e o tema dá um belo caldo: o racismo no sul dos Estados Unidos. Você já viu esse filme antes? Já e não foram poucas vezes.
Aqui a história gira em torno da luta pelos direitos civis dos negros americanos. Aqui ela aparece com uma escritora branca decidindo enfrentar o código de silêncio em torno da segregação mal disfarçada dos negros na cidade de Jackson, Mississipi (você já viu Mississipi em Chamas!), mas aqui o diretor Tate Taylor opta por narrar a história sem exibir o racismo cru e violento, mas o racismo do dia a dia. Por exemplo, o assassinato do militante negro, Medgar Evers, na própria cidade de Jackson, e do presidente Kennedy, são mostrado apenas pela TV.
A força que o filme perde ao não abordar com contundência o racismo no Mississipi está na canção célebre de Nina Simone: Mississipi Goddam (Maldito Mississipi) que trata exatamente do assassinato de Medgar Evers, no Mississippi, além do assassinato de quatro garotas negras numa igreja do Alabama. Nina Simone compôs a canção que expressa sua indignação: “Alabama’s gotten me so upset/ Tennessee made me lose my rest/And everybody knows about Mississippi Goddam”. (Alabama deixou-me tão irritada/Tennessee me fez perder meu descanso/ E todo mundo sabe sobre o maldito Mississippi).

14.2.12

O Espião Que Sabia Demais

O Espião Que Sabia Demais é uma boa opção se você estiver com sono. Dá até pra roncar. Sinto uma grande pena em dizer isso desse filme. Sabe aquele tipo de filme que você queria muito gostar? Pegaram uma história de espionagem sobre guerra fria do magistral escritor John Le Carré; adicionaram um diretor que já mostrara ser um talento em ascensão como Tomas Alfredson (vide o seu filme cult sueco de vampiro Deixe Ela Entrar); acrescentaram um elenco de primeira a começar pelos sempre ótimos Gary Oldman, Colin Firth e Jonh Hurt…mas resulta num filme monótono, chatinho, excessivamente sombrio e arrastado. A trama de Le Carré é ótima nos seus best sellers, mas no cinema a massa desanda e vira um filme sobre um bando de burocratas matando, torturando e perseguindo uns aos outros.

Aqui, apesar de ótima reconstituição de cenários da época da Guerra Fria, temos uma overdose de elementos ingleses. Parece que o diretor quer em cada mínimo frame do filme nos lembrar que estamos na Inglaterra. Então não há um minuto sem uma xícara de chá, uma rua coberta de fog, sanduiches de pepino (“iguaria” favorita dos britânicos), alguém nadando num lago (passatempo inglês), papéis de parede florais, cães ingleses…fica over. Mesmo nas cenas filmadas em Budapeste e Istambul a gente sente que o diretor quer martelar na nossa cabeça que tudo tem que ter a cor do local.

Inegável, porém, o talento minimalista dos atores, mas o minimalismo pode ser demais até chegar a bons minutos em que um bom ronco não faz mal. Elogiável é a sequência final, em que tudo se explica — ufa, depois de duas horas já estava na hora —, ao som de La Mer, na voz de Julio Iglesias. Ah, e a trilha do filme está concorrendo ao Oscar. Esqueça se você acha Julio Iglesias brega. O homem arrebata com a canção originalmente gravada com uma batida jazzística em inglês com o título Beyond The Sea, usada à exaustão no cinema até na trilha de Procurando Nemo, mas aqui há um vivo frescor francês. Algo de sublime no meio de fog, críquete e sanduiche de pepino. Bons sonhos.

11.2.12

Um Conto Chinês


O cinema argentino virou uma unanimidade por todos os motivos e com todos os méritos, inclusive com Oscar e tudo. À parte o cartaz infeliz deste filme que mostra uma vaca e dá uma idéia errada de que se trata de uma comédia (deviam matar quem escolheu esse cartaz), o filme cumpre tudo aquilo que um bom filme argentino promete a começar pelo ator Ricardo Darín, presente em 9 de cada 10 produções dos nuestros hermanos portenhos (Abutres, O Filho da Noiva, O Segredo dos Seus Olhos, Clube da Lua, Nove Rainhas…)

O filme tem um início estranhíssimo, com uma vaca literalmente despencando do céu. Essa introdução será retomada adiante numa ligação que consegue unir o bizarro e o lírico de modo extremamente original e convincente. Um erro que pode se tornar um acerto, uma busca da solidão que pode se transformar num encontro com o amor, a falta de comunicação tornando o azar em sorte.

Aqui, Darín é Roberto, um mal humorado veterano da Guerra das Malvinas que vive do trabalho para casa, recluso e cheio de manias. Uma delas é colecionar artigos estranhos publicados pelos jornais. Ele encontra por uma casualidade um chinês que não fala uma única palavra de espanhol que é roubado e atirado de um táxi em plena Buenos Aires. Eles não falam uma palavra em comum e seriam as pessoas menos indicadas para conviverem, mas, aos poucos, de um modo surpreendente, essa relação aparentemente impossível revela uma lição que mudará completamente a vida de ambos.

Um roteiro primorosos e repleto de sutilezas que faz a gente se perguntar por que no Brasil não se faz filmes assim.

8.2.12

Os Homens que Não Amavam as Mulheres


A fantástica série de livros Milenium, que deu origem a uma produção cinematográfica sueca, exibida no Brasil como uma brisa, com pouco público e pouca divulgação, talvez por ser sueca, agora, o mesmo filme: Os Homens que não Amavam as Mulheres, na versão em inglês: “The Girl with the Dragon Tattoo”, primeiro livro da trilogia, chega com a grife de Hollywood estampada e pode ser que tenha mais sucesso por aqui. Na bagagem carrega uma história de primeira, um diretor de mão cheia como David Fincher (Seven, Clube da Luta e A Rede Social) e um ator em franca ascensão: Daniel Craig (aqui sem os seus biquinhos habituais).

O filme está indicado a quatro Oscars.A série de livros já foi traduzida para mais de 40 idiomas e é um sucesso internacional com mais de 30 milhões de livros no mundo. O que é mais do que impressionante, pois são três livros totalizando 1.874 páginas.O papel mais vibrante do filme é o da hacker punk e bissexual Lisbeth Salander e ele foi parar nas mãos da atriz novata Rooney Mara (de A Rede Social) que se sai muito bem ao ponto de ter sido indicada ao último Globo de Ouro ao lado de veteranas como Meryl Streep e Glenn Close.

Não concordo com a opinião do crítico Thales de Menezes da Folha de São Paulo que diz que David Fincher melhora o livro que já era muito bom. Na verdade, como são duas linguagens narrativas diferentes (livro e filme), pode-se dizer que um é melhor ou pior do que o outro, mas nunca que um melhora o outro. Um filme não pode melhorar um livro. Nada pode, pois o livro é uma obra acabada e assim não pode ser melhorada ou piorada, não é como uma obra que está em construção ou que caiba reformas que a melhore.

Um dos pontos altos do filme é sua abertura espetacular. Nos meus muitos anos de cinéfilo não me lembro de uma abertura (enquanto aparecem os créditos) tão impactante e bem feita. Deveria haver um prêmio para a melhor abertura. Este filme levaria com louvor. Para quem leu os três livros ou viu o primeiro filme, esta versão é boa, mas não tem muito a acrescentar. O primeiro filme não era ruim, como diz o crítico da Folha chamando-o de “rascunho comparado à versão americana”. Tem gente que só valoriza o que vem de Hollywood.

Aliás, esse mesmo crítico acerta num ponto quando diz que a versão de Fincher perde para o original quando revela preocupação estética excessiva na brutal cena do estupro. A cena, na versão sueca, era crua e violenta. A americana, de tão plástica, parece mais uma cena de pornô soft.O filme americano muda o final do original. Para quem é fã da história de Stieg Larsson, fica um gosto meio amargo de um filme que tem um clímax e opta por terminar num anticlímax, com uma cena final chocha.

Os leitores da obra se apaixonam por Lisbeth apesar de ela levar a expressão anti-social ao seu paroxismo. Todos nós embarcamos na garupa da sua moto; nos angustiamos com as perseguições a que ela é submetida, exultamos quando ela consegue se vingar dos que a sacanearam e todos nos perguntamos se tudo valeu à pena, diante do seu sofrimento.

Essa crítica está parecendo mais literária que cinematográfica, mas isto é inevitável tratando de uma adaptação de um livro que é sucesso mundial. Aliás, deixo uma provocação. Cada volume (versão econômica) custa em torno de R$ 30,00 e encanta o leitor por semanas. Um ingresso de cinema custa em torno de R$ 10,00 e garante duas horas de encantamento.

Não dá pra ficar comparando né ?