Uma das minhas atividades favoritas é ir a
cinemas e festivais de cinema, onde já cheguei a assistir cinco filmes seguidos
e 50 filmes em 15 dias mas aplausos no final de filmes vi poucas
vezes. Não é sempre que se ouve aplausos no final de um filme, em Salvador,
então, é raríssimo. Isso aconteceu ao final do filme “Fahrenheit 11 de Setembro” , de
Michael Moore.
“Fahrenheit 11 de Setembro” é um
documentário-libelo extremamente critico ao governo Bush e teve ótima bilheteria no Brasil, país considerado em pesquisa da BBC como dos que mais odeiam os Estados Unidos. Os aplausos do
espectadores refletem o espírito antiamericano raivoso que envolve as plateias
não somente brasileiras, mas também mundiais.
O filme superou as estimativas, já elevadas
para um documentário, com mais de 91 mil espectadores no final de semana de
estreia do Brasil. Nos EUA, foi o primeiro documentário a ultrapassar
a marca de US$ 100 milhões de bilheteira e ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes. O documentário anterior de Michael Moore, o excelente “Tiros em Columbine”, já
havia ganhado um Oscar.
Vai me doer muito dizer que o que vou dizer aqui, pois
sou fã de Michael Moore, mas “Fahrenheit 11 de Setembro” não é tão bom e não
merecia a Palma de Ouro. Ele, na verdade, se revela uma peça
de propaganda com qualidades e defeitos. Mesmo a gente gostando do diretor,
tendo simpatia e torcendo por ele na sua ferrenha luta contra Bush, o filme não
é uma obra-prima e, falando a verdade, seu sucesso deve-se muito ao seu
co-protagonista, nosso inimigo favorito, George W. Bush.
Há filmes-propaganda que são artisticamente
inovadores, como os que a diretora Leni Riefenstahl fez para o Congresso
Nazista de Nuremberg (Triunfo da Vontade) e para as Olimpíadas de 1936 em
Berlim (Olympia). A qualidade daquelas películas resistiu aos anos de execração
da crítica e hoje são peças de arte que não perderam a aura de beleza nem ficaram
datadas.
Um dos seus principais defeitos é que,
diferentemente de “Tiros em Columbine”, ele parece ter sido feito as pressas
para aproveitar as eleições americanas. Há muitos momentos desiguais,
alguns engraçados e inspirados, outros sensacionalistas e cansativos.
Toda a parte dos votos fraudados da Flórida é
ótima e a sequencia de Bush numa sala de aula infantil, por intermináveis sete
minutos, abobalhado após receber a notícia do segundo avião (ele já sabia do
primeiro) é divertida e, ao mesmo tempo, chocante. A narrativa de Moore ao
fundo é deliciosa.
Mas o filme fica didático quando esmiúça as
relações da família Bush com os Bin Laden e os sauditas. Em seus livros: “Cara,
Cadê O Meu País?” e “Uma Nação de Idiotas”, Best-sellers internacionais, Moore
explica isso muito bem, mas a linguagem de cinema, mesmo documental, implica
uma agilidade que um livro dispensa. Ser didático num livro-denúncia é mesmo um
mérito, mas em cinema diferentes tipos de imagens com diversas texturas de
películas para provar uma tese – fotos, jornais, TVs, VHS, 8 mm, 32 mm,
infravermelho, etc. – cansam e confundem o espectador que não tem opção de
fechar o livro para respirar, absorver as informações ou retornar ao parágrafo
anterior.
O filme continua a se arrastar num longo e
cansativo natal dos soldados americanos em Bagdá. Fica grotesco, mas ao mesmo
tempo encorpado e forte quando mostra cenas chocantes de corpos de bebês
iraquianos mutilados e a revolta de um pai segurando o corpo esfacelado da sua
criança perguntando que culpa o garotinho tinha ou a revolta impotente da velha
iraquiana, cuja casa foi destruída, chorando e gritando para o céu: “Onde você
estava, Deus?”
As cenas da dupla de fuzileiros navais
abordando jovens negros pobres para alistamento são tão surrealistas e imorais
que merecia uma analise de um cientista social sobre o papel das forças armadas
na sociedade americana. Os fuzileiros falam com a maior naturalidade sobre as
abordagens como se planejassem um estupro. Moore, a seguir, reflete sobre como
é extraordinário que justamente negros pobres, que sofrem com um governo
discriminatório, aceitem ir a uma guerra em nome desse mesmo governo. Uma parte
inspiradora do filme.
Alguns momentos são engraçados, mas
constrangedores como as cenas em que Moore tenta convencer congressistas a
alistar os filhos. O diretor informa que só um congressista tem filho na
guerra, mas, infelizmente, essa é uma informação que esconde uma falsa
estatística. Considerado o numero de famílias americanas, a percentagem de
filhos de congressistas na guerra é maior do que nas famílias em geral. O que,
obviamente, não torna essa guerra estúpida menos imoral.
A leitura feita por Moore do decreto
patriótico, que os congressistas apoiaram sem ler, é uma imagem de propaganda
que apesar de engraçada é inócua e apelativa. E é quase patética a cena da mãe
do soldado morto chorando em frente à Casa Branca, bem como o uso que o diretor
faz do soldado, que se recusa a servir no Iraque. O soldado faz uma pálida e
triste figuração tornando-se mais um a ser usado por Moore. Por uma boa causa,
mas usado.
Não estou entre os que se chocaram em ver
Moore também usando e destroçando o já velho e encarquilhado Charlton Heston,
presidente da conservadora Associação Nacional de Rifle dos EUA em “Tiros em
Columbine”. Como já disse Nelson Rodrigues: “Os canalhas também envelhecem.”.
Apesar de tudo, “Fahrenheit 11 de Setembro” é
um filme importantíssimo e necessário nestes tempos bicudos. Como diz na sua
propaganda, não é um filme, é um evento. Mesmo com seus defeitos, o audacioso
Moore tem já o mérito de erguer o gênero documentário, sempre relegado pelos
estudos e espectadores, alçando-os as esferas dos grandes eventos
cinematográficos.
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