Fui assistir ao terceiro filme do diretor Breno Silveira em pleno domingo do Dia dos Pais: uma crueldade, pois não me lembro de ter chorado tanto em um filme. Não vou esconder o jogo, chorei do começo ao fim.
O filme é descaradamente (no melhor sentido do termo) feito para levar às lágrimas e faz isso magistralmente, com competência e sensibilidade
incontestáveis, sem jamais apelar para o melodrama.
A história é um road movie de redenção. A história
do caminhoneiro João, um homem marcado por uma profunda dor, que carrega um
fardo como uma âncora que o faz mergulhar numa espiral de autodestruição, fuga
e alheamento. Este personagem denso e trágico tem na interpretação do sempre
talentoso ator baiano João Miguel um tour de force, ou seja, uma ação difícil,
executada com grande habilidade.
Poderia
fazer um parágrafo inteirinho falando só dos excelentes trabalhos de João
Miguel no cinema e no teatro, mas isso me tiraria do foco do filme. Então vamos
combinar assim: João Miguel, como sempre, está brilhante desde a primeira cena
em que aparece, com uma barba desgrenhada. Solidão é seu nome; desamparo, o
sobrenome. Perdido, a bordo de uma boleia, vagando pelas estradas do interior do
País na companhia unicamente dos seus fantasmas e das músicas de Roberto
Carlos.
E
então não há como não falar de Roberto Carlos, mesmo correndo o risco de
desviar um pouco da narrativa sobre o filme porque, na verdade, a película foi
construída sobre essas canções românticas e descaradamente (essa palavra de
novo) sentimentais. E o filme e as canções formam, brilhantemente, um corpo só.
Breno
Silveira, que já dirigiu Dois Filhos de Francisco, campeão incontestável de
crítica e público, com mais de 5 milhões de expectadores, novamente usa o casal
de atores do primeiro longa: Ângelo Antônio e Dira Paes. A atriz está soberba,
carregando parte da dor do caminhoneiro João, sua personagem faz parte da luta
pelo resgate da alma deste homem e ela faz isso com a mesma competência de
sempre: um único olhar seu, de amargura e arrependimento, arranca tantas
lágrimas quanto uma pedrada ou um soco no estômago.
Dira
é Rosa, que se junta ao personagem do pequeno prodígio baiano Vinícius
Nascimento, no papel de Duda, para amolecer o coração do quase destruído João.
Mas,
por que o nome do menino só vai aparecer nesse texto depois de tantos
parágrafos? Afinal, é ele quem tem as melhores falas, as cenas mais ternas. Vinícius
foi visto no cinema pela primeira vez em Ó Paí, Ó, como um dos filhos da beata Joana.
Então
aqui vai um parágrafo só para esse garoto que possui um talento mais do que
natural, sem qualquer afetação, sem exageros tampouco receios, ele parece saber
exatamente o que se espera dele. Milhões de atores profissionais não saberão
nunca o que Vinícius tem de sobra: talento e carisma, uma combinação que
encanta a plateia e seu rosto não precisa procurar a câmera, pois a câmera não
quer perdê-lo de foco. Todas as suas cenas não são menos do que perfeitas e
brilhantes. Não temo estar exagerando nos adjetivos, pelo contrário, temo não
estar sendo suficientemente justo com ele.
Um
filme sobre pais e filhos, perdas e reencontros, sobre amizade e família, amor,
arrependimento e sobre segundas chances. Seguindo a tradição dos filmes de
estrada, os road movies, À Beira do Caminho trás a memória de Paris Texas, de Wim
Wenders, uma preciosa obra prima, além de um tanto de Central do Brasil, de
Walter Salles, já que nos dois filmes são narradas histórias de adultos
endurecidos em uma jornada pelo interior do país em companhia de crianças que
buscam suas famílias. Curiosamente, os atores mirins dos dois filmes têm o
mesmo nome: Vinicius Oliveira (o Josué de Central do Brasil) e Vinicius
Nascimento (o Duda de à Beira do Caminho).
Impossível, para
quem a ele assistiu, não lembrar um pouco do filme argentino Las Acácias, em
que um motorista de caminhão faz um trajeto entre Assunção e Buenos Aires, um
homem solitário e carrancudo que dá carona a uma mulher e um bebê. Outro road movie
sobre redenção e busca pela família e identidade que ganhou o cobiçado prêmio
Caméra D'Or em Cannes em 2011 e recebeu muitos elogios na Europa e América
Latina.
Mas
Las Acácias é praticamente todo construído de silêncios enquanto À Beira do
Caminho mescla eloquentes silêncios com diálogos que são quase monólogos feitos
aos arranques. O filme tem tantos outros méritos, mas sublinho a fotografia do incomparável
Lula Carvalho que traz no currículo a direção de fotografia de filmes como Tropa de Elite 1 e 2, Budapeste,
Feliz Natal, A Festa da Menina
Morta, entre muitos outros.
À
Beira do Caminho levou merecidamente cinco prêmios no último Festival do
Audiovisual em Pernambuco: melhor filme pelos júris oficial e popular, melhor
roteiro, melhor ator (João Miguel) e ator coadjuvante (Vinícius Nascimento). Sua
narrativa é praticamente toda linear, com
alguns flash backs que ajudam a entender o drama do protagonista.
Chamo a atenção para cenas
com frases de para-choques de caminhões. São inseridas em momentos chaves, como
verdadeiros capítulos da história e que contribuem, sem dúvida, para a
narrativa. A última tomada do filme é irretocável, surpeendentemente, um
provérbio chinês pendurado na traseira de um caminhão.
Com ela encerro esse
texto: “Espere o melhor. Prepare-se para o pior. Aceite o que vier”.
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