27.11.09

Outubros à Paulista

Diferentemente do meu colega Euvaldo Pinho, as minhas férias não são passadas em meio a poeira e lama, não rendem belíssimas fotografias de tuiuiús e tambaquis, mas também não corro riscos de ser mordido por terríveis piranhas vermelhas.

Como acontece há quase uma década, passo parte das minhas férias enfurnado nas salas de cinema da Mostra Internacional de São Paulo que este ano completou 33 edições. Asfalto, ar condicionado e escurinho de cinemas são meus companheiros de outubros. Por falar em companhia, estar sozinho é condição para usufruir dessa esquisitice já que é complicadíssimo conciliar interesses e gostos além do que, como já diagnosticara o sempre afiado Nelson Rodrigues: “A pior solidão que existe é a companhia de um paulista”.

Já escrevi antes sobre essa maratona de filmes: não é uma coisa que recomendo para pessoas normais, só mesmo gente que não é muito boa da cabeça se deixa envolver por uma programação assim. São quase 400 filmes de dezenas de países espalhados por mais de 20 diferentes salas de cinema da capital paulista. A pessoa que quiser acompanhar minimamente a Mostra tem que sacrificar almoços e jantares decentes, encontros com amigos e passeios relaxantes. É coisa de maluco que não tem talento para relaxar.

A Mostra se consolidou como uma indústria de cinema, com uma parafernália organizadíssima, com premiações, júris, site, debates, monitores, jornal e muito dinheiro. Dias antes, passaportes para 20 e 40 sessões se esgotam em menos de duas horas. As hordas de cinéfilos consomem galões de cafezinhos e infindáveis fornadas de pães de queijo entre as sessões, colecionadores compram canecas, sacolas, pôsteres, bloquinhos de anotações, camisetas e uma infinidade se souvenires que colecionadores disputam.

Este ano não bati meu recorde de 51 filmes em 15 dias alcançado há alguns anos. Fiquei perto, fechando a quinzena em 47 películas. O ano passado tinham sido 40.

Cada filme é exibido até quatro vezes em horários e locais diferentes para permitir que todos tenham oportunidade de vê-lo. Alguns são exibidos gratuitamente, outros dão a chance de bater papo com diretores convidados. Há diversos casos em que os ingressos se esgotam, mesmo o infeliz ficando até uma hora em filas formadas antes da abertura da bilheteria.

Para quem não conhece esse universo, a Mostra é um mundo à parte. Os freqüentadores vivem isso intensamente, com linguagem própria, códigos e ritmos característicos. Você se acostuma a ver as mesmas pessoas das Mostras anteriores e nas filas vemos as mesmas caras depois de algum tempo. O fanático mesmo prefere assistir àqueles filmes que não estão programados para entrar no circuito comercial, já que dá para saber com antecedência quais os filmes que vão estrear nos próximos meses. Este ano, sacrifiquei, por exemplo, Abraços Partidos, de Pedro Almodóvar, por O Apedrejamento de Soraya M. do iraniano Cyrus Nowrasteh; troquei Ang Lee, com seu Aconteceu em Woodstock, e Abbas Kiarostami, com Shrin, pelo colombiano Ciro Guerra, que dirigiu o despretensioso e excelente Los Viajes Del Viento, e o romeno Corneliu Porumboiu, com o surpreendente Polícia, Adjetivo.

Muitos desses fantásticos filmes da Mostra jamais serão vistos no Brasil, muito menos em Salvador. Ainda bem que também tem outubro em 2010.

15.11.09

Enquanto isso, no País da Piada Pronta...

No país da piada pronta a gente não pode se surpreender com nada. Leio no site Terra a notícia “Dona Canô vai ligar para Lula e pedir desculpas por Caetano”.

O texto informa que a matriarca de Santo Amaro e dos Veloso telefonaria para Lula para afirmar que as opiniões de seu filho Caetano não representam o que ela e família pensam sobre o presidente. Segundo o irmão de Caetano, Rodrigo, secretário de Cultura de Santo Amaro, a mãe ficou contrariada com as críticas de Caetano e vai expressar também seu descontentamento ao filho.

- Sou petista de carteirinha. Sempre votamos em Lula. E tem a amizade do presidente com minha mãe, ele sempre liga no aniversário dela. E o texto lembra que em entrevista ao Estado de S. Paulo, Caetano Veloso declarou que votaria em Marina Silva e afirmou que Lula é analfabeto, não sabe falar, é cafona e grosseiro.

Num evento ligado à Agricultura com secretários do governador Jaques Wagner, Rodrigo Veloso subiu ao palanque e pediu que a mensagem da mãe fosse levada ao Planalto. Rodrigo teme que o veio polemista do irmão mais novo Caetano prejudique a cidade.

Recentemente, Dona Canô enviou uma carta a Lula, na qual pediu dinheiro para reformar a Santa Casa de Misericórdia de Santo Amaro.

Os Veloso são petistas de carteirinha é? Se a memória não me trai, o coração de Canô batia acelerado por ACM com quem era unha e carne, mas até ACM foi salvo por Lula que se aliou ao piores com quem trocou xingamentos no passado: Geddel, Renan, Collor, Sarney, Mangabeira Unger, Jader Barbalho....a lista não acaba. Mas, como dizem os pragmáticos, governar é fazer alianças e engolir sapos.

Quer dizer que o fato de Caetano dizer o que pensa vai prejudicar Santo Amaro? Já vejo Lula gritando para Tia Dilma: "Ô Dilma, cancela aquele pedido de Canô. Não vou atender a mais pedidos daquela gente ingrata”
Como esse país permite todo tipo de ilusão, aproveito para criar minhas próprias manchetes:

Dona Canô deserda Caetano e adota LulaDepois das novas polêmicas declarações de Caetano Veloso que desta vez chamou o presidente Lula de avesso do avesso, o baiano compôs uma música para o presidente Lula com o nome: “Menino de Garanhuns”, onde provoca: “Calor da caatinga que provoca arrepio, PT tatuado no braço”. Canô declarou: Não posso deixar esse pobre presidente órfão. Após a morte de Dona Lindu vou adotar Lulinha e desertar Caetano.

Transposição das águas do Subaé entram no PACRodrigo Veloso convidou o presidente Lula para tomar uma cerveja gelada durante a lavagem de Santo Amaro. Entre requebros e garfadas de moqueca de mapé, o saracutiante secretário da Cultura santamarense teceu loas a Tia Dilma, esculachou o enxerido TCU e pediu a inclusão no PAC da transposição das águas do Rio Subaé para o distrito de São Brás, onde Rodrigo passa os finais de semana. Lula já marcou uma pescaria de cascudos, única espécie que sobrevive nas águas do poluído Subaé.

Paula Lavigne declara: Sou chegada numa lula
Em repúdio às declarações do seu ex-marido Caetano Veloso com quem ainda mantém uma relação delicada, a produtora e atriz Paula Lavigne, ao lado da inseparável amiga Paula Burlamaqui, afirmou que é tarada numa lula. “Gosto muito das ostras cruas, mas não dispenso uma lula frita na chapa quente.

Garanhuns rompe relações diplomáticas com Santo Amaro
O município de Garanhuns, terra natal do presidente Lula, tinha, até a semana passada, relações amistosas com o município de Santo Amaro da Purificação, sede do clã Veloso. A cidade do agreste pernambucano rompeu relações diplomáticas com a colega do recôncavo baiano depois que o mais ilustre membro do sexo masculino dos Veloso declarou sua antipatia pelo mais ilustre dos filhos de Dona Lindu. O prefeito do município pernambucano já declarou: “Não quero saber dessa Vaca Profana pelas bandas de Garanhuns”.

Gilberto Gil: “Sou verde desde criancinha e Caetano é lindo”
O ex-ministro da Cultura do governo Lula e colega de partido da senadora verde Marina Lima, o cantor e compositor Gilberto Gil encontra-se entre a cruz e a espada. Amigo de Caetano Veloso, que declarou o voto em Marina e chamou Lula de cafona e analfabeto, Gil encontrou um modo de se posicionar sempre com declarações claríssimas: “A questão da identidade ecológica transcende o universo diplomático, no sentido do diploma universitário, tornando irrelevante a discussão estética e semiótica sobre o acesso do brasileiro à formação acadêmica. Caetano é lindo. Lula é lindo. Marina, Morena Marina você se pintou....”

28.9.09

Santa Cunegunda do Pré-Sal, Ora Pro Nobis

No filme Diamante de Sangue, estrelado por Leonardo DiCaprio, é retratada, com cores sórdidas a terrível guerra civil pela qual passou Serra Leoa, país miserável da África. Como pano de fundo e motor principal das misérias da população, o desumano comércio e o contrabando de diamantes, a maior riqueza e a maior desgraça de Serra Leoa.

O filme tem todos os ingredientes de um blockbuster, com muitas sequências de guerra e perseguição, mas entre as muitas cenas de ação, uma passagem fica quase despercebida e resume todo o paradoxo da riqueza e da pobreza: em uma aldeia devastada pela guerra, um velho esquálido, sobrevivente de uma chacina mira o vazio e explica a razão daquela matança: as minas de diamantes. Mas, em meio ao caos, suspira aliviado e diz: “— Mas, graças a Deus pelo menos aqui não temos petróleo.”

Os países com as maiores fontes de riqueza como petróleo e pedras preciosas são ditaduras ou regimes totalitários. Enquanto o Congo e Botswana são os maiores produtores mundiais de diamante, as maiores reservas de petróleo e gás natural, ficam na Arábia Saudita, Rússia, Iraque, Irã, Emirados Árabes, Qatar, Kuwait, Venezuela, Argélia, Líbia, Nigéria e China. A riqueza, ao invés de trazer benefícios à população, traz ciclos de ditaduras, guerra e violência.

O que há em comum entre esses países acima além do fato de que são fontes de riqueza natural? Qual deles pode ser considerado uma verdadeira democracia? Ou têm população miserável com baixíssimos índices de qualidade de vida ou são ditaduras com maior ou menor viés religioso. E em alguns casos são as duas coisas.

No seu livro “Carta a uma Nação Cristã”, o filósofo Sam Harris lembra que países como Noruega, Islândia, Austrália, Canadá, Suécia, Suíça, Bélgica, Japão, Holanda, Dinamarca e o Reino Unido estão entre as sociedades menos religiosas da terra e de acordo com o Relatório do Desenvolvimento Humano da ONU, também são as mais saudáveis, segundo os indicadores de expectativa e vida, alfabetização, renda per capita, nível educacional, igualdade entre os sexos, taxa de homicídios e mortalidade infantil. Inversamente, os cinqüenta países que ocupam os lugares mais baixos, segundo o índice de desenvolvimento humano das Nações Unidas, são fervorosamente religiosos.

Em breve o Brasil pode estar entrando na lista dos maiores produtores de petróleo do mundo graças ao pré-sal. Um mundo de possibilidades vem à nossa frente, embalado nas ondas de um mar de dólares e há uma boa chance de grande parte de esse dinheiro ser desviado para corrupção (hei, estamos no Brasil!) ao invés de reverter em benefício da população. Ah sim, claro, há todo um discurso vendendo o pré-sal como a redenção da pobreza, mas nós já ouvimos esse discurso antes e sabemos como termina.

Mas já que temos o pré sal e somos o maior país católico do mundo vamos aproveitar o embalo e entronar a Santa Cunegunda como a padroeira das gigantescas reservas petrolíferas do pré-sal. É bastante apropriado uma vez que ela já é a padroeira do sal e neste ano de 2009 completam-se dez anos da sua canonização. A história conta que Santa Cunegunda foi é responsável pela descoberta de uma gigantesca mina de sal perto de Cracóvia. Poderia ser responsável também pelo campo de Tupy.

Às vésperas de casar, o pai teria oferecido a ela uma arca cheia de ouro e pedras preciosas. Santa Cunegunda rejeitou o dote, "por haver custado sacrifício e sangue do povo". Pediu uma arca com sal. O pai doou-lhe, então, uma mina na Transilvânia. Quando foi conhecê-la, ela jogou ali seu anel mais precioso, agradecendo a Deus o presente. Tempos depois, sensibilizada com a pobreza do lugar, mandou a população cavar um buraco e apareceu sal em abundância e, no meio, o anel que a virtuosa senhora deixara na Transilvânia. Com isso, Santa Cunegunda virou protetora dos exploradores de sal.

Na Última Ceia, Leonardo da Vinci colocou um saleiro entornado diante do cotovelo de Judas. Deixar cair sal no chão atrai azar. Em compensação, Jesus chamou os apóstolos incumbidos de espalhar sua palavra de "o sal da terra".

Vê que esse negócio de sal e petróleo vai longe? Já temos Deus e Santa Cunegunda, só precisamos de um profeta barbudo.

2.8.09

Deus uma Biografia - 1ª parte


Esta não é uma obra tão nova, lançada em 1995, provocou pouca controvérsia se comparada aos recentes best sellers em que Deus é desancado e as religiões são atacadas. Seu autor, Jack Miles, que ganhou, graças à obra, o cobiçado Prêmio Pulitzer, não escreveu um arrazoado contra a divindade nem detonou a religiosidade, mas elaborou uma fantástica obra em que a Bíblia, o maior de todos os best sellers, é tratada como obra literária e Deus como seu personagem principal

Talvez o livro, mesmo inspiradíssimo, não tenha causado tanto furor por se tratar de uma obra mais sóbria, não se preocupando em tentar provar se Deus existe ou não, mas na abordagem do Criador não como personagem histórico, mas como personagem literário - e como personagem, inegavelmente, ele existe e é o mais fascinante e extraordinário já criado.

Desde o lançamento, tenho o meu exemplar, mas somente há poucas semanas o li. É fascinante o poder que um livro tem. Ele pode passar anos na sua estante, você diz que um dia irá lê-lo, e ele fica lá, com seu conteúdo guardadinho entre as páginas, até que um dia você resolve assumir a tarefa de lê-lo. E, como um bom vinho envelhecido, ele se impõe, e você descobre como foi bom saboreá-lo quando ambos estavam prontos.

Jack Miles, doutor em línguas orientais, em estilo literário ao mesmo tempo fluente (ele também é jornalista) e erudito, parte do Gênesis e segue todo o Velho Testamento, livro por livro, decifrando os mistérios do personagem Deus. Como numa biografia, o personagem Deus não surgiu pronto e completo, mas foi desenvolvendo aos poucos sua rica e complexa personalidade.

A aventura é fascinante e a jornada começa com o surgimento de Deus, personagem solitário, sem outros deuses para interagir, sem irmãos, pais, amigos ou companheira. Um vazio imenso o habitava e uma solidão assim é algo imensurável. Os registros literários até então existentes mostravam os personagens divinos como seres múltiplos e cercados por seus iguais. Somente Deus surgiu envolto no vazio e até mesmo o vazio seria sua própria criação.

Deus cria as coisas a partir do nada e não tem com o que compará-las. Os animais, as coisas e até o próprio homem, são primeiro criadas e depois constatadas como sendo boas. Deus, sem qualquer parâmetro, precisa primeiro do objeto criado para só depois emitir sua avaliação, ao contrário dos personagens da obra de Lady Barberina, de Henry James, que têm respostas porque, em suma, podem fazer comparações. A comparação é condição básica de quem precisa decidir se algo é bom, ruim ou mais ou menos. Mas Deus, ao contrário, somente após criar algo dizia que era bom. Nunca fez algo que não julgasse bom. Se o homem foi feito à sua semelhança, a comparação consigo próprio é inevitável, já que o próprio Deus devia se julgar suficientemente bom. Mas o homem não saiu tão bom e a Bíblia demonstrou isso fartamente. Por outro lado, a criatura talvez fosse exatamente isso, uma cópia de um molde que não era tão perfeito assim.

Sem qualquer julgamento, mas utilizando a simples lógica, Jack Miles, ele próprio um cristão, percebe que Deus é um personagem em constante auto-conhecimento, que passa a aprender com a sua própria criação. Até a própria moral ainda não existia para ele, já que a única proibição que impôs ao homem era a de comer o fruto da árvore do conhecimento.

A morte só é percebida por Deus como algo imoral quando Caim mata Abel. Os atos dos homens fazem com que Deus defina o que é errado e não antes pois matar não era proibido. Idem para os episódios de Sodoma e Gomorra e da Torre de Babel. Não havia proibição alguma de que os homens agissem como quisessem. Os homens, pelos seus atos, incultem em Deus as noções de certo e errado, justo e injusto, moral e imoral. Não é Deus quem ensina aos homens, mas o contrário.

Os atributos de Deus vão, ao longo da historia da Bíblia, se descortinando. Ele mesmo descobre a sua própria vaidade infinita quando submete o bom e justo Jó a inúmeros tormentos apenas para provar seu próprio poder a Satanás. E mais do que descobrir-se vaidoso, Deus se irrita quando Jó questiona seus motivos.

Jack Milles sintetiza a personagem Deus como uma criança grande, dotada de poder absoluto, que criou e realidade e o homem para descobrir a si mesmo e que, no final da jornada, não gosta nenhum pouco do que descobre.

Após Deus criar o homem à sua semelhança, ele dá à sua criação o poder de dominar todos os animais, fecundar e multiplicar. O homem assumiu, desse modo, não somente a imagem de Deus como também seu poder de dominar e até mesmo de criar novas imagens de si mesmos. Os filhos não se parecem com os pais? Deus criou um novo tipo de criador.

Ele não cria a humanidade por outra razão a não ser o fato de que precisa dela. Ele não precisa de um irmão, de um servo, de uma amante. Ele precisa de um espelho. Ele está inteiramente só, sem vida social ou afetiva. Não tem família, amigos, companheira. Nem sequer um animal de estimação.

Estamos no Jardim do Édem. Deus cria sua primeira proibição e ela é rapidamente violada. A serpente, uma das criações de Deus, subverte a ordem e induz a mulher a comer o fruto proibido. O criador da serpente é obrigado a se responsabilizar pelos atos dela. No politeísmo, um deus culparia outro, mas no monoteísmo isso é impossível. Deus experimenta então seu primeiro arrependimento.

A lógica mostra que se o homem falhou o sucesso de Deus na criação não foi completo. A próxima emoção enfrentada por Deus após o arrependimento é o sentimento de vingança que é tão violento que ele se contradiz em relação ao que anunciara antes: não mais o homem fora feito à sua imagem e semelhança, mas viera do pó e não de uma palavra da sua boca. Ele está envergonhado. A vergonha é um sentimento dirigido a sim próprio, mas a vingança recai sobre a criação. Deus age com paixão e não demonstra qualquer sentimento de compaixão até aqui. Ele está aprendendo com os atos humanos.

Mas eis que Deus experimenta o arrependimento do arrependimento e ao expulsar o primeiro casal do paraíso, ele próprio os veste. Se ele pune o casal com o suor do trabalho e as dores do parto, porque se preocuparia em vesti-los? Porque não deixou que eles próprios confeccionassem suas roupas? Provavelmente porque sabe que tem responsabilidade no que aconteceu. E como um pai, ele não dá simplesmente as roupas, ele próprio veste o casal.

A interpretação do pecado não surge da descoberta da própria nudez, mas do reconhecimento do desejo, conhecimento que não existe em outros animais. Deus havia criado criaturas com desejo de procriar, mas sem a vergonha do conhecimento desse desejo. Ao vê-las, repentinamente envergonhadas desse desejo recíproco de reprodução, Deus percebe que também ele se envergonha do proprio desejo da criação. Ao cobrir as vergonhas do casal, cobre sua própria vergonha. Que personagem fascinantemente complexo e simples é Deus.

Jack Miles faz uma interessantíssima analogia da figura da serpente com os bobos das cortes européias e asiáticas. Bobos, ou bufões, eram criaturas especiais, os únicos funcionários que tinham o direito de dizer aos reis a verdade. Eram como consciências reais e viviam imersos nas tramas e sub-tramas do poder, expondo o caráter ridículo dos poderosos. Sofriam castigos físicos, mas sua importância era inegável e estavam sempre prontos para continuar a dizer a verdade mais perigosa.

Deus mentira a Adão e Eva e a serpente provou isto. Deus proibiu o casal de comer o fruto do conhecimento, alegando que eles morreriam se o fizessem. A serpente mostrou que não era verdade e eles não morreram ao desobedecerem a ordem divina. Adão e Eva não viveriam para sempre, mesmo que não comessem o fruto proibido. Deus não os deixaria viver para sempre, mesmo que isso facilitasse sua ordem de crescer, multiplicar, encher a terra e subjugá-la. Ele os enganou pois não queria uma humanidade que se considere, como ele, imortal. Sua criação já era, por demais, semelhante a ele, multiplicava-se como ele, dominava como ele. Viver para sempre era pedir demais. Comendo ou não a maçã, foi a serpente quem disse a verdade.

19.7.09

Deus uma Biografia - 2ª parte


Conforme disse em artigo anterior sobre Deus uma Biografia, livro de Jack Miles, considero uma grande sacada da obra a análise da Bíblia como uma obra literária e de Deus como seu personagem principal. Para o autor, a personalidade de Deus vai sendo descortinada nos diversos livros do Velho Testamento, com todas as suas complexidades, contradições e emoções conflitantes, como solidão, orgulho, vaidade, arrependimento e sentimentos de vingança e de ira. A obra tem um gancho brilhante quando vê o personagem Deus em processo de constante auto-conhecimento, aprendendo com sua própria criação, definindo, a partir dos atos humanos, seus próprios conceitos morais.

No Gênesis, Deus ainda não havia proibido nem assassinato nem fraticídio quando se defrontou com o assassinato de Abel. Caim não fora proibido de matar, tal regra moral ainda não existia, e a reação de Deus é de surpresa. Ninguém ainda matara ninguém e Deus não sabia como resolver esse dilema. Como ele não tinha outros argumentos, saiu-se com essas palavras: "A voz do sangue do teu irmão clama da terra por mim". Tal frase revela muito mais uma agitação pela necessidade de justificar uma punição do que uma condenação moral. Afinal, Caim não poderia ser condenado por fraticídio, pois não havia lei sobre o tema. Deus só descobre seu papel de regulador dos assuntos humanos quando se vê obrigado a regulá-los. E ele percebe que o homem é cheio de surpresas que aparentemente ele não previra. Isso, ao contrário de fasciná-lo, o aborrece e intimida.

Como disse no artigo anterior, quando a serpente provou que Deus criara, sob falso argumento, uma interdição para Adão e Eva, sobrou castigo para todo lado. Já quando Caim provou que Deus não criara normas claras de conduta contra o assassinato, o Criador deu um jeito de condenar também Caim, a quem, de fato, jamais fora determinado o papel de guardião do irmão.

“'Stamos em pleno mar e tanto horror perante os céus”, diria Castro Alves. Estamos no dilúvio bíblico e Deus anteciparia a promessa de Luís XV, "Après moi, le deluge”. Como uma criança contrariada, dona da bola, estraga — ou inunda —, o jogo. Vimos a face do Deus criador e agora vemos o outro lado da moeda: o destruidor. Quando ele proíbe o homem de derramar o sangue do outro homem, é porque reivindica este atributo unicamente para si. O homem começa a ver que Deus é capaz de mentir, romper promessas, fazer ameaças e deixar um rastro de destruição. Ele não é somente imprevisível, como diz Jack Miles, mas é perigosamente imprevisível.

Jack Miles ensina: "Em qualquer relato literário um personagem se torna interessante quanto mais sabemos como o seu passado o levou até aquele ponto. A experiência molda o caráter e este determina a ação. Todas as experiências novas de um personagem desenvolvem seu caráter, mas ele já carrega uma bagagem prévia. Deus, como personagem sem passado, sem história para contar, não é literariamente interessante nem coerente. Podemos vê-lo como um recém-nascido".


Muitas coisas escritas no Velho Testamento a respeito de Deus são raramente pregadas em um púlpito, pois, examinadas de perto, seriam um escândalo. Entretanto, mesmo que somente parte da Bíblia seja ativamente pregada, nenhuma de suas partes é, pelos fiéis, contestada.


Durante longa parte do Velho Testamento, Deus depende do homem até para o funcionamento das suas próprias intenções. Se o homem nada desejasse, como Deus poderia descobrir o que quer? Ele prometera ao homem a reprodução ilimitada, mas arrependeu-se disso e inundou toda a terra, matando praticamente todos os animais e plantas e os descendentes do casal original. Com Abraão ele promete uma fertilidade mais restrita e a simbologia da circuncisão é muito mais rica e cheia de significados do que meramente um corte no falo. Deus retira para sim uma parte da potência do homem.

Para o autor, desde o Gênesis até a história de José, a Bíblia é uma narrativa brutal, obcecada com esterilidade, concepção, nascimento, masturbação, sedução, estupro, uroxídio, fratricídio, infanticídio e genocídio. A narrativa se preocupa somente com a reprodução, excluindo quase todo o resto da experiência humana.

Jack Miles questiona porque razão o monoteísmo ético é considerado a grande contribuição judaica para a civilização ocidental. Qual a grande vantagem do monoteísmo em relação ao politeísmo? Considerada uma conquista cultural, não seria na verdade uma vaidade etnocêntrica? Desse modo, deveríamos julgar que somos mais éticos do que os indus por conta do nosso Deus único. Em termos de mortes nada éticas causadas em nome desse único deus em uma história de dois milênios, não ficamos devendo nada aos “não-éticos” politeístas.

Na parte do Velho Testamento em que Moisés conduz os hebreus à Terra Prometida, Deus comanda uma limpeza étnica sem precedentes, agindo de modo mais cruel do que o próprio faraó fizera com os israelitas durante o período de escravidão no Egito. O genocídio dos judeus contra os povos cananeus é um festim de morticínio desumano. Deus superou o faraó que permitia aos judeus professassem sua fé no Egito. Deus não deu aos cananeus a chance sequer de se converterem ou coexistirem com os israelitas. Para eles era a morte ou a morte!

É a partir desses festins de holocausto dos mais de 30 povos cananeus pelos hebreus que Deus passa a exigir rituais de sacrifícios mais elaborados. O termo sacrifício deriva dos radicais ‘sacro' e ‘oficio', (oficio sagrado). Obviamente, não foram somente os hebreus que realizavam essas matanças, pois vários povos acreditavam que isso agradava aos deuses, mas no Velho Testamento essa história começou com o ato de Abel de oferecer esse tipo de presente sangrento a Deus. Até então, Deus não havia dado qualquer instrução em relação a esses rituais. Abel, na realidade, adulou Deus, que passou a gostar dessa bajulação e passou mesmo a exigi-la. Mais uma vez, vemos que Deus age (e reage) de acordo com os atos dos homens.

E começaram as prescrições desde o número exato de bois a serem mortos, como deviam ser sangrados, como recolher este sangue e até mesmo quanto desse sangue devia ser esfregado nas paredes do templo e derramado nos altares. Uma sanguinolêcia sem fim. E por falar em matança, o próprio Moisés, após receber as tábuas dos mandamentos e encontrar os hebreus adorando um bezerro, ordenou que os soldados matassem na hora 3 mil homens do seu próprio povo. Quando Moisés implora a Deus perdão pela idolatria do seu povo, o Senhor fica ainda mais indignado e manda uma peste que completa a miséria enchendo um campo com 24 mil novos cadáveres.

Não é conveniente que essa parte, e tantas outras pouco éticas, sejam omitidas em todos os filmes e relatos edificantes desta história da origem do monoteísmo "ético"?

4.5.09

Criando Sobreviventes


Cuidado com as pessoas que já foram feridas, pois elas sabem que podem sobreviver”. Esta é uma frase-símbolo do excelente filme Perdas e Danos, do diretor francês Louis Malle. Ela se refere à personagem de Juliette Binoche, que, após participar de conflitos que deixam um rastro de destruição, sai de todos eles ilesa. Por isso, alerto: cuidado com os sobreviventes!

Nós temos a tendência a analisar as chagas do mundo sob o ponto de vista individual. Minha família foi ferida, pobre de nós; meus ancestrais foram escravizados, coitada da minha raça; meu povo foi dizimado nos campos de concentração, como sofreu minha etnia.Entretanto, se observarmos sem o individualismo e a ótica do imediatismo, a longo prazo grupos perseguidos tendem a reverter isso ao seu favor. A raça negra sofreu os horrores da escravidão e ainda sofre os seus reflexos, mas é inegável que há políticas de reparação em vigor em vários países como Brasil, África do Sul e Estados Unidos.

Se fosse possível escolher, gerações escravizadas do passado prefeririam não sofrer tal dor mesmo sabendo que no futuro seus descendentes receberiam uma compensação. Seria esse um raciocínio inútil já que é difícil saber o que alguém preferiria em uma situação hipotética como essa? Mas o mesmo raciocínio pode ser projetado para o futuro com deduções menos inseguras. Quem se disporia a sofrer hoje um dano terrível e injusto se soubesse que futuramente seus descendentes seriam reparados? Duvido que haja alguém normal com esse nível de altruísmo.

É paradoxal, mas grande parte dos negros hoje tem pouco conhecimento sobre as misérias da escravidão, não sabendo dela mais do que um branco nas mesmas condições de educação. Como a escravidão ressoa internamente nos descendentes de escravos? Há uma consciência de pertencimento à mesma raça? (ô palavrinha!), uma identificação política, histórica, cultural?

No entanto, existem as cotas. Há políticas afirmativas. Isso traz para a vida prática dessas pessoas a possibilidade de reparação, mesmo que o evento gerador da reparação (a terrível escravidão) não passe de um eco do passado, sem nenhuma reverberação no cidadão negro de hoje.

A educação básica não reforça a identidade negra. A religiosidade de matriz africana, com seus orixás e rituais, mesclou-se ao catolicismo português criando um sincretismo que retirou o caráter tradicional das crenças. Poucos negros sabem se suas raízes são do Congo, Angola, Moçambique ou Sudão. Movimentos negros unificados tornaram-se uma salada de discussões políticas estéreis. Cantos e danças carnavalizados servem mais para os brancos e turistas desfrutarem das batidas afros do que propriamente como expressão da cultura negra. Entre os próprios negros dá-se menos importância a artistas que exaltam a negritude do que àqueles que reforçam a vulgaridade. Por exemplo, enquanto Daniela Mercury reverencia a cultura negra em seus trabalhos, levando o samba-reggae até para o palco do Prêmio Nobel da Paz, Ivete Sangalo entrega-se ao banal e à picardia sem conteúdo, arrastando mais adoradores das classes C e D, no caso da Bahia, majoritariamente composta de afro-descendentes.

É mais fácil defender os sofridos, magoados e injustiçados...Ocorre que esses grupos sobrevivem e saem das situações que os marcaram mais fortes do que quando entraram. Já dizia o filósofo Nietzsche: “O que não nos mata nos deixa mais fortes”. Como esta não é uma tese, não se propõe a decifrar o paradoxo de muitos traços da cultura escravizada terem se amalgamado à cultura da raça escravocrata ao ponto de haver mesmo predominância de elementos do povo dominado como ocorre na culinária, indumentária, no misticismo, na musicalidade etc., mesmo estando tais traços mais difusos no coletivo do que nos espíritos individuais.

Mas isso é o que menos importa quando está em jogo a necessidade da reparação. Obviamente, se mais negros tivessem perfeito conhecimento e completa identificação com a sua origem, com a riqueza da sua cultura, mais força haveria na busca da reparação. O que reforça a tese de que os machucados se curam e se tornam mais fortes.

Recentemente conversava com uma amiga que voltou ao Brasil após anos nos Estados Unidos. Lá, como aqui, também houve escravidão e as políticas afirmativas são mais antigas. No caso norte-americano, a cicatriz racial é mais profunda e há um abismo entre as culturas negra e branca. O negro norte-americano construiu um nicho, com códigos próprios, onde até mesmo uma repreensão a um trabalhador negro por uma falha profissional é encarada como racismo, mesmo não tendo nada de racista. Ou, por outro lado, por causa do passado racista, os negros norte-americanos põem-se em um papel de duplamente intocáveis. Ninguém os atinge.

O escritor João Silvério Trevisan em seu livro Pedaços de Mim pergunta se “A função dos marginalizados não seria justamente, e com toda simplicidade, continuar à margem dos sistemas, sem nenhuma conotação de abnegação e sim buscando no elemento marginal a sua força? O paradoxo encontra-se na sua condição de sombra. Reprimindo, só consegue o oposto: revelar o que estava escondido, trazendo-o à tona de maneira irrefreável, simplesmente porque esconder a sombra é o modo mais indicado de fazê-la manifestar-se. Os derrotados da história têm assim a possibilidade de se vingar, influenciando brutalmente os vencedores”.

Há semelhança com os judeus após o Holocausto. Para não serem tachados como racistas, brancos deixam funcionários negros em paz, não reclamando por ineficiência nos seus serviços e alemães carregam o trauma de terem criado o massacre judeu, trazendo essa mancha que não sai nunca, como o sangue nas mãos de Lady Macbeth, verdadeira nódoa na alma. Os judeus, por outro lado, enriqueceram, e hoje, a pretexto de defesa, dizimam os palestinos. É um povo inteiro sendo massacrado por um velho povo sobrevivente do Holocausto. E estamos sempre criando novos sobreviventes para o futuro.

E já que comecei com uma referência cinematográfica, encerro com outra. No filme Casa de Areia e Névoa, os personagens de Jennifer Connelly e Ben Kingsley são duas pessoas magoadas diante do mesmo interesse. Como lobos feridos, cada um busca se livrar do problema que representa o outro. Como em Perdas e Danos, os que sofreram restam como sobreviventes. O mesmo não se pode dizer dos dois filhos (nos dois filmes os filhos têm finais trágicos) que ficam no meio desse embate (amoroso em um caso, litigioso no outro). Não há lugar para fracos na luta pela sobrevivência. São todos inocentes, mas só quem já foi ferido sabe que pode sobreviver.

29.4.09

Primavera em Nova Yorque - XI


11º DIA
TERÇA FEIRA

Aqui vai o último relatório da minha viagem de 11 dias por NYC. Esses relatórios estão sempre começando com o clima do dia. Agora entendo porque esses americanos são tão preocupados com o clima e a temperatura. Diferentemente dos países tropicais, aqui a gente nunca sabe como o dia seguinte vai ser. Tem dia que faz sol e no dia seguinte chove e faz frio.

Sempre é assim. Hoje foi um dia que começou assim. Chuva e frio. Um bom dia para ficar em casa...mas não estava afim de ficar em casa no meu último dia aqui e museus também são bem quentinhos e eu ainda não tinha ido ao Guggenheim.

O próprio prédio em que o Guggenheim está instalado é uma obra de arte do arquiteto ultra-moderno Frank Lloyd Wright. Paguei 4 dólares como estudante mas infelizmente apenas 2 andares estavam abertos, os demais estavam sendo preparados para próximas exposições.

De qualquer modo havia obras de arte fantásticas como quadros famosos de Picasso (um quadro lindo chamado Mulher Passando Ferro e dá para acompanhar o progresso dele passando por fases diferentes até chegar ao cubismo). Além de vários quadros de Cézanne (como Homem de Braços Cruzados); Renoir (como Mulher com Papagaio); Manet (como Em Frente ao Espelho); Toulouse-Loutrec (como Au Salon); Degas (esculturas e pinturas de bailarinas, a marca registrada do artista); Gauguin (Homem e Cavalo); e Van Gogh (tinha um guarda só para proteger o Van Gogh Montanhas em Saint-Remy). Tinha um Monet fantástico, uma pintura esplêndida que mostrava Veneza. O nome dela: Palácio Ducal Visto do San Giorgio Maggiore. Dava uma vontade louca de saber onde fica esse tal San Giorgio Maggiore que inspirou o artista com uma vista daquela.

Como era cedo, 4:00, e chovia e fazia frio, resolvi voltar ao Metropolitan (dava para ir andando do Guggenhein) pois no dia que fui só consegui ficar no andar térreo e finalmente eu poderia ir ao andar de cima. Mas, infelizmente, o MET fechava hoje as 17:30 (diferente do dia que fui antes que fechava as 9 da noite). Pois então eu teria uma hora e meia. Bem, dei um pequeno golpe dessa vez e não paguei nada, pois percebi que os guardas das portarias nem sempre pedem o ticket.

Como na outra visita, atravessei dezenas de salões, vários dedicados a porcelanas chinesas e várias exposições sobre a arte da Ásia Central, arte budista das regiões da antiga Rota da Seda, passando pelo Afeganistão de 600 antes de Cristo, anterior a conquista de Alexandre o Grande que foi por volta do ano 300 a.C.

Eles têm um palácio de um rei assírio: Ashurnarsipal II, com paredes cheias de esculturas em alto relevo antiquíssimos, ídolos de pedra, arte fenícia com deuses da Mesopotâmia, como Baal, vasos de alabastros cheios de inscrições religiosas, objetos de cerâmica da cidade de Petra, aquela que fica encravada num rochedo na Jordânia, fragmentos de lamparinas e figuras masculinas e femininas, objetos de terracota de Chipre vindos de escavações em tumbas e santuários, arte do Irã, arte da religião do zoroastrismo, da Pérsia do período de Ciro, Dario e Xerxes, dos Hititas, arte islâmica com aquela característica temática floral e com arabescos. Arte da Índia com centenas de estátuas de Buda e deuses como Shiva, Ganesh, Vishnu, Parvati, Brahma...esculturas do Nepal, Tibet, China e Japão...

Tem um enorme jardim japonês lindo lá dentro. Aliás, tudo muito explicado. E tapeçarias e objetos de decoração orientais. Saindo dessa parte mais antiga a gente entra numa ala que tem centenas de desenhos desde os anos de 1.500, 1.600...São tão frágeis que ficam pouco tempo em exibição pois não podem pegar muita luz...São muito especiais.


Há uma ala dedicada a Espanha dos séculos 16 a 18 com vidros, ouro, prata...provavelmente esse ouro e essa prata que embelezavam os mosteiros e igrejas espanholas tenham vindo do Brasil e da América Latina explorada pelos europeus para isso.

E na área de arte moderna, centenas de fotografias e arte conceitual de 1974 a 1984...muito moderno demais para meu gosto, conceitual demais mas museus tem que ter isso.

Tinha uma exposição especial de desenhos com varias técnicas (De Rafael a Renoir)...Esculturas diversas de Rodin e vários outros escultores importantes em uma ala monumental. Um artista novo chamado Damien Hirst que pega animais e os expõe conservados em uma espécie de formol. É bem atual e caríssimo. No MET eles tem um tubarão inteiro desse cara. Um tubarão de verdade que foi conservado em um tanque transparente com um produto gelatinoso e meio transparente. Uau!

E eles têm centenas de Picassos, Dalis, Matisses, Edward Hopper, Mirós, Andy Warhol, Jackson Pollock, Modiglianis, Chagal, Georgia O`Keeffe...acho que vou parar por aqui pois não tenho como descrever mais sem parecer repetitivo.

O dia foi produtivo. A viagem foi incrível. Foi bom fazer o relatório e receber as respostas dos destinatários. Ajudou bastante, pois viajar só tem vantagens e desvantagens e não ter com quem trocar ideias é uma delas. A internet ajuda nisso.

Foi ótimo! Até o Brasil

Primavera em Nova Yorque - X

10º DIA
TERÇA FEIRA

Volto para o Brasil na quinta-feira de manhã, portanto hoje foi meu penúltimo dia aqui. E uma sensação bem estranha porque ao mesmo tempo em que adoro, começo a me sentir meio desconfortável. Passo o dia inteiro caminhando e essa cidade e muito grande e como acho que não existe no mundo uma pessoa mais desorientada do que eu, esta ficando meio complicado me perder o tempo todo. Meu senso de orientação é o pior que existe e mesmo com o guia e o mapa na mão eu consigo sempre, sempre, sempre seguir na direção errada.

Hoje conheci um museu incrível aqui mesmo no Queens que e o American Museum of Moving Image. Para quem não sacou e um museu totalmente dedicado ao cinema. São 4 andares inteiros, mas como estão em reforma, só dois estão funcionando.

É uma viagem pela história do cinema, as primeiras câmeras, aparelhos de gravação, os antigos e enormes aparelhos de tvs que eram moderníssimos para a época, as roupas que vários artistas usaram em filmes famosos (Dos atores de Chicago, Sansão e Dalila, Um Tira da Pesada, Uma Babá Quase Perfeita...), a história da animação com os primeiros filmes animados...tudo explicado com fotos e textos didáticos. Tem estúdios onde a gente se vê em croma key como se estivesse num incêndio ou num canal do tempo interagindo com telas virtuais.

Há centenas de capas de revistas de cinema desde 1911, originais. Paredes inteiras com fotos de inúmeros diretores, atores e atrizes de cinema dos EUA e do mundo todo, além de sessão de efeitos especiais, maquiagem, perucas...um monte delas. Há também sessões sobre as primeiras series de tvs americanas desde 1955, além de quase metade de um andar sobre a musica no cinema.

Dá para a gente sentar, por o head phone no ouvido e ouvir dezenas de grandes trilhas sonoras importantes e ler na tela a história dos compositores e regentes das orquestras. São as trilhas originais de filmes como os de 007, Star Wars, Star Trek, La Doce Vita, O Manto Sagrado, Ben Hur, músicas dos filmes de Felini, Hitchcock, compositores como Ennio Moricone, Nino Rota, Quince Jones e ate Tom Jobim (Orfeu Negro)...Tem as capas dos discos de vinil das trilhas sonoras, inúmeras.

Uma coisa que me encantou foi a sessão sobre os souvenires dos filmes. Contam tudo, desde os primeiros filmes que começaram a comercializar bonecos que foi Mickey Mouse de Disney que lucrou bilhões de dólares. Depois dele todo mundo fez o mesmo e a gente acompanha os primeiros produtos vendidos como bonecos em miniaturas, chaveiros, marionetes, copos, xícaras, carimbos, bonecos de louça bem simples no começo, escovas de dente, relógios. De tudo e de todo mundo. De Shirley Temple, Os 3 Patetas, Jerry Lewis, os bonecos de ET vestido de mulher como no filme, todos os tipos de miniaturas dos filmes Guerra nas Estrelas e Jornada nas Estrelas. Tem uma parede enorme de todos os personagens de Star Wars.Todo tipo e a gente acompanha a evolução da qualidade desses produtos..E tudo que e boneco de desenhos de tv.

Quem gosta de cinema como eu ficaria louco com esse museu que funciona numa área do Queens onde há grandes estúdios de cinema e tv. Aqui do lado da casa de Allan ficam os estúdios onde foram filmadas séries como Os Sopranos, Sex and The City e muitos filmes famosos. E estão ativos o tempo todo filmando novas séries.

MOMA










Primavera em Nova Yorque - IX


9º DIA
SEGUNDA FEIRA

Esse clima dessa cidade É realmente louco. No sábado fez um sol ótimo, ao ponto de eu sair o dia inteiro de bermuda. Ontem, domingo, fez um pouco de frio, mas não choveu e hoje choveu o dia inteiro com um frio grande. Não sei como ainda não peguei um resfriado.

Domingo foi o dia das compras aqui. Segui a dica de Allan e fui a uma loja enorme que tem na 9ª avenida. Uma loja onde todos os funcionários são judeus e por isso ela não abre no sábado, mas no domingo. A tal loja é gigante mesmo, com tudo que se possa imaginar em termos de computador, fotografia e música. Se a pessoa quiser comprar um estúdio inteiro de fotografia tem lá até o quarto escuro completo para revelação.

Comprei um notebook, um I-pod e um adaptador para o cartão de memória da minha câmera. Assim poderei mandar as fotos por e-mail. Perguntei a um funcionário quantas pessoas trabalham lá e ele me disse que tem dias que tem 500 funcionários. Todos judeus ortodoxos com aqueles cabelinhos trançados dos lados da cabeça e o quipás no cocoruto. E o atendimento e muito bom. Esses caras sabem mesmo ganhar dinheiro.

Hoje, segunda-feira, a maioria dos museus esta fechada, mas o MOMA (Museu de Arte Moderna) está aberto e dediquei a tarde a isso. Primeiro, fui num museu que pertence ao MOMA aqui mesmo no Queens (P.S.1) ao lado da casa do Allan. Esse e um museu muito diferente. Na verdade é todo dedicado à arte contemporânea com diversas salas com exibição de vídeos e fotografias. O prédio tem um estilo muito moderno, com espaços grandes e pátios para exposições de obras gigantescas, dessas bem contemporâneas e é todo revestido de concreto aparente sem pintura por fora e por dentro todo estilo rústico com escadas de ferro que levam aos andares e paredes com grafismos. Paguei apenas R$ 2 dólares

Depois fui ao MOMA mesmo, que fica na 5ª avenida com a Rua 53. Tem uma estação do metrô quase exatamente em frente e não precisei trocar de linha, pois uma das linhas pára quase aqui na frente da casa de Allan.

Depois de museus dedicados a arte medieval, clássica e antiga, foi realmente muito diferente ir a este museu de arte moderna. Já havia estado lá há 9 anos, mas desta vez aproveitei mais, apesar de ter ficado somente 1 hora e não ter dado para explorar todo ele. O MOMA fecha as 5:30 e cheguei lá as 4:30. Estava lotado porque, afinal, os outros museus fecham todos na segunda e todo mundo resolve ir no dia de hoje.

O MOMA tem mais de 100 mil obras de arte moderna. Desde peças de design e esculturas a pinturas e fotografias. Várias exposições diferentes como a de um artista oriental chamado Sam Hsieh. Em uma grande sala a gente vê 365 fotos dele tiradas por um amigo que acompanhou o processo dele de ficar 1 ano inteirinho dentro de uma jaula sem falar com pessoa alguma e sem sair. Tem a jaula onde ele ficou e as fotos desse período. O tal amigo não falava com ele, apenas fotografava e levava comida e recolhia o lixo.

Nas fotos, a gente acompanha o processo todo, o cabelo crescendo, ele tomando banho na jaula...Esse mesmo artista ficou 1 ano inteiro ao ar livre. A experiência consistia em não se abrigar em nenhum lugar coberto nesse tempo todo. E tem uma outra performance dele que consistia em ficar amarrado a uma amiga por 1 ano inteiro também sem falarem um com o outro sem se separaram por sequer 1 minuto em um ano.

Vi diversas obras de Picasso, Diego Rivera, Matisse, Cézane, Van Gogh, Chagal, Andy Warholl, Leger...inúmeras fotografias modernas, uma ala dedicada a arquitetura moderna com maquetes de vários arquitetos famosos como Burle Marx e Frank Llloyd Wright...projetos que eles fizeram que são tão modernos que alguns nem foram executados ainda. Quem gosta de fotografias adoraria o MOMA e também quem gosta de arquitetura, design moderno, desenhos, arte moderna em geral. E cinema? O museu tem uma coleção de mais de 20 mil filmes. Hoje, muitos diretores doam cópias dos seus filmes para o acervo do museu.

Não estou mais dormindo na casa de Allan desde ontem. Ele recebeu dois novos hóspedes e eu me mudei para o apartamento de cima que pertence a um casal bem jovem de gays super simpáticos (Kevin e Chad). Um deles é ator e outro diretor de teatro. Eles têm dois gatos, mas ainda não fiz amizade com os dois bichanos, ao contrario do doberman de Allan, Roland, que ficou meu amigo.O apartamento de cima e bem mais moderno e os donos têm um ótimo gosto para decoração. Tudo é bem mais novo do que no apartamento de Allan.

Descobri que os gatos de Kevin e Chad me odeiam.

28.4.09

Primavera em Nova Yorque - VIII


8º DIA
DOMINGO

Preciso descrever melhor o que fiz na sexta e no sábado. Na sexta, como falei, passei 5 horas explorando o acervo do Metropolitan, mas no final da expedição eu ainda não tinha saído do andar térreo. Não explorei o andar de cima nem o jardim que eles têm no telhado que abre-se para o Central Park e que tem exposições variadas. Estive lá em 1998 mas isso já tem 11 anos. Será que da para voltar ainda nessa viagem? Não sei. Tem tanto pra ver ainda.

Depois de 5 horas caminhando como um lunático pelos salões do MET, precisava urgente ter uma perspectiva mais natural e o Central Park estava logo ali do lado....Foi uma excelente opção.
O sol estava ótimo, nem um pouco frio, sem vento...uma delicia. Só notei que estava exausto quando encontrei um lugar perfeito para deitar na grama. A coluna vertebral gemeu de prazer e me estiquei como meus gatos Trappinho e Sushi fazem a cada 10 minutos...Os pés agradeceram e a espinha dorsal idem.

Eu não estava com pressa alguma depois de 5 horas caminhando. A descrição que vou fazer agora pode parecer poética demais mas estou sendo 100% realista.

Lá estava eu, deitado na grama, sob a sombra de um enorme carvalho. O sol passava pelos galhos e folhas facilmente e deixei o rosto pegar aqueles raios de sol quentinho. Havia esquilos passando do meu lado, vários tipos de passarinhos, pois é primavera agora e várias arvores estão floridas. O perfume do lugar é delicioso. Pertinho de mim dois caras tocavam violão. Acho que eram músicos e estavam sem pressa também, fiquei ali ouvindo os violões o tempo todo.

Do meu outro lado, um casal jovem lia dois livros deitados na grama, um no colo do outro. Não havia confusão ali naquela parte bem atrás do MET. Um caminho perto era usado por corredores e ciclistas. De vez em quando aparecia um casal de velhinhos para tirar fotos. Poucas crianças, enfim.

Esse lugar incrível, um oásis de tranqüilidade fica exatamente atrás do MET. Ali há um grande monumento importante, feito de um único pedaço imenso de pedra, um monólito de granito chamado Agulha de Cleópatra.

Trata-se de um enorme obelisco feito no Egito há mais de 3.500 anos e trazido para os EUA na década de 1930 em uma história cheia de aventuras e detalhes.De longe, é o objeto mais antigo feito pelo homem no Central Park.Vale a pena ler a história desse monumento. Ele ficava originalmente num porto de Heliópolis, às margens do Rio Nilo no Egito e foi trazido para cá apos ter sofrido muitos ataques dos persas e de outros povos, Além de ter sido roubado pelos romanos no tempo do imperador Augusto, que o levou para Alexandria. É um milagre que não tenha sido destruído totalmente..Até terremoto ele atravessou no século 18.

Sua base original se perdeu na primeira remoção pelos romanos que reconstruíram uma base nova feita com quatro enormes caranguejos de bronze para segurar o monumento. Esses caranguejos originais também se perderam em uma das remoções. Duas das bases originais (pedaços dos caranguejos) estão preservadas no MET na ala egípcia.O obelisco tem quatro faces e é cheio de inscrições de hieróglifos com traduções em inglês em placas de bronze no chão.

O obelisco foi construído pelo Faraó Tutmosis III e a remoção para os EUA foi complicadíssima. Ele 18 metros de altura e 220 toneladas e veio em um navio especial que sofreu tempestades no mar e que quase afundou. Imagino a perda que seria. Uma história e tanto.

Depois desse delicioso descanso explorei mais um pouco essa parte do Central Park onde já tinha estado no domingo passado quando cheguei a NY. Fui ao Belvedere Castle que e um castelo (tem vários filmes onde ele aparece) construído ao lado de um grande teatro onde no verão são apresentadas diariamente pecas de teatro de Shakespeare grátis, com atores famosos.

Depois passei por um jardim especial dentro dessa área chamado Shakespeare Garden onde há inúmeras plantas e flores que são citadas nas obras de Shakespeare (vi um jardim desses no Golden Gate Park em São Francisco). Estava florido com tulipas de várias cores.

Estava perto do final do dia e o sol ainda estava perto do horizonte. Fui andando para ver se me perdia, pois o parque é gigante. E qual a minha surpresa quando de fato me perdi numa parque do parque que e a mais selvagem. O Central Park foi todo projetado, mas nessa parte, chamada The Ramble, ele fica meio esquisito parecendo um labirinto. As árvores são altas, a cidade e a linha dos prédios se perdem e os caminhos são sinuosos com pontes, lagos, rochedos...fiquei com um pouco de medo porque mesmo tentando me reencontrar e com o guia eu não estava conseguindo me orientar. Apesar de dizerem sempre que o parque não e mais perigoso, naquele lugar especificamente ele fica bem complicado.

Mas acabei me orientado e saí do outro lado onde havia novamente uma ciclovia e descansei num café charmoso onde reabasteci minha cafeína e minhas calorias gastas. Nessa hora foi bem mágico porque o sol estava se pondo, obviamente não dava para ver o sol, mas o horizonte no céu atrás da linha de préedios do lado oeste do Central Park estava todo cor de rosa. À minha frente tinha aquela multidão de árvores floridas, um belo lago, mais árvores e lá na frente os prédios de Manhattan. Uma perspectiva plástica e artística de tão perfeita. A natureza e as obras feitas pelos homens em total harmonia. Só que tem um detalhe: todas aquelas árvores foram plantadas ali. Todas as milhões de árvores foram plantadas exatamente para criar esse aspectos visual. A história do Central Park é interessantíssma e levei para o passeio, emprestado de Allan, um livro ótimo que conta toda a história da construção do parque.

Para quem não conhece o Central Park não da para descrever em poucas palavras. Ha livros inteiros so para contar a história do parque que tem quase 900 hectares, foi inaugurado alguns anos antes de 1900 e começa na rua 59 e vai ate a rua 110 (isso dá mais de 50 ruas) Vai até o começo do Harlen e para explorá-lo minimamente precisa-se de dias. Em termos de largura ele equivale ao espaco que separa três grandes avenidas, da 5ª à 8ª avenidas.

Por isso, no sábado, voltei lá com Allan que conhece muito bem o lugar. Sábado foi, como dizem os ingleses: "A Glorious Day". A temperatura estava em 29 graus e pela primeira vez desde que cheguei usei uma bermuda o que foi ótimo, pois se estivesse de calça comprida ia sofrer com o calor que fez.

Atravessamos a pé a ponte do Brooklin, o que foi ótimo, porque eu nunca tinha passado por ela, exceto por baixo quando cruzei o Rio East no barco do passeio da quarta-feira. Dessa vez não esqueci de levar a máquina e se não consegui tirar uma foto de baixo dela, dessa vez consegui tirar varias fotos de cima. É uma ponte famosíssima, aparece em vários filmes e vale a pena ler a história dela pois a sua construção foi mesmo uma grande aventura, como a do Central Park.

Atravessando a ponte saímos do Brooklin e estávamos em Manhattan.Começamos a tarde com um brunch por volta das 3 horas num lugar do Chinatown que parece um palácio dedicado a comida. Lembrei dos hotéis de Las Vegas onde servem por pouco dinheiro toda a comida que você conseguir comer.Quem vê aqueles chineses comendo o tempo todo nos filmes pode ter uma ideia do que estou falando. Nós fomos lá exatamente porque a comida e boa e barata e em grande quantidade. Você come o tempo todo uns bolinhos do tamanho de um punho feitos no vapor com todo tipo de recheios: peixe, porco, frango... São chamados Dim Sum. E ainda tem mariscos, camarões gigantes, vegetais, molhos, chás e um monte de comida que eu não conhecia e fui experimentando de tudo.

O lugar e imenso com mais de 100 mesas repletas de pessoas comendo e servindo o tempo todo. Allan adora esse lugar e passear com ele e como ter um guia particular, pois ele me mostrou todo tipo de coisa interessante como as praças e ruas e edifícios históricos.
Depois passeamos pelo Little Italy, onde há grande colônia de imigrantes italianos e, como no Chinatown que fica colado, há muitos restaurantes étnicos. Estive no ano 2000 aqui durante a festa mais importante que eles fazem e que dura uma semana em homenagem ao santo padroeiro deles que é San Genaro.

Seguimos para o Central Park como já falei, mas na parte em que ele fica no Harlem que e totalmente especial com centenas de cerejeiras florindo na primavera...um escândalo de lindo. Não da para descrever. Só vendo.

Primavera em Nova Yorque - VII


7º DIA
SÁBADO

A sexta-feira foi o dia mais bonito até hoje nesses 7 dias de NY. Foi bom acordar mais cedo para poder aproveitar bem.

O dia todo foi dedicado ao Museu Metropolitan e ao Central Park. Obviamente, não foi possível percorrer nem metade do MET nem um décimo do Central Park.

Cheguei ao Metropolitan as 11:30 e fiquei lá atá as 16:30. Foram 5 horas de caminhada dentro deste que é um dos maiores museus do mundo. Não dá para descrever nem de longe o que é o MET. Simplesmente grandioso, espetacular, atordoante. Um prédio monumental na 5ª avenida e ao lado do Central Park. Quando se entra nele, já se é envolvido por uma atmosfera diferente de arte.

Eles têm centenas de salas, pátios, salões, corredores, jardins...No começo, segui de algum modo o guia, mas teve uma hora em que me perdi. O pior é que eu não sabia se estar perdido era uma boa opção porque assim eu poderia perder muita coisa.

As salas se abrem como labirintos enormes e se veem coisas absurdamente lindas. A princípio, devo dizer que a gente paga o preço que quiser. Eles sugerem algo como U$ 10 a U$ 12 para adultos, mas eu paguei U$ 6. Na Frick Collecion paguei U$ 5 e no The Cloisers (que pertence ao MET) paguei U$ 5 também.

Tem que se começar a caminhada pelo MET por algum lugar. Basicamente, a gente entra pela ala de arte grega e romana ou pela ala egípcia e cada uma delas é um mundo inteiro à parte. Têm de tudo, literalmente, e muito bem explicado com painéis, textos e descrições de cada artefato. Você pode ainda alugar por 20 dólares um audioguia, mas não tem disponível em português.

Na parte da arte grega, por onde comecei, inicia-se pelo período pré-histórico da Grécia, com os primeiros objetos de arte de 3.000 antes de Cristo com destaque para as gordas figuras femininas de pedra, com grandes seios e nádegas, como a representação da fertilidade. Nesse período não tem quase figuras masculinas. Andando de sala em sala a gente acompanha a evolução da Grécia e da arte deles, acompanha o período da arte de Creta (minoana), do apogeu de Micenas, com centenas e centenas de joias, ânforas, cerâmicas, objetos de bronze, mármore, caixões de terracota, talismãs de ágata e pedras semi-preciosas daquela época fantástica.

Passamos por todo o apogeu do primeiro período grego, pela evolução de Atenas, pelas guerras, pela história da filosofia, da religião, centenas e centenas de estátuas de deuses e heróis. Tudo muito conservado. Fico imaginando que essas coisas todas foram trazidas para cá, compradas a preço de banana ou roubadas...mas se tivessem ficado nos seus lugares originais quem sabe se teriam sobrevivido? Tantos deles foram destruídos, o que é um pecado...

Acompanham-se o período em que começaram a ser cunhadas moedas. Tem uma coleção imensa das primeiras moedas da Lídia antes da conquista da região pelos Persas. Tem toda a história da navegação grega pelo Mediterrâneo com a fundação das colônias gregas nas regiões do Mar Morto, Mar Negro etc.. A arte de Corinto, braceletes de ouro, alfinetes de prata, estátuas de sereias, leões, grilfos, esfinges, hidras, centauros...milhares de animais e tudo com muitas explicações e significados simbólicos.

São fragmentos da história da arte em todas as suas etapas. Tinha uma sala enorme só dedicada ao vinho, com ânforas de todos os tamanhos. O vinho tinha um significado importante na vida dos gregos. Ali havia os Simpósios que eram reuniões em que os homens conversavam, se socializavam, discutiam política e filosofa, ouviam musica, declamavam poesias e até faziam sexo (com outros homens ou com mulheres). E o vinho tinha uma importância capital nessas reuniões. Havia até uma regra para a diluição do vinho com partes de água, pois beber o vinho puro sem diluir era considerado um costume bárbaro.

E passa-se pelas guerras, pelo comércio. Centenas de estátuas sem cabeças e cabeças de estátuas sem os corpos, mostrando o que esses objetos passaram ate chegarem aqui. Muitos foram vandalizados nas guerras de conquistas entre eles, saques, piratarias. Essa região possuía muitas minas de mármore e os artistas eram muitos e talentosos. Passa-se pelo período de ouro de Atenas, a era de Péricles ate o declínio após as guerras contra Esparta...

Atravessam-se diversas salas com arte romana. Eles trouxeram paredes inteiras de vilas romanas soterradas pelo Vesúvio próximas a Pompéia, descobertas em escavações. Não são réplicas. São as paredes originais mesmo. Mostra-se o luxo de Roma onde os patrícios, imperadores e suas mulheres usavam sedas da Ásia, pérolas da Britânia, âmbar, esmeraldas, safiras e diamantes. Tudo trazido dos lugares dominados pelos romanos nas suas conquistas pelo mundo.

Além das salas, que já são grandes, há diversos salões gigantes, com tetos altíssimos, abóbadas, corredores larguíssimos, colunas e centenas de estatuas de mármores. Depois entra-se na parte da arte da Oceania onde há predomínio de objetos menos nobres como madeira, palha e fibras com máscaras de rituais religiosos e ídolos de ferro. Depois tem a parte da arte pré-colombiana, com muito ouro e prata do Peru e México antes da conquista pelos espanhóis. Mas eu não sou tão fã dessa parte como da Grécia e Roma.

Tem a parte da arte africana, com os deuses antigos, tudo muito rústico, mas cheio de simbolismo. Passa-se pela parte da arte medieval que é um escândalo. Centenas de estátuas e tapeçarias, imagens de papas, santos, histórias clássicas, retratadas como as lendas gregas. Também há a parte da arte do barroco e do renascimento italiano. Fantásticas esculturas de bronze. Tantas que não se sabe para onde olhar.

Os meus pés, a essa altura, estavam me matando e já estava com fome e ainda não tinha chegado à metade do primeiro andar. Menos de 1/4 do museu. O estômago e os pés mandaram que eu descansasse e almoçasse lá mesmo no MET. Foi uma pausa necessária e providencial para seguir a viagem.

Tinha uma exposição especial (essa parte não dava para fotografar mesmo sem flash) "Esculturas de Bronze da França - Da Renascença à Revolução". Um absurdo de linda. Como podem esses artistas fazerem coisas tão perfeitas assim, os detalhes são incríveis. Não tem palavras para descrever.

Tinha uma parte enorme separada com tetos e paredes de vidros de onde se via o céu e o próprio Central Park, com estatuas de Rodin, como Os Burgueses de Calais. Não são reproduções, mas cópias dos originais feitas e numeradas pelos próprio artistas. Os Burgueses de Calais (a estátua e o fato que a inspirou) tem uma história muito interessante. O original está na cidade de Calais, na França, que não conheci, mas vi uma versão no museu Rodin em Paris e uma outra que fica no parque ao lado do Parlamento em Londres. E vi também quando eles expuseram em São Paulo as obras de Rodin.

Nesse grande salão de esculturas tem muitas outras estátuas de bronze e mármore como o Hércules Arqueiro, de Antoine Bourdelle. Vi uma das cópias na Recoleta, em Buenos Aires, outra cópia no Museu D`Orsay de Paris e a estátua original no próprio Museu Bordelle, em Paris, na casa onde o artista viveu.

Há uma ala imensa com pinturas de El Greco, Goya, Velásquez, Ingres, Van Gogh, Chagal, Picasso, Matisse, Gauguin..... O que é aquilo???Todas as pessoas tinham que conhecer isso!!!

Há dezenas de salas de arte decorativa, o que não dá para imaginar o que é. São simplesmente salas inteiras como elas eram nos séculos 18 e 19. Inteirinhas com mobiliário, tapetes, lustres, pisos, paredes, objetos decorativos, espelhos enormes. As salas são totalmente originais com as histórias todas contadinhas. Nem dá para a pessoa andar por dentro dela direito, pois é tudo original. Tem sofás, camas, cadeiras. Tudo!!!

Meu amigo Beto, que adora espadas de samurais, iria ficar encantado com uma ala inteira dedicada a arte medieval japonesa. Tem dezenas e dezenas de espadas de metais ou marfim e armaduras e máscaras de samurais e shoguns com os cavalos inteiros e tudo. Tudo explicado com as histórias das dinastias japonesas.

E, logicamente, dezenas de armaduras medievais europeias que pertenceram de fato, na Idade Media, a vários reis, duques e nobres cavaleiros da França, Inglaterra e Alemanha. Tem um conjunto inteiro de cavalos com armaduras e seus cavaleiros com trajes completos de ferro.

Saindo dessa primeira ala do térreo, pode-se entrar na segunda ala do museu que é a ala egípcia. Simplesmente maravilhosa. Sarcófagos, pinturas, papiros, tumbas inteiras, milhares de estátuas de deuses e deusas egípcios, de nobres de todas as épocas até da época em que o Egito foi dominado por Roma...Uma coisa que não acabava nunca. Eles têm o Templo de Dendur, que e um tempo inteiro trazido do Egito antes da represa de Assuam cobri-lo pelas águas. É o museu que tem mais objetos do Egito após o museu do Cairo.

Vou parar por aqui mas preciso antes dizer que após sair do Metropolitan passei horas preciosas no Central Park. Mas isso fica para depois.

Primavera em Nova Yorque - VI

6º DIA
SEXTA FEIRA

Esse relato de hoje difere dos demais porque está sendo escrito pela manhã. Hoje acordei mais cedo do que nos dias anteriores pois tenho saído de casa sempre depois do meio-dia quando o frio diminui um pouco e o solzinho esquenta mais. Mas hoje faz um sol lindo e, apesar do frio, vou sair mais cedo para aproveitar mais e, portanto, deixo alguns registros aqui.

Viajar sozinho tem várias vantagens, mas para mim, que sou tagarela e ansioso compulsivo, a desvantagem é não ter com quem discutir as coisas vistas. Então, a internet serve como forma de comunicação bem eficiente para alguém como eu.

Tem várias coisas que tenho observado e uma delas é o comportamento das pessoas. Aqui eu fico sem saber se detesto mais os diálogos rapidinhos e chatos dos diversos latino-americanos de todas as nacionalidades e o mesmo insuportável espanhol de carreirinha, ou se detesto os asiáticos, com suas famílias, e a mesma linguagem rapidinha e em voz alta. E já que estou no parágrafo em que falo mal das pessoas, vou incluir os esnobes franceses com seus pufffs puffs vocais e os bobos italianos. Gosto mesmo dos alemães, judeus e russos. E os meus preferidos: os negros e as negras americanos com aquelas conversas cheias de gírias e suingue, quase uma dança de tanto que mexem os pescoços, mãos e cabeças quando falam. Pronto. Já pode me chamar de colonizado. E olhe que nem falei dos brasileiros, pois quase não chamam a atenção aqui.

Por falar em brasileiros, somos mesmo uns bostinhas na visão dos americanos. Não se encontra nenhum guia em português em nenhum museu. Nem guia escrito nem audioguias. Tem em francês, alemão, italiano, espanhol, chinês, russo, japonês...mas português necas. Por que será? Só pode ser porque não dá dinheiro, pois os americanos só fazem tudo com o pensamento no dinheiro. Quer dizer, deve ter pouca gente reclamando da falta de guias em português ao ponto de que eles nem sequer pensam na possibilidade de imprimir na nossa língua.

Outra coisa que me chamou a atenção foi a insistência das famílias em levar as crianças para os museus. Até entendo que em museus como o de História Natural, isto faz sentido porque tem muitos atrativos para as crianças como animais, meteoros, dinossauros etc, mas em um museu como o The Cloisters, que fui ontem, onde só tem esculturas, vitrais, arquitetura, tapeçaria e arte medieval...qual o interesse daquelas pestes nisso? Eles só ficam correndo e gritando, arriscando destruir uma obra de arte de antes do ano 1.000. Tinha objetos e pinturas lá de dos anos 800 e 900.

Tudo bem que podem dizer que esse é um modo de introduzir o mundo da arte para a criançada mas, quer saber?, acho que nem as crianças nem os adolescentes vão lembrar de nada depois. Acho que é mais uma besteira dos pais para não se sentirem culpados. Talvez não tenham é onde deixar os filhos quando vão aos museus.

Quer saber mais? Tinha uma mulher com dois meninos cegos. Posso estar sendo preconceituoso, mas fiquei com um medo horrível daqueles dois ceguinhos destruírem uma escultura daquelas que para chegar naquele lugar atravessou incêndios em castelos, batalhas e revoluções, intrigas e golpes palacianos, intolerância e ignorância religiosa. Tudo isso para receber uma bengalada de um ceguinho de 10 anos?

Ontem não esquecei a minha câmera, como aconteceu anteontem. Não sei o que teria feito sem ela para registrar as coisas lindas do The Cloisters. Só esqueci mesmo no Brasil foi o cabo da máquina. Daqui a pouco a memória vai estar cheia e não vou ter como descarregar. Vou ter que dar um jeito de encontrar um cabo por aqui. Assim posso encaminhar as fotos por e-mail.

Estava pensando que se eu fosse uma pessoa mais antenada com esse negócio de tecnologia poderia postar em meu blog umas fotos específicas. Tem um site chamado www.jacagueiaqui.com.br onde um cara posta (posta! não bosta) fotografias de banheiros onde ele já fez o número 2. Tem banheiros de tudo que e tipo. Mas atenção. São fotos dos banheiros antes do seu uso pelo fotógrafo.

Pois bem, com esse negócio de passar o dia inteiro caminhando e comendo aquelas porções gigantes de comida que eles servem aqui, perdi a oportunidade de registrar em fotos, para uma eventual sessão escatológica, os banheiros que venho usando no caminho: museus, parques, hotéis, loja da Disney...

Depois dessa seção escatológica, dou uma parada.

27.4.09

The Cloisters




Primavera em Nova Yorque - V

5º DIA
QUINTA FEIRA

Hoje fez um dia lindo, diferente dos dois últimos. Não choveu e o céu ficou azul claro e sem nuvens todo o dia. Seguindo mais uma vez os sábios conselhos da minha amiga Beth (o primeiro foi o passeio pelo East River), fui a um lugar que não dá para descrever facilmente: o The Cloisters.

Trata-se de um maravilhoso museu que fica bem no finalzinho da ilha de Manhattan. Peguei o metrô próximo da Rua 50 e fui nele até a Rua 190, que fica quase no fim da cidade. Quase 140 ruas de distância e umas 10 estações de metrô. Mas foi bem rápido.

Eu fico pensando que ser católico deve ser muito bom mesmo. A pessoa tem fé, acredita em Deus, céu e santos etc e, se gostar de arte e história, ainda pode aproveitar a sensação indescritível que é esse lugar. Vou tentar explicar o que não dá para explicar, pois é uma experiência única em um edifício que reproduz um mosteiro medieval em todos os detalhes.

Simplesmente não se chega direto na frente do The Cloisters que, traduzindo, quer dizer claustro. O metrô te deixa na Rua 190 e entra-se por um parque lindo, um bosque repleto de árvores, caminhos bem cuidados, ao lado do Rio Hudson e com a ponte George Washington ao fundo, separando a ilha da cidade de New Jersey. Esse parque, o Fort Tryon Park, tem uma história também, como tudo aqui que eles preservam e cuidam tão bem.

Nesse parque que foi restaurado e doado à cidade por David Rockfeller Jr., junto com o museu, George Washington preparou a defesa da cidade na Guerra da Independência americana. O mosteiro, na verdade, foi construído da década de 1930 mas todo ele é feito com restos de mosteiros medievais da Europa. As salas, pátios, escadarias e claustros, além de receberem os nomes dos lugares de onde originalmente vieram os objetos, têm colunas originais dos séculos 12, 13, 14 e 15. Tapeçarias preciosas, vitrais incríveis, tudo belíssimo, crucifixos e esculturas de mármore, bronze, ouro, prata e marfim. Eles têm colunas inteiras trazidas de mosteiros europeus da idade média, ou o que sobrou deles. Na verdade, trouxeram os mosteiros completos. Desmontaram e montaram tudo de novo.

Tudo é extremamente bem explicado, com guias, roteiros, instrutores, legendas...há muitos objetos que foram usados pelos reis, rainhas, duques, abades, bispos....como livros de orações com gravuras em ouro, trípticos, dípticos e polípticos que são pinturas que se dividem em duas, três ou mais pinturas que se dobram. Tem várias capelas e pátios, um pátio interno com fonte cercado de colunas e salões, túmulos de cavaleiros templários medievais e cruzados verdadeiros e algumas salas com tesouros indescritíveis.

Minha amiga Beth, que além de católica é amante de arte e história, deve ter realmente ficado encantada. Nos guias a gente fica sabendo que grande parte das relíquias que foram trazidas para cá sofreram muito durante a história. Muitas delas foram quase destruídas em guerras religiosas. Durante a Revolução Francesa, muitas foram totalmente destruídas, outras serviram de estábulos, estátuas foram usadas como ponte para cavalos atravessarem rios.

Rockfeller, que era judeu, pagou uma bela grana para comprar e trazer para cá tudo isso. Havia um senso histórico muito importante nesses caras que era raro naquela época e ainda é hoje em dia. Se bem que também dizem que muita coisa foi roubada. Mas penso se não fossem trazidas para cá de algum modo estariam destruídas como aconteceu com os Budas gigantes destruídos pelos talibãs do Afeganistão e o museu de Bagdá, destruído por bombardeios e depois saqueado.

Tem um jardim inteiro ao ar livre onde eles plantam ervas que eram usadas na Idade Média. Tem até receita de comida que era feita naquela época. Um jardim bem grande e conservado com plaquinhas explicando o nome de cada planta, muitas nem se usa mais hoje.

Esse é um lugar realmente mágico, repleto de arte românica, gótica, católica, florentina... Fiquei realmente fascinado com tudo. Depois de horas ali, onde almocei num café num pátio interno ao lado de uma fonte medieval com passarinhos, comprei algumas miniaturas na loja do museu (sempre tem uma loja assim nesses lugares).

Seguindo o conselho de Allan, em vez de voltar de metrô peguei o ônibus que pára na frente do museu e, das 17:30 ate as 19:30, apreciei uma viagem interessantísima por centenas de ruas e avenidas, onde se aprecia a região norte de Manhattam, o Harlem e suas construções, passando pela frente da Columbia University, a parte superior do Central Park, atravessando as avenidas Columbia, Amsterdam, Broadway e a 5ª Avenida, ao lado do Central Park, até a Penn Station.

Mais Museu de História Natural























Primavera em Nova Yorque - IV

4º DIA
QUARTA FEIRA

Hoje foi outro dia produtivo. Não choveu, mas fez um frio bem grande. Aproveitei para comprar finalmente luvas e um gorro. Ainda não comprei um cachecol, mas será o próximo. Hoje fiz uma coisa que minha amiga Beth me recomendou que fizesse e que há tempos queria ter feito que foi um passeio de barco pelo Rio East.

Dizendo assim parece uma coisa boba mas trata-se de um super-passeio. Peguei um metrô aqui mesmo na porta da casa do Allan e com uma troca numa estação cheguei no Seaport que fica no lado do Rio East numa área de NY onde eram as antigas docas no século 19 que foi toda reformada. Ali alguns barcos param para esses passeios que é uma experiência incrível. Só teria sido melhor se o dia não estivesse tão frio.

O barco tem 3 andares e o barato é ficar no topo mas tem que se aguentar o frio e o vento. Ele passeia por uma hora pela área sul de Manhattan. Passa sob a ponte do Brooklin que separa NY do Brooklin e que tem mais de 1 km de comprimento. Essa é a largura do East River nesse lugar que acho que é um dos lugares onde o rio é mais estreito. Passamos ainda sob as pontes Wiliamsburg e Manhattan, pelo porto de NY onde o Rio East (que de fato não é um rio, mas uma parte do mar que avança ao lado da ilha de Manhattan) se encontra com o Rio Hudson, pela Ellis Island, onde os antigos imigrantes chegaram em NY, pertinho da Estátua da Liberdade e o tempo todo havia um narrador contando toda a história nos alto falantes.

Esses americanos são mesmo muito orgulhoso. O tal do narrador do barco deve ter passado uma hora só elogiando NY. Dizendo que aqui esta toda a riqueza, que nos estamos com uma grande oportunidade de conhecer uma cidade tão poderosa, que aqui tem muito dinheiro, ouro, construções de prédios e navios e indústrias, fábricas etc. E ia descrevendo as paisagens que víamos dos dois lados do rio. Ele realmente demonstrava muito conhecimento, pois afinal faz isso o dia todo mas é muito instrutivo pois ele conta toda a história de como as coisas foram feitas, a ponte do Brooklin, o Empire States e um monte de detalhes interessantes.

Mas veja que coisa ridícula: esqueci de levar minha máquina fotográfica e tive que perder essa oportunidade de registrar. Pelo menos não precisei ficar pedindo o tempo todo “please mister or miss, take me a picture”. Há males que vem para o bem. Após o passeio almocei no Pier 17, um complexo de 3 andares com inúmeras lojas legais e restaurantes de todo tipo onde comprei um relógio para finalmente não ter que perguntar as horas a todo mundo a todo momento. Estava pensando em passar as férias sem precisar me preocupar com relógio, mas algumas coisas tem horário, mesmo nas férias.

Caminhei bastante à tarde depois desse passeio de barco. Fui ate o City Park Hall, que é um parque em frente a prefeitura e pertinho do WTC que hoje é um canteiro de obras. Seguindo o meu inseparável e utilíssimo guia ilustrado da Folha de São Paulo, passei por tudo que era indicação interessante do guia.

Ahh..não posso me esquecer dos cemitérios, coisa que adoro. Perto daquele lugar tem uma igreja bem charmosa St. Paul`s Church, da época da independência americana, onde há um cemitério muito antigo com túmulos interessantes. Essa igreja fica ao lado do Word Trade Center e eles exibem centenas de objetos que as pessoas deixaram para os bombeiros e as vitimas do atentado às duas torres: fotos, emblemas etc. Além de relíquias que eles preservam lá como a cadeira onde se sentava George Washington quando NY era a capital dos EUA…essas coisas…

Depois segui o conselho de Allan e fui ver a festa anual da primavera que a Macy`s faz. Ocorre uma vez por ano e segundo Allan era imperdível. A Macy`s da Herald Square é simplesmente a maior loja de departamentos do mundo. Eles fazem vitrines incríveis e nesse período as enormes vitrines estão todas repletas de flores e a loja inteira esta cheia de arranjos floridos de todos os tipos com desenhos de flamingos e outros arranjos delicadíssimos de flores naturais.

O perfume do lugar é inebriante. Fiquei um bocado ansioso porque não gosto muito de lugares com muitas opções de compras como esse. São vários andares com milhões de artigos. Tinha mil descontos e ainda 10% de cupons para turistas. Quer dizer, descontos sobre descontos, todos os tipos de roupas, perfumes.... Saí de lá agoniado. Volto depois com calma, pois o cartãozinho que eles dão vale por vários dias.

Bem, a última parte do dia foi outro ponto alto. Lá mesmo no Seaport tem uma loja da TKTS que e onde eles vendem ingressos para as peças e shows da Broadway com descontos. Tem uma igual em Times Square, mais famosa, mas Allan me sugeriu que eu comprasse no Seaport pois quase não tem fila. Eram muitas as opções de shows e comprei uma revista-guia que explicava tudo com indicações dos críticos. Já havia assistido uma vez a Cabaret e a O Fantasma da Opera e dessa vez não queria ver um musical. Optei por Mary Stuart que está em cartaz no Brasil também, mas aqui é com duas atrizes famosas inglesas. Paguei 51 dólares, o que é metade do preço da bilheteria, mas descobri que dava para comprar na própria bilheteria do teatro por 30 dólares com carteira de estudante arriscando o teatro não estar lotado. Vou aprender isso para os próximos shows.

A peça dura 3 horas com um intervalo curto e confesso que perdi muitos diálogos que ainda por cima tinham sotaque britânico. Mas como já conheço a história da disputa das rainhas Elizabeth I da Inglaterra e sua prima Mary Stuart da Escócia, foi tudo bem.

O texto original e de Friedrich Schiller, de 1800 e as duas atrizes dão uma verdadeira lavagem de interpretação. Não tem música na peça e ela se sustenta quase toda com as duas atrizes. Um embate indescritível entre a força protestante de Elizabeth e a fé católica de Mary Stuart que ficou 19 anos presa pela prima antes de ser condenada à morte. Detalhes: quanto mais silêncio, mais contagiosas são as tosses. Tosse-se demais. No meio de uma cena primorosa, quando a atriz esta dizendo aquela fala importantíssima tosses espocam por todos os lados.

26.4.09

Museu de História Natural





Primavera em Nova Yorque - III

3º DIA
TERÇA FEIRA

Falei muito cedo sobre o sol de NY. Hoje, terça feira, meu terceiro dia nesta cidade fez um dia nublado e chuvoso. Não era uma chuva forte, mas era incomodamente úmida e fria. E o frio estava quase a zero grau, além de um vento chato.

Abriguei-me com todas as roupas possíveis, mas não tinha um gorro nem um cachecol e por isso sofri um pouco. Aproveitei a calça de capoeira que uso para dormir como se fosse um pijama e vesti por baixo do jeans. Mas ainda assim fez frio. Porém, como na casa do Allan, onde estou hospédado, tem duas estações de metrô praticamente em frente, não tive problemas para chegar em Manhattan.

Estar hospedado no Queens pode parecer à primeira vista, um inconveniente, mas não é mesmo, pois apesar de estar separado de Manhattan pelo Rio East, bastam duas paradas do metrô e já estou na Times Square. Além disso, tem vários restaurantes e delicatessens em volta da casa do Alan. Aqui também tem um dobermann enorme chamado Rolland, mas que pensa que é um coelho, pois se comporta como um.

Bem, como hoje estava este dia úmido, resolvi passar a tarde em um lugar quente. Passei mais de 4 horas no Museu de História Natural que fica em um prédio imenso que ocupa três quarteirões ao lado do Central Park. É um dos maiores museu de História Natural do mundo, com mais de 36 milhões de artefatos de todos os tipos que se possa imaginar. São quatro andares, além de um nível abaixo da rua. O metrô pára exatamente do lado do Museu e tem uma entrada diretamente no nível do metrô. Nem se precisa sair para a rua para entrar nele.

Só as joias que o museu tem valem mais de 50 milhões de dólares. Tem salões enormes, com pés direitos altíssimos, colunas de mármore rosa na entrada, além de paredes de mármores negro e branco, tetos trabalhados em todos os salões e corredores enormes. Eles não perdem obviamente a oportunidade de lembrar que são um país capitalista, pois em todos os andares tem lojas de souvenires que vendem de tudo, livros, bonecos, roupas, pedras...E tem também cafés e restaurantes dentro do museu, o que e bem conveniente, pois depois de andar horas por aquelas salas dá um cansaço e uma fome danada e dá para comer de tudo nos restaurantes de lá.

Nem sei por onde começar a descrever o Museu de História Natural. Estive lá em 1998, 11 anos atrás, mas desta vez fiz do jeito que gosto. Da primeira vez não estava sozinho e quando se vai num lugar desses com outra pessoa a gente tem que limitar-se bastante. Desta vez fiz tudo com muita calma.

Hoje o museu estava lotado e com muitas crianças. Eu fico imaginando se quando eu era criança eu tivesse a oportunidade que essas crianças daqui têm de ver tantos dinossauros, reproduções dos meio ambientes dos animais de todo o planeta. Eles têm até mesmo a réplica de uma baleia azul enorme que quando foi capturada originalmente pesava mais de 150 toneladas. Esta baleia fêmea fica como que flutuando numa sala gigante e em volta dela se vê todos os tipos de animais marinhos. Golfinhos, tartarugas, tubarões, leões marinhos e peixes de todo tipo, lulas gigantes...uma profusão luxuriante com requintes e cuidados na reconstrução dos ambientes. São umas vitrines grandes chamados de dioramas que reproduzem um ambiente com réplicas de plantas e solo, em 3 dimensões com um fundo que se confunde com o primeiro plano. Têm de tudo. Todos os animais marinhos possíveis, os animais africanos, mamíferos, felinos, répteis, primatas... Um grupo de 5 elefantes enormes, uma manada capturada inteira. Tudo empalhado em alta qualidade. Não tem onde acabar...Estão todos ali.

Há salas com cinemas passando documentários o tempo todo, salas sobre os dinossauros com todos os tipos.. As crianças adoram. E tudo com explicações, textos muito informativos. Todo tipo de pássaros com seus ambientes reproduzidos e tem também a história do ser humano. Essa foi uma das partes de que mais gostei. A origem do homem na África, os povos africanos em todos os seus ambientes e épocas, desde a pré-história com milhares de artefatos religiosos, de caça, pesca, comércio e indumentárias. Centenas de máscaras de todos os povos, estátuas dos deuses.

Tinha toda a história dos judeus, dos europeus e dos povos asiáticos. Tudo. Beduínos no deserto, a história do Islã, de Maomé, da Índia, Tibet, China, Japão, Mongólia e até de Troia. Réplicas de navios e a história do comércio de especiarias do oriente para o ocidente. Réplicas dos portos de Alexandria e Calcutá...Um espetáculo atordoante de bem feito.

No andar dedicado a América do Norte e Américas Central e do Sul eles trouxeram de tudo, réplicas de túmulos astecas, incas, maias, florestas inteiras replicadas e tudo em 3 dimensões. Ídolos de pedra, prata e ouro... Coisas que foram roubadas pelos espanhóis durante as conquistas da América e que foram recuperadas. Tinha uma pedra redonda imensa de mais de 20 toneladas e 12 pés de diâmetro, toda cheia de desenhos em baixo e alto relevo. Era a Pedra do Sol que veio do México e era originalmente um calendário asteca com previsões de eclipses e catástrofes.

A crise chegou também nos museus daqui e tinha algumas alas temporariamente fechadas por conta disso. Eles só abrem em alguns dias. Parece que demitiram muitos empregados.

Tem uma ala inteira dedicada a origem do universo. Um teatro reproduz o Big Bang e a gente desce uma enorme passarela em espiral e vai sabendo dos 13 bilhões de anos desde o Big Bang. A origem dos quasares, das galáxias, dos buracos negros. Tem um meteoro enorme todo de ferro que está em exibição, um negocio raríssimo. Tudo muito explicado, de modo ultra didático. Apaixonante.

Uma ala que achei muito legal foi a que trata da Biodiversidade onde eles mostram o que acontece com o planeta com as mudanças climáticas, o que faz com que mude o ph dos oceanos e a destruição dos ecossistemas. Mostram que a extinção, por exemplo, de uma cultura indígena, afeta a perda de conhecimento, língua e até de remédios naturais importantes.

Fico impressionado que os EUA sejam o país que mais polui no mundo, que quando teve a ECO 92 no Rio, se recusaram a assinar tratados de respeito a biodiversidade e que não ratificaram o Tratado de Kioto sobre poluição....Vendo pelo museu de história natural nem parece que estamos nos EUA.

Depois de horas de História Natural ainda chovia e fazia frio. Mas os pés estavam latejando de dor de tanto andar. Voltei para casa para um banho e descanso.