12.3.12

Shame


A primeira vez que ouvi falar desse filme foi num debate do Manhattan Connection. Fiquei ansioso pela estréia no Brasil, pois o tema me pareceu bastante interessante e ousado: a história de um jovem executivo novaiorquino viciado em sexo.

Falou-se bastante da coragem do ator Michael Fassbender (O jovem Magneto em X-Men e, mais recentemente, o psicanalista Carl Jung no novo filme de David Cronnenberg) em deixar-se filmar em cenas em que aparece em nu frontal em um drama do diretor inglês Steve McQueen, homônimo do ator americano.

Assisti ao filme na pré-estreia em uma sala bem cheia numa concorrida sessão de domingo à noite. Confesso, tristemente, que esperava mais. O filme tem recebido inúmeros elogios dos críticos e quem sou eu para falar alguma coisa da ótima interpretação do ator (premiado este ano no Festival de Veneza) e da sua coragem em interpretar um personagem tão sombrio e doloroso.

Aliás a beleza do relativamente jovem ator de 34 anos, em perfeita forma física, é algo que chama a atenção. Ele interpreta um bem sucedido executivo, frequenta bons restaurantes e mora num bom apartamento mas sua vida se resume ao trabalho e ao vício em sexo.

Mas essa compulsão não é algo que o prejudique como acontece com os viciados em drogas e álcool. Ele vive sozinho, não atrapalha a vida de ninguém, não é casado, portanto não trai ninguém, e seu vício “sustenta” prostitutas e todo um mercado de sexo encontra em tipos assim sua razão de existir. Ok, o homem se masturba diariamente no trabalho e em casa. E daí?

O problema de Brandon é que para manter aquele ritmo de vida não há espaço para o afeto ou a família. Ele vinha lidando bem com o micro cosmos que criou, mas a súbita aparição de Sissy, uma irmã para lá de problemática (depressiva e com tendências suicidas), personagem da ótima atriz Carey Mulligan revira o mundinho de Brandon. Tudo que ele não precisa é daquela irmã revirando seus armários, bagunçando sua vida, se metendo nos seus assuntos. Uma irmã daquela também ninguém merece, nem precisa ser viciado em sexo.

Eu não queria uma mala sem alça daquelas caminhando pelo meu apartamento. Talvez eu esteja sendo cruel, talvez haja gente com paciência para irmãs assim....ainda mais quando a gente a vê cantando lindamente New York, New York....e aí o diretor Steve McQueen não deixa dúvida de que quer nos seduzir com uma das facetas da complicada Sissy ao deixar a câmera fixa no rosto da atriz enquanto ela canta inteirinho, imortalizado por Frank Sinatra, o hino da Grande Maçã, com um arranjo sexy, romântico, blues na veia...e ainda acompanhada de um belíssimo piano.

Desculpe ser estraga prazeres, também achei a cena linda e também, como o personagem do irmão, derramei uma furtiva lágrima, mas não dá para esquecer de uma cena do documentário Edifício Master, de 2002, do cineasta brasileiro Eduardo Coutinho, em que um “personagem” canta, do mesmo Sinatra, e sem piano algum, My Way. Quisera não ter essa cena na memória para comparar e nem tantas lágrimas nessa cena para competir com aquela (uma minha, outra do irmão Brandon).

Difícil não sentir pena do pobre Brandon, mesmo quando ele se acaba em quartos de hotéis, mesmo sendo quartos com belíssimas vistas de Manhattan, mesmo quando ele tem que se livrar dos seus tesouros pornográficos por conta de uma invasão de uma irmã chata em sua vida.

Há tratamentos para viciados em sexo como há para compulsivos de toda ordem. Um alcoólatra não precisa deixar de freqüentar bares e festas onde há bebidas se ele sabe que a bebida o leva a um poço sem fim, porque o viciado em sexo não pode se contentar em apreciar as mulheres sem querer levá-las todas para a cama? Estava indo tudo tão bem até a chegada daquela irmã....mas afinal, é isso que faz o cinema. Cria um conflito e precipita um drama.

Não há importância alguma nos nus frontais de Fassbender, apesar de serem respeitáveis os seus atributos. Em cena particularmente dramática, vê-se o erotismo transmutar-se em pura amargura em plena orgia com duas belas mulheres. O orgasmo, ou algo que atenda por esse nome, torna seu rosto máscara de puro horror. Como não sentir dó?

A frieza das longas tomadas, o distanciamento da câmera, a luz crua e os ambientes quase imaculados parecem querer nos afastar daquele mundo. Talvez coubesse indagar por que a degradação máxima tem que ser necessariamente em um escuro clube de sexo gay? Ali o drama do personagem de Fassbender simplesmente desapareceria envolto por um mar de corpos de outros homens para quem nada daquilo seria novidade e como se o drama do personagem Brandon fosse o de um simples carneirinho diante da “decadência” das orgias gays.

Mas ele sobrevive a tudo e uma redenção se aproxima do horizonte simbolicamente na forma de uma chuva que lavaria seus pecados....mas sempre há um um belo par de pernas no caminho....resistir...quem há de ?

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