11.11.16

FAHRENHEIT 11 DE SETEMBRO

Uma das minhas atividades favoritas é ir a cinemas e festivais de cinema, onde já cheguei a assistir cinco filmes seguidos e 50 filmes em 15 dias mas aplausos no final de filmes vi poucas vezes. Não é sempre que se ouve aplausos no final de um filme, em Salvador, então, é raríssimo. Isso aconteceu ao final do filme “Fahrenheit 11 de Setembro” , de Michael Moore.

“Fahrenheit 11 de Setembro” é um documentário-libelo extremamente critico ao governo Bush e teve ótima bilheteria no Brasil, país considerado em pesquisa da BBC como dos que mais odeiam os Estados Unidos. Os aplausos do espectadores refletem o espírito antiamericano raivoso que envolve as plateias não somente brasileiras, mas também mundiais.

O filme superou as estimativas, já elevadas para um documentário, com mais de 91 mil espectadores no final de semana de estreia do Brasil. Nos EUA, foi o primeiro documentário a ultrapassar a marca de US$ 100 milhões de bilheteira e ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes. O documentário anterior de Michael Moore, o excelente “Tiros em Columbine”, já havia ganhado um Oscar. 

Vai me doer muito dizer que o que vou dizer aqui, pois sou fã de Michael Moore, mas “Fahrenheit 11 de Setembro” não é tão bom e não merecia a Palma de Ouro. Ele, na verdade, se revela uma peça de propaganda com qualidades e defeitos. Mesmo a gente gostando do diretor, tendo simpatia e torcendo por ele na sua ferrenha luta contra Bush, o filme não é uma obra-prima e, falando a verdade, seu sucesso deve-se muito ao seu co-protagonista, nosso inimigo favorito, George W. Bush.

Há filmes-propaganda que são artisticamente inovadores, como os que a diretora Leni Riefenstahl fez para o Congresso Nazista de Nuremberg (Triunfo da Vontade) e para as Olimpíadas de 1936 em Berlim (Olympia). A qualidade daquelas películas resistiu aos anos de execração da crítica e hoje são peças de arte que não perderam a aura de beleza nem ficaram datadas. 

Um dos seus principais defeitos é que, diferentemente de “Tiros em Columbine”, ele parece ter sido feito as pressas para aproveitar as eleições americanas. Há muitos momentos desiguais, alguns engraçados e inspirados, outros sensacionalistas e cansativos.

Toda a parte dos votos fraudados da Flórida é ótima e a sequencia de Bush numa sala de aula infantil, por intermináveis sete minutos, abobalhado após receber a notícia do segundo avião (ele já sabia do primeiro) é divertida e, ao mesmo tempo, chocante. A narrativa de Moore ao fundo é deliciosa.

Mas o filme fica didático quando esmiúça as relações da família Bush com os Bin Laden e os sauditas. Em seus livros: “Cara, Cadê O Meu País?” e “Uma Nação de Idiotas”, Best-sellers internacionais, Moore explica isso muito bem, mas a linguagem de cinema, mesmo documental, implica uma agilidade que um livro dispensa. Ser didático num livro-denúncia é mesmo um mérito, mas em cinema diferentes tipos de imagens com diversas texturas de películas para provar uma tese – fotos, jornais, TVs, VHS, 8 mm, 32 mm, infravermelho, etc. – cansam e confundem o espectador que não tem opção de fechar o livro para respirar, absorver as informações ou retornar ao parágrafo anterior.

O filme continua a se arrastar num longo e cansativo natal dos soldados americanos em Bagdá. Fica grotesco, mas ao mesmo tempo encorpado e forte quando mostra cenas chocantes de corpos de bebês iraquianos mutilados e a revolta de um pai segurando o corpo esfacelado da sua criança perguntando que culpa o garotinho tinha ou a revolta impotente da velha iraquiana, cuja casa foi destruída, chorando e gritando para o céu: “Onde você estava, Deus?”

As cenas da dupla de fuzileiros navais abordando jovens negros pobres para alistamento são tão surrealistas e imorais que merecia uma analise de um cientista social sobre o papel das forças armadas na sociedade americana. Os fuzileiros falam com a maior naturalidade sobre as abordagens como se planejassem um estupro. Moore, a seguir, reflete sobre como é extraordinário que justamente negros pobres, que sofrem com um governo discriminatório, aceitem ir a uma guerra em nome desse mesmo governo. Uma parte inspiradora do filme.

Alguns momentos são engraçados, mas constrangedores como as cenas em que Moore tenta convencer congressistas a alistar os filhos. O diretor informa que só um congressista tem filho na guerra, mas, infelizmente, essa é uma informação que esconde uma falsa estatística. Considerado o numero de famílias americanas, a percentagem de filhos de congressistas na guerra é maior do que nas famílias em geral. O que, obviamente, não torna essa guerra estúpida menos imoral.

A leitura feita por Moore do decreto patriótico, que os congressistas apoiaram sem ler, é uma imagem de propaganda que apesar de engraçada é inócua e apelativa. E é quase patética a cena da mãe do soldado morto chorando em frente à Casa Branca, bem como o uso que o diretor faz do soldado, que se recusa a servir no Iraque. O soldado faz uma pálida e triste figuração tornando-se mais um a ser usado por Moore. Por uma boa causa, mas usado.

Não estou entre os que se chocaram em ver Moore também usando e destroçando o já velho e encarquilhado Charlton Heston, presidente da conservadora Associação Nacional de Rifle dos EUA em “Tiros em Columbine”. Como já disse Nelson Rodrigues: “Os canalhas também envelhecem.”.


Apesar de tudo, “Fahrenheit 11 de Setembro” é um filme importantíssimo e necessário nestes tempos bicudos. Como diz na sua propaganda, não é um filme, é um evento. Mesmo com seus defeitos, o audacioso Moore tem já o mérito de erguer o gênero documentário, sempre relegado pelos estudos e espectadores, alçando-os as esferas dos grandes eventos cinematográficos.

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