Diretor do cultuado Cidade de Deus; do inspirado Domésticas; do oscarizado O Jardineiro Fiel, além da surpreendente mini-série Som e Fúria, Fernando Meirelles começou a errar na mão no decepcionante Ensaio Sobre a Cegueira, filme que nem de longe faz jus aos inúmeros méritos da obra homônima de José Saramago.
Ok, livro é livro; filme é filme. Entretanto, tratando-se de uma das primeiras adaptações de Saramago para as telonas, separam as qualidades das duas linguagens um abismo mais amplo do que o que seria aceitável.
Mas esse texto é para falar de outra derrapada de Meirelles: 360. Sinto pena de dizer isso pois gosto dele. Acompanho com interesse sua carreira mas não posso negar a segunda decepção seguida.
Aqui vemos um filme com atores de vários países, entre eles os talentosíssimos Anthony Hopkins, Jude Law e Rachel Weisz pouquíssimo utilizados e também os brasileiros com comprovados carisma e talento mas também com um mínimo de espaço: Maria Flor e Juliano Cazarré. A única palavra que cabe aqui é esta: desperdício!
O próprio diretor já declarou várias vezes que não repetiria a empreitada em filmes com esse tipo de narrativa multifatiada. São nove historietas que teriam potencial para ser melhor desenvolvidas, cada uma podendo virar um filme em si, mas restam pouco impactantes sem o tempo necessário para que o expectador se envolva com qualquer uma delas. Aos personagens não é dado o tempo para que gerem empatia no público e, enquanto o filme transita entre EUA, França, Áustria, Inglaterra e Eslováquia, a plateia anseia por mais substância.
A crítica de O Globo, Susana Schild, de modo inspirado em sua crítica no jornal: "O perfil dos personagens é tão ralo que cabe em mensagens do Twitter".
Meirelles é o primeiro a se reconhecer frustrado e que a cria carecia de mais musculatura e menos superficialidade. Disse que se dependesse dele cada história teria mais uns 20 minutos cada. O filme me lembrou um quadro em que temos uma excelente moldura, as tintas mais caras e variadas, uma tela de material excelente mas uma pintura sem alma. Isso não é arte, é só técnica.
E a falta de pulso de Meirelles em relação à obra prova que foi um produto de encomenda, em que ele foi contratado unicamente para agir como um tarefeiro de luxo e não como um diretor. Um trabalho pífio para quem já teve nas mãos o luxo de ser pai de um filme tão autoral como Cidade de Deus. Ele mesmo já declarou: “80% do filme é do roteirista Peter Morgan, 3% é da peça original de Arthur Schnitzler. O resto é meu”. Suspeito que seja menos ainda pois ele esqueceu de dizer qual parte é do estúdio.
Os US$ 14 milhões gastos na produção dificilmente se pagarão. O filme estreou nos Estados Unidos em duas salas, rendendo US$ 12 mil. Na semana seguinte chegou a sete salas, mas rendeu apenas US$ 10 mil no fim de semana com a média caindo para US$ 1,1 mil por sala. A produtora alega que o filme foi disponibilizado no iTunes e pay-per-view, o que garantiria uns US$ 3 milhões. Mas, reconheçamos: ainda está longe de encostar no custo do filme. Não sei como vai ser no Brasil pois estreou este fim de semana enquanto escrevo.
O diretor tem razão em ficar preocupado com os números já que sua última obra como produtor, o bem feito Xingu, de Cao Hamburger, custou R$ 12 milhões e para zerar os custos era para ter mais de 800 mil expectadores, não tendo passado da metade disso. Resultado: prejuízo.
360 faz parte dos chamados filmes mosaico, em que várias tramas paralelas são mostradas e se encontram no decorrer da narrativa. Não se pode necessariamente acusar o gênero de superficialidade. Um bom roteiro aliado a uma boa direção podem atingir um resultado poderoso como provaram muito bem Paul Thomas Anderson em Magnólia; Tod Solondz em Felicidade e A Vida Durante a Guerra; Robert Altman em Short Cuts, Dr. T e as Mulheres e Prêt-à-Porter; Quentin Tarantino em Pulp Ficcion e Sin City; e Alejandro González Inárritu em 21 Gramas, Babel e Amores Brutos em que as histórias independentes se entrelaçam de modo muito mais sutil e inteligente.
Tirando o mérito da primorosa trilha sonora, e não somente por todos os problemas de formato, o filme decepciona também no quesito filosófico e conceitual, pois trata de maneira banal questões bastante densas como o abandono, a solidão, a prostituição, a religião, a máfia, o alcoolismo, o adultério...Já no título a película traz uma obviedade referindo-se ao giro em torno de um eixo, e tem como mote final e inicial a mesma frase pretensamente profunda: "Um sábio disse uma vez que se há uma bifurcação na estrada, siga-a. Só esqueceu de avisar qual caminho escolher". O que se vê em 360 é que, apesar de qualquer caminho que os personagens trilhem, os bons acabam sempre bem, enquanto os maus, literalmente, acabam na lama. Valores como amizade, família, religião aqui são pregados na testa do expectador como um post it para lembrá-lo: seja um bom menino e tudo vai dar certo para você. Caretice tem aqui nome e sobrenome.
Se a ideia fosse fazer uma comédia rala, rasteira e simplória eu não diria nada, até porque nem iria gastar meu dinheiro suado com o ingresso, mas com temas tão densos e um diretor tão talentoso fico me perguntando onde tanta pretensão pode levar.
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