Diferentemente do meu colega Euvaldo Pinho, as minhas férias não são passadas em meio a poeira e lama, não rendem belíssimas fotografias de tuiuiús e tambaquis, mas também não corro riscos de ser mordido por terríveis piranhas vermelhas.
Como acontece há quase uma década, passo parte das minhas férias enfurnado nas salas de cinema da Mostra Internacional de São Paulo que este ano completou 33 edições. Asfalto, ar condicionado e escurinho de cinemas são meus companheiros de outubros. Por falar em companhia, estar sozinho é condição para usufruir dessa esquisitice já que é complicadíssimo conciliar interesses e gostos além do que, como já diagnosticara o sempre afiado Nelson Rodrigues: “A pior solidão que existe é a companhia de um paulista”.
Já escrevi antes sobre essa maratona de filmes: não é uma coisa que recomendo para pessoas normais, só mesmo gente que não é muito boa da cabeça se deixa envolver por uma programação assim. São quase 400 filmes de dezenas de países espalhados por mais de 20 diferentes salas de cinema da capital paulista. A pessoa que quiser acompanhar minimamente a Mostra tem que sacrificar almoços e jantares decentes, encontros com amigos e passeios relaxantes. É coisa de maluco que não tem talento para relaxar.
A Mostra se consolidou como uma indústria de cinema, com uma parafernália organizadíssima, com premiações, júris, site, debates, monitores, jornal e muito dinheiro. Dias antes, passaportes para 20 e 40 sessões se esgotam em menos de duas horas. As hordas de cinéfilos consomem galões de cafezinhos e infindáveis fornadas de pães de queijo entre as sessões, colecionadores compram canecas, sacolas, pôsteres, bloquinhos de anotações, camisetas e uma infinidade se souvenires que colecionadores disputam.
Este ano não bati meu recorde de 51 filmes em 15 dias alcançado há alguns anos. Fiquei perto, fechando a quinzena em 47 películas. O ano passado tinham sido 40.
Cada filme é exibido até quatro vezes em horários e locais diferentes para permitir que todos tenham oportunidade de vê-lo. Alguns são exibidos gratuitamente, outros dão a chance de bater papo com diretores convidados. Há diversos casos em que os ingressos se esgotam, mesmo o infeliz ficando até uma hora em filas formadas antes da abertura da bilheteria.
Para quem não conhece esse universo, a Mostra é um mundo à parte. Os freqüentadores vivem isso intensamente, com linguagem própria, códigos e ritmos característicos. Você se acostuma a ver as mesmas pessoas das Mostras anteriores e nas filas vemos as mesmas caras depois de algum tempo. O fanático mesmo prefere assistir àqueles filmes que não estão programados para entrar no circuito comercial, já que dá para saber com antecedência quais os filmes que vão estrear nos próximos meses. Este ano, sacrifiquei, por exemplo, Abraços Partidos, de Pedro Almodóvar, por O Apedrejamento de Soraya M. do iraniano Cyrus Nowrasteh; troquei Ang Lee, com seu Aconteceu em Woodstock, e Abbas Kiarostami, com Shrin, pelo colombiano Ciro Guerra, que dirigiu o despretensioso e excelente Los Viajes Del Viento, e o romeno Corneliu Porumboiu, com o surpreendente Polícia, Adjetivo.
Muitos desses fantásticos filmes da Mostra jamais serão vistos no Brasil, muito menos em Salvador. Ainda bem que também tem outubro em 2010.
No comments:
Post a Comment