O filme Amor é a mais recente película do diretor austríaco Michael Haneke, famoso pelo estilo seco, cru e duro com que apresenta ao público suas terríveis histórias, sem concessões ou adornos, mas com brutalidade algo sádica que lembra um pouco a crueza do dinamarquês Lars Von Trier.
Aqui, Haneke conta sua história com um elenco formado pelos monstros do cinema francês Jean-Louis Trintignant (Um Homem, Uma Mulher), Emmanuelle Riva (Iroshima, Mon Amour) e Isabelle Huppert (A Professora de Piano).
Tenho a impressão de que a maioria das pessoas não leem boas críticas de cinema. A maioria diz que não quer ser influenciada pela opinião dos críticos. Então, se vê perfeitamente o que acontece nesses casos com o exemplo de Amor: salas repletas de pessoas de meia idade ou de jovens incomodados com o filme que aborda o drama de um casal de velhos em que o homem tem que lidar com o derrame e o definhamento físico e psicológico da esposa.
Pessoas deixam as salas de tão mexidas pela história, ou por serem velhos e se anteverem próximos demais daquela realidade ou por serem ainda jovens demais para alcançar a dimensão trágica do que na tela se apresenta. Muitos, que ficam até o final, não escondem o seu desconforto ou o escondem para não parecerem insensíveis ou pouco inteligentes.
Por que razão essas pessoas vão ao cinema? Por o filme ter sido ganhador da Palma de Ouro e do Globo de Ouro e estar indicado a cinco Oscar, inclusive melhor filme e melhor filme estrangeiro? Por que não leem as críticas? Suponho que se lessem saberiam que não é um filme pipoca nem um melodrama, mas um filme muito difícil, praticamente insuportável, o que não diminui a sua importância.
O filme não flui, como um córrego ou um rio, mas parece ter estagnado como uma lagoa traiçoeira e parece feder como um apartamento úmido e mofado. Com seus planos longuíssimos e poucos cortes ou movimentos de câmera, ele evolui muito lentamente, arrasta-se como um paquiderme, rumo ao desfecho antecipado na primeira cena: o horror a que estão condenadas todas as relações humanas de um modo ou de outro. Não há amor que resista à mixórdia de um corpo que se arruína e de uma mente que quase não está mais lá de tão deteriorada.
Não há flores, lavandas ou amor que esconda o cheiro de um cadáver.
Amor poderia ser só um filme, mas é mais um manifesto de Michael Haneke. O diretor não quer a cumplicidade da plateia, quer exibir uma ferida em carne viva: as relações humanas e sua deterioração lenta. Assim ele vem fazendo há anos com seus filmes assustadores como A Professora de Piano, A Fita Branca, Violência Gratuita e Cachê.
Não sei se o filme me acrescentou algo. Não sei se ele pretendia acrescentar. Talvez a sua seja apenas uma história como tantas outras, nem sei se merecia tantos prêmios, mas, inegavelmente, é uma grande coragem contar uma história assim num tempo em que a maioria das pessoas prefere ver casais de vampiros apaixonados. Talvez esse seja um filme dolorosamente necessário, como é necessário e doloroso espremer um furúnculo.
Emmanuelle Riva está indicada ao Oscar e merece o prêmio. Sua atuação é tão soberba e trágica, que se não levar a estatueta será porque a dor que transmite na tela incomoda ao ponto da repulsa. Aqui há uma contradição com a cena em que o personagem de Jean-Louis Trintignant diz à filha, personagem de Isabelle Huppert: “Nada disso merece ser mostrado ou exibido”.
E, no entanto, estamos lá, na plateia a assistir tudo aquilo.