30.12.12

Pietá



Ontem tive uma experiência memorável ao assistir ao filme Pietá, do cultuado diretor coreano Kim-Ki-duk, realizador de filmes impressionantemente belos como  A Casa Vazia e Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera.

Pietá foi o vencedor do Leão de Ouro do Festival de Veneza em 2012 e é considerado o melhor filme do diretor Kim-Ki-duk. Uma história muito forte contando a vida solitária de um homem de 30 anos que trabalha para um agiota cobrando dívidas. Ele é cruel e insensível e quando os pobres não podem pagar os juros extorsivos, ele não sente coisa alguma ao aleijar, mutilar, humilhar e matar aqueles que ousam não pagar as dívidas.

Mas eis que surge uma misteriosa mulher em sua vida que afirma ser a mãe que o abandonou na infância. Ele resiste à aproximação dessa mulher que demonstra uma profunda tristeza e arrependimento pelo abandono do filho fazendo de tudo para se reaproximar dele.

A chegada dessa mãe pacata e tristonha provoca uma reviravolta no mundo solitário e violento desse jovem selvagem. Através da persistência feminina, ela traz algo que o rapaz jamais tinha sentido na vida. Amor. Mas é aí que começa de fato o embate entre os sentimentos contraditórios do rapaz que se vê subitamente dependente de um afeto que nunca teve e percebe que não pode mais viver sem a mãe. Algo de que ele nunca sentiu falta consciente de repente mostra-se insubstituível. Em uma passagem ele diz que está com medo que ela suma de novo, pois não sabe mais se vai conseguir viver novamente sem ela.

Medo, amor, dependência, afeto. Tudo que ele nunca sentiu aparece na forma desta mãe misteriosa.

O filme tem muitas cenas de violência e até um estupro, mas todas elas são totalmente contextualizadas e nada é gratuito. É muito curioso como o diretor consegue fazer com que sintamos de repente uma simpatia por um personagem tão cruel e insensível. Duvido que alguém não sinta pena dele mesmo depois de termos o visto cometendo tantas atrocidades.

Em um momento especialmente idílico (o único do filme), em que vemos mãe e filho passando uma tarde feliz juntos, ela diz para um rapaz que faz chacota com o filho dela, sem saber que é um homem violentíssimo. “Você acha graça de ver a alegria de uma mãe e de um filho que pela primeira vez estão juntos em 30 anos?” Para, em seguida, desferir uma série de bofetadas no rosto do rapaz.

O personagem principal e oculto de todo o filme, que move todas as coisas, é, na verdade, o dinheiro. É ele quem leva todos os personagens a agirem como agem. Há uma crítica ao capitalismo selvagem e à ganância sem limites.

O título é homônimo ao da escultura de Michelangelo com uma mãe carregando nos braços seu filho adulto. O próprio cartaz da película retrata isso. O brilhantismo da história está numa reviravolta surpreendente que vemos a partir da metade do filme e que não conto para não estragar a surpresa.

Não sei se Pietá está disponível nas locadoras. Confesso que assisti a uma versão que baixei na internet com legendas em inglês, mas recomendo, pois é uma obra prima.

Tenha estômago e lembre-se da famosa frase de Confúcio: “Antes de embarcar em uma vingança, deixe duas covas abertas”. Ou, eu diria, ao menos prepare uma cova bem espaçosa.

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