21.2.10

Daniela Mercury reina sobre a invisibilidade gay


Há exatamente três anos escrevi um artigo junto com um colega: “Daniela, o Crocodilo e um gosto bom de liberdade”. O texto foi depois disponibilizado no site do GGB e gerou discussão acalorada na comunidade do Crocodilo no Orkut com fãs heterossexuais de Daniela Mercury contestando uma suposta hegemonia ou predominância de homossexuais no bloco a partir da divulgação dos inúmeros beijos gays durante o Carnaval de 2007.

De lá para cá o que mudou? Se é que mudou algo? Interessa-me aprofundar a discussão iniciada naquele artigo até porque este ano saí no Crocodilo e fui testemunha da beijação desenfreada. Em 2007 apenas vi as fotos pela internet, pois estava literalmente no fim do mundo, em Ushuaia na Patagônia argentina.

Três carnavais depois daquele, não vejo na televisão ou na intenet, na cobertura feita pela mídia da folia, qualquer referência ou fotografia dos beijos gays. Entretanto, eles existiram de um modo como jamais testemunhei. Se o fato existiu, porque a ausência das cenas? A quem interessa a invisibilidade?

O que não é intermediado pela mídia (desculpe o pleonasmo) não existe em plena era da Idade Mídia. Relegar um fato ao seu não-registro pela imprensa equivaleria, nos dias atuais, a simplesmente negar-lhe a existência.

Naquele artigo de 2007, saudávamos a coragem de Daniela Mercury em romper vários tabus como, entre outros, de levantar a bandeira do samba reggae, de valorizar a cultura africana, a coragem em abrir o circuito Barra-Ondina e incluir a música eletrônica no Carnaval. Naquele texto, afirmávamos que os desdobramentos dos beijos gays no Crocodilo só o tempo mostraria.

Dizíamos ali: “O papel da imprensa nesse caso é muito importante. Expor o fato na tv, mostrá-lo sem máscaras ou censura é um avanço. Se a tv mostra tantos beijos héteros, porque não mostrar um beijo gay? E muitos beijos? E não restritos aos circuitos menos nobres, aos guetos, cantos, becos ou vielas, algo que acontece nos carnavais desde sempre.”

No ano passado uma repórter gritava com os câmeras da sua própria tv para que eles filmassem os beijos dos gays no Crocodilo. Apontava para as cenas e gritava: “Filme! Filme!” Os operadores das câmeras simplesmente ignoravam os apelos da colega. Não registrando as cenas, negavam-lhe a existência.

Verdade se diga, os próprios gays são também em parte, responsáveis pela sua própria invisibilidade. Quando o Portal Terra publicou as fotos de casais homossexuais se beijando no Crocodilo houve ameaças de processos por parte de rapazes fotografados. O site do GGB também publicou as fotos. Ambos os sites, após ameaças de ação judicial, preferiram retirar as fotos da rede. Não sou jurista mas me pergunto até que ponto alguém que sai no Carnaval e se beija em frente às câmeras de tv e de fotógrafos pode, moralmente ou legalmente sentir que teve sua privacidade invadida e processar quem filmou ou divulgou a cena. Se elas já são raras, retirá-las do ar é um prato cheio para quem deseja a invisibilidade.

O presidente do GGB afirmou na ocasião entender que a imprensa precisa de imagens para reportagens sobre comportamento, mas se não encontra pessoas dispostas a quebrar barreiras e preconceitos, o retrato será sempre desfocado e próximo da clandestinidade. Daí as reportagens sobre o estereótipo do gay afetado, de travestis e transexuais nas Paradas do Orgulho Gay ou os bailes gays de Carnaval do Rio. Nada contra eles, mas nesses locais há inúmeros gays másculos que não são retratados. O estereótipo do gay afeminado permite que um general declare em pleno Senado que os gays não deveriam escolher o Exército por não possuírem capacidade de comando.

A Constituição proíbe essa discriminação, mas é letra morta quando um candidato a ministro do STM declara isso em pleno Senado. Se dissesse o mesmo de negros ou mulheres seria um deus nos acuda. O tal general, em um arremedo posterior de desculpa, argumentou contra seus críticos, tentando mudar o registro da História, que não há provas de que dois dos maiores generais da humanidade, Alexandre, o Grande e Júlio Cesar, fossem homossexuais.

É possível que os direitos tenham sempre que passar pelo viés econômico. Somente com ameaça de processo as fotos dos beijos gays foram tiradas do ar e convenientemente esta é uma boa desculpa para a imprensa ignorar as cenas. Foi após ameaça de processo que um shopping paulista, reduto de homossexuais, deixou de perseguir casais que se beijavam no local, pois eram consumidores. Fico pensando quando é que se tornará comum ver o beijo de dois contribuintes homossexuais, que pagam os mesmos impostos de um casal hétero.

Neste Carnaval testemunhei um repertório de beijos que enlouqueceram as moças dos camarotes. A homosocialização talvez seja o que mais surpreenda os que segregam os gays à invisibilidade ou à agressão. No Crocodilo, vi o que não mostrou a imprensa: rapazes com corpos esculpidos em beijos ardentes; homens brancos com seus namorados negros; moças lésbicas e travestis de saltos altos; barbudos e gordos com altos e baixinhos; afetados e másculos enroscados; beijos de trios e até beijos de homens e mulheres. Estavam todos lá, reverenciando sua rainha Daniela Mercury em uma celebração de alegria e diversidade que talvez, isso não consigo deixar de pensar, só conseguiram graças à proteção da multidão garantida pelas cordas e por um abadá de R$ 250,00.

Um dia não custará nada.

1 comment:

Anonymous said...

Se depender dos gays, a homossexualidade nunca será aceita na nossa sociedade, mas o que mais me impressiona é o fato de haver tantas músicas com letras de sexo as quais as crianças ouvem todo dia, uma permissividade erotizada tão grande, e a barreira contra a exposião do homoafeto. Assim seja, seja gay, mas discreto, eta Brasil hipócrita, tão pervertido e puritano.