1.1.23

LEITURAS DE OUTUBRO A DEZEMBRO DE 2022

 


Há 5 anos publico uma breve resenha dos livros lidos no ano. Para alguns deles dedico resenhas maiores. Minha média anual de leituras continua em 56 livros. 

Em 2018 foram 40. Em 2019 foram 68 livros. Em 2020 li 61. Em 2021 o número foi de 55 livros e no ano passado foram lidos 60. 

Divido as postagens sempre em três blocos. Foram 21 livros de Janeiro a Maio; outros 21 de Junho a Setembro e aqui estão os 18 livros que li de Outubro a Dezembro do ano passado.

1- O SR. GANIMEDES, de Alfredo Gallis – Romance português publicado em 1906. O título é referência ao belo efebo grego por quem até Zeus se apaixonou e antecipa a questão da disforia de gênero e do erotismo do travestismo. História de uma viúva rica que se apaixona por Leonel, jovem esbelto e afeminado, apaixonado pelo rude Liberato que gostava de o ver vestido de mulher. Apesar da homofobia, nas três oportunidades que o livro tem para falar dos dois homens na alcova, não esconde a atmosfera quentíssima ao tratar das cenas em que pessoas espiam o casal gay durante sexo, algo indisfarçavelmente saboroso já que nenhum dos demais casais do livro tem mais química do que a deliciosa dupla Leonel e Liberato.

2-CONTOS GÓTICOS RUSSOS Volume com seis contos: O primeiro: O Retrato, de Nikolai Gógol, é sobre um pintor pobre que recorre a forças demoníacas para melhorar de vida e é considerado um conto de terror em estado puro.  Os dois contos seguintes são: A Família do Vurdalak e O Encontro 300 Anos Depois, de Alexei Tolstói. Um trata da figura lendária do upyr russo, considerado entre os melhores do gênero vampiresco e o conto seguinte é sobre um cavaleiro e uma dama que tentam rechaçar, com uma cruz milagrosa, seus pesadelos. O quarto conto é Os Fantasmas, de Ivan Turguênev, que narra as viagens de um fazendeiro ávido por emoções.  O quinto conto é Bobok, de Fiódor Dostoiévski, que satiriza os temas góticos e o último é O Monge Negro, de Anton Tchêkhov, onde um professor contracena com um ente sobrenatural. 

3- CAIXA DE PÁSSAROS – Livro de Josh Malerman, adaptado para o cinema com Sandra Bullock como protagonista, uma mãe que precisa sobreviver com seus filhos num mundo pós-apocalíptico. Eles tentam a todo custo escapar de criaturas imateriais que, ao serem vistas, fazem com que as pessoas que as veem tornem-se suicidas e assassinos. De olhos vendados, eles navegam num rio para chegar à segurança de um refúgio onde não sabem se conseguirão atingir. O livro tem narrativa não linear, o que quebra a atmosfera de suspense que o filme conseguiu solucionar melhor. A história faz um interessante paralelo com a do também pós-apocalíptico: Um Lugar Silencioso, em que uma família tem que sobreviver no máximo silêncio possível para não ser morta por criaturas misteriosas muito sensíveis ao som. 

4- CONTOS CLÁSSICOS DE VAMPIRO – Coletânea com sete dos mais importantes contos sobre a figura clássica do vampiro. O primeiro conto é "Trecho de um Romance" de Lord Byron, que inspirou John Polidori para "O Vampiro", segundo conto, publicado há mais de 200 anos e considerado uma das mais influentes histórias vampirescas da literatura, que introduziu o estereótipo do vampiro aristocrata . O terceiro conto é "O Hóspede de Drácula" de Bram Stoker, publicado postumamente pela viúva do autor. O conto seguinte é o gótico: “Porque o Sangue é Vida” de Francis Crawford, trágica história de uma vítima de assassinado que retorna como vampira. “A Morta Amorosa” de Théophile Gautier, é o último e trás uma vampira sensual que seduz um padre.

5- SOB A REDOMA- Dos mais de 78 livros do mestre Stephen King, este foi o 42º que li e um dos maiores escritos pelo autor. Devorei suas 960 páginas em apenas nove dias do tanto que foi minha incapacidade de abandonar a leitura. Foi adaptado para série de TV com três temporadas horríveis. Uma redoma invisível e intransponível surge subitamente, isolando do mundo os moradores da pequena Chester's Mill, no Maine. As pessoas presas precisam encontrar seus próprios meios de sobreviver com os recursos sendo reduzidos e tensões crescendo exponencialmente. Tem um dos melhores vilões dos livros King (Big Jim), um casal protagonista tão certinho e com a química de duas pedras sendo o homem um militar sem nenhum sex appeal e com o inacreditável nome feminino de Dale "Barbie" Barbara. 

6- UMA HISTÓRIA DOS POVOS ÁRABES – Um livro clássico de Albert Hourani que nos permite conhecer os elementos que construíram o mundo árabe. Tem início nos primórdios do Islã com o surgimento de Maomé e as suas divisões que geraram diferentes correntes do islamismo. A segunda parte trata do ápice da civilização islâmica até seu enfraquecimento entre os séculos XI e XV. A obra transporta o leitor para o mundo muçulmano, suas aldeias, desertos, palácios e mesquitas. Ele aborda a era Otomana, as guerras mundiais e do papel servil da mulher na cultura árabe onde o costume dizia que uma mulher só deveria sair de casa três vezes na vida: para ser conduzida à casa do marido, no enterro dos seus pais e quando ia ser enterrada. 

 

7- O RECICLADOR- Esse livro é um spin-off meio bastardo da famosa série Wild Cards, editada por George R. R. Martin, autor de Game of Thrones  e organizador dos livros de Wild Cards escritos por um consórcio de mais de 40 autores sobre o espalhamento de um vírus alienígena que contamina milhões de pessoas pelo mundo, matando a maioria dos infectados (as Rainhas Negras) e alterando o DNA de outros, conferindo poderes estranhos a alguns poucos (os Ases) e deformações horríveis aos demais (os Curingas). Nesse pequeno livro, David Levine criou um infectado favelado carioca que descobre o poder de criar um tipo de carapaça protetora feita de lixo. A história é muito bobinha e sem emoção e cujo único atrativo é ter um personagem brasileiro integrando a galeria dos infectados pelo vírus “Carta Selvagem”. A série já teve mais de 20 livros lançados nos EUA, com infelizmente apenas 9 deles no Brasil.

8 a 11- OS BÓRGIAS – Essa série de quarto volumes de arte erótica, criada pelo aclamado desenhista italiano Milo Manara e com roteiro de um dos artistas multitalentos mais reconhecidos, o chileno Alejandro Jaborowsky tem excelente qualidade em papel couchê e aborda política, religião, intrigas palacianas, conspiração pelo poder, luxúria e incesto, um fiel panorama da Igreja Católica durante a renascença italiana do final século XV. Os quatro volumes são ricos em arte pornográfica e heresia, o que deve causar calafrios em religiosos, mas não há nada nas imagens que não tenha acontecido nos quartos nem tão secretos do Vaticano. 

No volume 1: Sangue Para o Papa mostra o futuro papa Alexandre VI ainda um poderoso cardeal tramando, subornando e matando seus adversários no conclave que ocorreu após a morte do seu predecessor, o Papa Inocêncio VIII já então famoso pela luxúria. Os quatro filhos de Rodrigo Bórgia com a amante Vanozza, são Lucrécia, César, Giovanni e Jofre, cada um mais devasso e perigoso do que o outro. 

O desenho dos corpos em detalhes e cores vivas são a marca registrada do desenhista Milo. É chocante acompanhar o frenesi de violência de Rodrigo Bórgia que manda cortar os pênis de 150 frades amantes do belo cardeal Júlio Rovere, seu concorrente ao papado, além de matar o filho de outro cardeal arrancando-lhe os olhos com uma colher. Rodrigo não hesita em entregar a sua amante a um velho em troca de voto.  Há uma edição em capa dura que reúne os quatro volumes.


Nos volumes “Poder e Incesto”, “As Chamas da Fogueira” e “Tudo é Vaidade” acompanhamos personagens como Leonardo da Vinci seduzido por César Bórgia com seu próprio corpo para convencer o pintor a desenhar máquinas de guerra e o filósofo Nicolau Maquiavel aconselhando César na guerra contra a França contra o rei francês Carlos VIII. É ilustrada também a campanha do dominicano Girolamo Savonarola que levou Florença ao que ficou conhecido como Fogueira das Vaidades convencendo fiéis a queimar todos os objetos de arte e luxo, terminando por ser condenado à fogueira.


12- UM MOMENTO DE LOUROS VERDES - Terceiro livro que li do escritor, ensaísta e dramaturgo norte-americano Gore Vidal. Este livro foi lançado nos anos 50 quando o autor tinha 20 anos. Dos sete contos, gostei especialmente do “Troféu Zenner”, que tenho certeza que inspirou Caio Fernando Abreu a escrever Aqueles Dois, do seu livro Morangos Mofados. Nos dois contos, a homossexualidade dos personagens nunca é citada, mas eles são expulsos do colégio e da repartição devido ao seu afeto mútuo suspeito. Ambos os finais são inesquecíveis. O do conto de Caio: “Pelas tardes poeirentas daquele resto de janeiro, quase todos ali dentro tinham a nítida sensação de que seriam infelizes para sempre. E foram”. E o do conto de Vidal: “Ofuscado pelo clarão do sol, ele [o professor que expulsa os rapazes], atravessou o quadrângulo, cônscio de que nada havia que pudesse fazer”.

13- SE A RUA BEALE FALASSE – Segundo livro que li do norte-americano, ativista gay e militante negro James Baldwin após o maravilhoso O Quarto de Giovanni.  Este segundo livro teve adaptação para o cinema que deu o Oscar e o Globo de Ouro à atriz Regina King. História de Tish que se descobre grávida do noivo Fonny, preso injustamente pelo estupro de uma porto-riquenha. A mãe de Fonny viaja a Porto Rico para confrontar a suposta vítima do estupro, ela também uma vítima do sistema, cena que no demonstra o enorme talento de Regina King. Os protagonistas negros enfrentam o peso do racismo sistêmico da polícia e do Judiciário: “Acho que não tem um branco neste país que não fique de pau duro ao ouvir um preto gemendo de dor”, diz o atormentado Fonny.

14- O MINISTÉRIO DA FELICIDADE ABSOLUTA - Segundo livro que li da autora e ativista indiana Arundhati Roy mas que não me encantou tanto quanto o seu livro de estreia: “O Deus das Pequenas Coisas”. Neste segunda obra, a autora traça uma teia intrincada envolvendo uma mulher transgênero muçulmana, uma criança abandonada que quer ser chamada de Saddam Hussein e uma jovem perseguida por sua luta pela libertação da Caxemira, entre vários outros personagens numa ode aos excluídos da Índia, retrato das violações de direitos humanos em todos os terríveis aspectos do país. O livro reflete que num país com 300 milhões de deuses, a banalidade e naturalidade das doenças, da fome, corrupção, torturas, guerras civis, mendicância, filas gigantescas em hospitais imundos, cemitérios habitados por indigentes... são tão naturais que não chamam mais atenção, como uma paisagem que sempre esteve lá. 

15- SHALIMAR, O EQUILIBRISTA – O 10º livro que li de Salman Rushdie e que curiosamente aborda o mesmo tema do livro da sua conterrânea Arundhati Roy: os conflitos na Caxemira. Como sempre, Rushdie dá um show sem se desviar do seu característico humor fino, tornando este um dos seus melhores trabalhos. Uma história épica de amor e vingança em meio a revoluções, atentados políticos, xenofobia, limpezas étnicas e tabus religiosos que transcorrem em sessenta anos no século XX. O relato tem início com a paixão súbita e proibida de um embaixador americano na Índia por uma bela dançarina da Caxemira, o que desencadeia acontecimentos trágicos.

16 - A CASA DOS ESPÍRITOS – Primeiro livro que li da chilena Isabel Allende e seu maior sucesso. Confesso que por muito tempo tive um preconceito mal justificado pelas obras da autora mas, felizmente acabei com isso e fiquei apaixonado pela sua escrita. O livro trata de três gerações de uma família movida pelo amor, ódio e pela vingança, uma saga familiar que se mescla com a turbulência política em um país latino-americano não identificado. Uma frase do protagonista Esteban Trueba resume o espírito dramático e sociológico da possibilidade de revolução: “O marxismo não tem a mínima possibilidade na América Latina, pois não contempla o lado mágico das coisas. É uma doutrina ateia, prática e funcional. Não pode ter êxito aqui”. 

17- A ARTE DA GUERRA- De Sun Tzu. Confesso que não sei por que li esse livro, já que o não me interessa. Minto. Li porque ele é citado em tantos filmes e  obras da cultura pop que achei que precisava ter uma opinião. Obra clássica do pensador chinês Sun Tzu, escrita mais de 500 anos antes de Cristo, é considerado o mais perfeito manual estratégico para conflitos armados, mas que pode ser aplicado em outras áreas da vida, tendo se transformado num tratado sobre planejamento e liderança e virado uma febre entre os empreendedores modernos e até esportistas e artistas. Introduzido no Japão antes do século I, desempenhou grande um papel na unificação do país. O próprio Napoleão Bonaparte usou os ensinamentos nas suas guerras contra o resto da Europa. 


18 - POESIA REUNIDA – De Martha Medeiros. Nunca tinha lido nada dessa autora gaúcha que já vendeu mais de um milhão de livros no Brasil e é considerada uma das nossas maiores cronistas. Este volume é uma seleção de poesias de seus quatro primeiros livros Strip-Tease, Meia-Noite e um Quarto, Persona Non Grata e De Cara Lavada, escritos entre 1985 e 1995. Fiquei agradavelmente surpreso com a descoberta dos textos dessa autora que tem uma profunda voz feminina com uma poesia direta, sensual e ao mesmo tempo simples e riquíssima. Exemplos: “fui vista em festas que nunca fui/esquiando na neve que nunca vi/falando com gente que sequer conheço/incrível como minha vida evolui/nas horas em que não me pertenço”. Ou em quase haicais como “fica o dito/pelo maldito” e “quando dou pra ti/sou mulher/quando dou por mim/solidão”.