O diretor Ang Lee,
com seu impactante filme As Aventuras de Pi, levou a película a receber o
segundo maior número de indicações para o Oscar 2013 (11), só perdendo para
Lincoln, de Steven Spielberg, que disputa em 12 categorias as estatuetas no
próximo dia 24 de fevereiro.
Na recente prévia do
Oscar, o Globo de Ouro, As Aventuras de Pi disputava em três categorias, mas só
ganhou o troféu pela Trilha Sonora.
Chamar de versátil o
diretor taiwanês Ang Lee é reduzir demais suas excelentes características. Ele
foi capaz de dirigir desde filmes com temática oriental como A Arte de Viver,
Banquete de Casamento, Comer, Beber Viver e O Tigre e o Dragão; dramas íntimos
como Tempestade de Gelo e O Segredo de Brokeback Mountain; filmes com foco em
histórias de época dos Estados Unidos como Cavalgada com o Diabo e Aconteceu em
Woodstock e até uma adaptação de HQ como Hulk.
As Aventuras de Pi é
um filme que agradará a vários públicos: aos que adoram um filme em 3D, àqueles
que gostam de ver uma história com final feliz ou piegas e àqueles que gostam
de filmes que trazem uma mensagem edificante ou espiritual.
Dito isto, não posso
negar que a história é bem contada, com uma direção segura, mesmo com um ranço
da tal “mensagem”. A fotografia é deslumbrante e a trilha sonora é perfeita e,
inegavelmente, o diretor conseguiu fazer bom proveito do efeito 3D, se bem que
eu dispensaria tudo pelo velho e bom 2D com uma história mais densa e menos
rasa do que um balde de água.
São exuberantes as
imagens em computação gráfica do cardume gigante de peixes-voadores, do mar
iluminado por milhares de águas-vivas, da imensa baleia que quase provoca um
segundo desastre e, lógico, do tigre totalmente digital, mas de um realismo
impressionante.
Até que é boa a
atuação do adolescente Pi (Suraj Sharma) que no filme tenta imigrar da Índia
para o Canadá com os pais e os animais do zoológico da família quando o navio em que viajavam naufraga e ele tem que dividir um bote
com um tigre de Bengala. Já o Pi adulto não tem qualquer carisma.
Como tenho enjoo por
qualquer influência religiosa, passei a implicar com o personagem assim que ele
adere a todas as religiões sem fazer qualquer análise crítica sobre as contradições
entre cada uma delas. Ele acredita, simultaneamente, em Buda, Krishna, Alá,
Jesus e Jeová e tudo isso antes mesmo de precisar de qualquer um deles, pois
sua múltipla conversão se dá antes do naufrágio.
Essa jogada do roteiro é uma releitura espertinha, reinterpretação indireta do recurso velhusco e conhecido em dramaturgia pela expressão latina “deus ex-machina”, em português “Deus surgido da máquina”, muito utilizado
na tragédia grega e que permite que uma divindade surja no meio de uma
história, para dar um determinado sentido à narrativa. O “deus ex-machina” era a chave mestra artificial
que servia para tudo quando uma história não tinha uma solução natural. Muitas
peças gregas eram finalizadas com um personagem que se travestia de
sobrenatural descendo do teto pendurado numa corda.
Este recurso é muito
criticado, pois cria uma solução forçada para uma trama. Dramaturgos e críticos
sérios afirmam que personagens não devem depender de uma intervenção para a
solução de uma história. O próprio Aristóteles era um crítico dessa
artificialidade. Segundo ele: “toda tragédia deve ser verossímil, sem
causalidades ou intromissões que fujam do real cenário dos acontecimentos”.
Pois olha só o que o
esperto do Ang Lee fez: botou seu herói Pi para adorar TODOS os deuses. Assim
ele garante, quando Pi está à deriva e quase morto, que ele possa pedir a ajuda
de todas as entidades sobrenaturais, atenda ela pelo nome que for. A história é
vendida todo o tempo como uma jornada de um garoto que só se salva da morte
pela intervenção de um ser superior. Só para garantir Pi confia em todos eles. Ele
nem se questiona ao final por que esse tal ser, que ele acredita ter sido seu
salvador, matou afogados todos os tripulantes do navio, toda sua família e
todos os inocentes bichos do zoológico.
Talvez tenha sido Deus,
talvez tenha sido Jeová, talvez tenha sido Alá....Enfim, o acaso não existe e a
pura sorte é algo sequer imaginado.
É estranho, pois uma
boa sacada do final do filme e a reflexão sobre o poder da imaginação. Então,
pergunto: por que a imaginação não serviria também para refletir sobre a ilusão
da intermediação divina nos destinos humanos?
Não nas mãos de Ang
Lee, que era agnóstico e passou a rezar depois da fadiga de quatro anos
trabalhando nesse filme. Mais uma razão para eu ficar com o pé atrás e lembrar
a famosa frase de John Lennon, ateu militante: “Deus é algo pelo qual o homem
mede a sua dor”.
Eu até aceitaria se o
pobre Pi, no seu desespero de náufrago, caso dispusesse dela, se apegasse até a
uma bola de basquete com o nome de Wilson, como outro náufrago famoso,
encarnado por Tom Hanks, fez. Enfim, não engoli tamanha afetação por conta da ilusão
de tantas divindades multifuncionais.
Mais honesto é o excelente
filme, também em cartaz, “O Impossível”, com Naomi
Watts e Ewan McGregor, que mostra a história real de uma família quase esfacelada pelo tsunami
que matou mais de 200 mil pessoas na Tailândia em 2004. A família se vê no meio
da catástrofe e se salva por muito pouco, graças a um misto de sorte e esforço gigantesco
de cada membro dela (os pais e seus três filhos). Em momento algum se vende ao
espectador a ideia de que houvesse um deus protegendo exatamente aqueles 5 enquanto
outros 200 mil não foram tão abençoados.
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