Quatro
ótimos filmes franceses estão em cartaz atualmente em Salvador. São eles: Intocáveis,
Para Poucos, Um Verão Escaldante e Polissia.
Hoje
falarei do primeiro, que acaba de se tornar o filme francês mais visto no
mundo, superando o recorde anterior que era de O Fabuloso Destino de Amelie
Poulin com 23 milhões de expectadores.
Pois
Intocáveis já foi visto por mais de 25 milhões de pessoas. Mais de 200 mil
delas só no Brasil. Trata-se de um filme simplesmente irretocável. Aquele tipo
de película em que, por mais que a gente queira, não encontra um único defeito.
Trata-se
de uma comédia, mas ouso dizer que falar isso é muito pouco, pois corre-se o
risco de fazer associações com bobagens fabricadas em série para levar o
público ao riso fácil. Aqui a coisa é muito mais sutil e inteligente, sem
perder a leveza e o bom humor. E olhe que não sou chegado a comédias francesas,
sinto que há um timming diferente, sei lá. Mas aqui dou o braço a torcer.
Intocáveis é simplesmente um filme perfeito.
O que pode sair da
ligação de um negro pobre, imigrante senegalês, morador dos tumultuados
subúrbios de Paris, caldo de cultura de conflitos sociais e um milionário branco e culto? E quando esse
milionário é um tetraplégico que precisa de cuidados permanentes e este inculto
imigrante não tem o menor tato, talento ou preparo para cuidar desse homem? O
que pode sair dessa mistura? E quando ficamos sabendo que a história é baseada
em fatos reais a coisa fica ainda mais interessante.
Aqui, o negro é Driss,
interpretado pelo excepcional ator Omar Sy, enquanto o branco é Philippe, papel
de François Cluzet. O que Driss tem de físico, performático e exuberante,
Phillipe tem de contido e introspectivo. Driss dança, canta, exala sensualidade
e gargalha. Phillipe, estático, observa, e ambos, surpreendentemente, diante da
barreira de intolerância que construíram para eles, extraem dessa relação improvável,
praticamente impossível, um sopro de novidade na monótona vida do ricaço Phillipe
e no beco sem saída, à beira da marginalidade, que se tornou a pura
sobrevivência sem expectativas da vida de Driss.
O destino
ligou esses dois homens em um momento especialmente sensível da vida de ambos
já que cada um atravessava, por razões próprias e totalmente distintas, por
exaustões ligadas às suas condições psicológicas, sociais ou materiais. E o
filme extrai o humor (e jamais o humor negro ou escatológico) justamente das improváveis e dramáticas circunstâncias que os une.
Faço
menção especialmente honrosa à opção dos diretores Olivier
Nakache e Eric Toledano em abrir o filme com uma inspirada, insana e divertida cena que mostra que os dois homens já desenvolveram uma ligação pessoal. Louvável, porque se
o filme vai mostrar o progresso dessa relação, óbvio seria narrar do começo até
o fim, mas, já que sabemos que eles vão se tornar amigos, porque não abrir o
filme já com um momento adiantado da amizade para em seguida narrar como ela
foi construída? Bela sacada.
Intocáveis,
facilmente poderia apelar para clichês, mas nunca o faz, não cede ao fácil e ao
previsível. É exatamente nas deficiências que a relação desses homens é
construída e é realmente tocante quando vemos como um, aos poucos, vai influenciando e enriquecendo o universo do outro.
E são
tantas e tão tocantes as interfaces em que a vida desses dois homens se interrelacionam,
que passamos a nos deliciar na expectativa de cada vez novas e inúmeras facetas
que eles descobrem. E essa descoberta comum (nossa e deles) deixa-nos fascinados,
pois é como se fôssemos os cúmplices do desvendar de dois verdadeiros
continentes humanos, com todas as suas fraquezas, frustrações e tantas
possibilidades inexploradas ainda a serem desvendadas. Mundos inteiros buscando
talvez aquilo que Guimarães Rosa chamava de "felicidade, que se acha em
horinhas de descuido".
Sinto-me
completamente incapaz de selecionar uma única cena memorável, pois todo o filme
é como se fosse uma única cena perfeita, como uma sinfonia em que sequer uma
nota está fora do lugar.
Não deixe
de se deliciar com essa verdadeira história de amizade entre dois homens que
descobrem que só têm a ganhar aceitando suas fraquezas, aprendendo a valorizar
o que o outro tem de rico e percebendo como pode ser bom e fácil ajudar um amigo. E
você ainda de quebra dá boas gargalhadas com isso.
O que você
pode querer mais?
3 comments:
Luiz, irretocável está seu comentário. Assistirei ao filme.
Abraço
Lindoia
Verdade, Lindóia! Assistirem também.
Luiz, assisti ao filme domingo passado e o seu comentário retrata fielmente tudo que senti durante a exibição.
Parabéns !!!
Luiza.
Post a Comment