Então o quê eu estou
fazendo aqui?
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Brigitte, você já soube a última do Voltaire? |
Escrevo este texto no quinto dos sete dias que
passarei aqui em Paris. Esta é a minha quarta vez na cidade e estou me
perguntando, desde que aqui cheguei, se estou mesmo no lugar certo. Pode parecer uma
heresia dizer isso, até mesmo soar blasé ou boçal, mas vou arriscar assim
mesmo. Não nasci pra Paris. Nem roupa pra Paris eu tenho!
Talvez seja algum tipo de fadiga de material, mas
talvez eu devesse ter escolhido outro destino. Acho que quatro vezes em Paris
pode parecer demais quando não se conhecem ainda lugares como Praga, Viena, Budapeste,
São Petersburgo, Milão... Por que Paris?
Vamos por partes:
CLIMA –
Imaginava eu que vir na Primavera seria uma boa ideia já que nas outras vezes
vim em outras estações, mas qual a minha surpresa ao me deparar com um frio
indecente e uma tão grande explosão de pólen na atmosfera que, conjugados, me
levaram a uma alergia dupla. E tome-lhe antialérgico e nariz escorrendo e garganta
arranhando. Como disse, não tenho roupa para ser elegante e acho que mesmo que me
vestisse de Gucci ou Hugo Boss da cabeça aos pés, não passaria de um
soteropolitano disfarçado.
MODA - E
por falar em grifes, uma coisa que chega a ser irritante em Paris é a chiqueza
das pessoas. Não sei nem o nome dessas roupas, desses tecidos, dessas combinações
e marcas, mas vá ser chique assim lá na Fashion Week! Mas confesso que dá sim um certo prazer culpado em ver essas mulheres desfilando como se estivessem numa propaganda de perfume e
esses homens elegantes usando umas roupas que mesmo que eu as vestisse, não passaria
de um espantalho. Paris, inegavelmente, não é minha praia. Minha deselegância não
combina com os bulevares arborizados e perfumados daqui.
IMIGRANTES -
Mas tenho uma ressalva. A cidade tem uma população estrangeira que salta aos
olhos, seja pelo biotipo seja pela atitude e vestimentas. Paris tem números
colossais de imigrantes, principalmente africanos, asiáticos, latinos e
orientais de modo geral. Essas pessoas assumem quase todos os empregos que ou
os franceses não têm interesse em ocupar ou são mal remunerados ou as duas
coisas. Em praticamente todos os hotéis, quitandas, restaurantes,
supermercados, metrôs, em todos os lugares é impossível não encontrar árabes, haitianos,
marroquinos, argelinos, indianos, paquistaneses. É um mundo à parte. E roupas à
parte também.
IDIOMA-
Para uma pessoa como eu que só fala uma dúzia de palavras em Francês,
convenhamos que é muita ingenuidade achar que vai se sair bem aqui. Todo mundo
sabe que os franceses sabem falar Inglês, mas se recusam a fazê-lo por um tipo
de nostalgia do tempo em que o Francês era a língua mais falada no mundo (mesmo
que nem mesmo os avós deles viveram esse período), ou por pura implicância e
mau humor mesmo. Se já é difícil falar com um deles sem falar Francês, é
impossível falar com um imigrante sem falar o Francês. A não ser com os
indianos das quitandas, que falam um Inglês incompreensível, o que resulta no
mesmo.
DINHEIRO
– Vir para Paris num período em que o valor do Euro está custando mais de R$
5,60 é saber que vai se gastar mais de R$ 100,00 por prato de comida e uma simples coca
cola custará R$ 25,00. Na verdade, pensando bem, não é o preço das coisas aqui
que está alto, mas nosso real é que está muito desvalorizado.
CIGARRO E
BOEMIA – Acho que eu estou cada vez mais velho e ranzinza, mas não entendo
o prazer que tantos parisienses têm em ficar na beira de uma calçada, do lado
de fora de um restaurante, bebendo o que quer que um parisiense beba e fumando
como umas chaminés.
O ambiente é insalubre, frio, poluído e com uma
tagarelice que incomoda até meus pensamentos quando passo perto na calçada,
apenas pelo segundo de tempo suficiente para atravessar a aglomeração. Então
fico pensando como é que as pessoas que se sentam nas mesas vizinhas fazem
para conversar e se entender. Mas uma coisa eu tenho que reconhecer: aqui não
pegou a praga da música ao vivo, que em Salvador se entende por aquela num
volume proibitivo para a saúde humana.
Voltando à boemia parisiense, minha alma ranzinza
fica se questionando se um cidadão que mora numa cidade linda como esta, cheia
de história, museus e tanta beleza, como essa pessoa não fica em casa refletindo
sobre como é privilegiada ou lendo um livro de Filosofia....mas não, esse povo
vai tudo pra os cafés e restaurantes pra tagarelar e pitar cachimbo e os
malditos cigarros eletrônicos que são uma febre. E a faixa etária é totalmente eclética:
dos netos aos bisavós, tá tudo dominado por eles.
RESTAURANTES
– Esse aqui se tornou o ponto mais crítico da minha viagem. Vou dizer uma
heresia imensa, mas preciso fazer isso: NÃO SE PODE COMER BEM EM PARIS. Eu
jamais imaginei dizer isso se tratando de um lugar internacionalmente reconhecido
pela excelência da sua culinária. Mas meu estômago não sabe mentir, então eu
não sei se estou na cidade errada ou então eu não sei o que é comer.
Mas convém explicar. O problema é de atitude. Não tenho a atitude de
alguém que faz do ato de comer uma experiência social. Não é meu cérebro que
está agindo quando eu como, mas meu aparelho digestivo. Em Paris, a pessoa
quando vai comer, imbui-se de algum espírito que pelo jeito não bate com o meu.
Para mim, comer é algo prático: uma comida a quilo,
um bufê, um rodízio de pizza ou carne... Mas aqui é todo um processo. Tem-se
que sentar à mesa, pedir o menu, traduzir o menu para sua língua, lutar para
fazer o garçom te entender, lembrar que jamais se deve chamar o garçom de
garçom (há um tipo de lei criminal para quem faz isso), esperar uma eternidade, respirar
a fumaça do cigarro que inevitavelmente vem da rua quando abrem a porta e no final comer um prato miniatura, em mesas
bambas e minúsculas, com talheres tão pesados que se caírem no pé causam uma
fratura, e pagar caríssimo, saindo com a sensação de que ainda está com fome e não comeu o que achou que tinha
pedido. Convenhamos que comer não é para ser estressante.
E quem diria que o que me salvou nessa terra foi a
existência de lugares sagrados como Mc Donald’s, Burger King, KFC e Starbucks.
Não sei o que seria de mim sem eles com menções honrosas para os Kebabs que os
turcos fazem como ninguém.