12.9.12

Intocáveis


Quatro ótimos filmes franceses estão em cartaz atualmente em Salvador. São eles: Intocáveis, Para Poucos, Um Verão Escaldante e Polissia.

Hoje falarei do primeiro, que acaba de se tornar o filme francês mais visto no mundo, superando o recorde anterior que era de O Fabuloso Destino de Amelie Poulin com 23 milhões de expectadores.

Pois Intocáveis já foi visto por mais de 25 milhões de pessoas. Mais de 200 mil delas só no Brasil. Trata-se de um filme simplesmente irretocável. Aquele tipo de película em que, por mais que a gente queira, não encontra um único defeito.

Trata-se de uma comédia, mas ouso dizer que falar isso é muito pouco, pois corre-se o risco de fazer associações com bobagens fabricadas em série para levar o público ao riso fácil. Aqui a coisa é muito mais sutil e inteligente, sem perder a leveza e o bom humor. E olhe que não sou chegado a comédias francesas, sinto que há um timming diferente, sei lá. Mas aqui dou o braço a torcer. Intocáveis é simplesmente um filme perfeito.

O que pode sair da ligação de um negro pobre, imigrante senegalês, morador dos tumultuados subúrbios de Paris, caldo de cultura de conflitos sociais e um  milionário branco e culto? E quando esse milionário é um tetraplégico que precisa de cuidados permanentes e este inculto imigrante não tem o menor tato, talento ou preparo para cuidar desse homem? O que pode sair dessa mistura? E quando ficamos sabendo que a história é baseada em fatos reais a coisa fica ainda mais interessante.

Aqui, o negro é Driss, interpretado pelo excepcional ator Omar Sy, enquanto o branco é Philippe, papel de François Cluzet. O que Driss tem de físico, performático e exuberante, Phillipe tem de contido e introspectivo. Driss dança, canta, exala sensualidade e gargalha. Phillipe, estático, observa, e ambos, surpreendentemente, diante da barreira de intolerância que construíram para eles, extraem dessa relação improvável, praticamente impossível, um sopro de novidade na monótona vida do ricaço Phillipe e no beco sem saída, à beira da marginalidade, que se tornou a pura sobrevivência sem expectativas da vida de Driss.

O destino ligou esses dois homens em um momento especialmente sensível da vida de ambos já que cada um atravessava, por razões próprias e totalmente distintas, por exaustões ligadas às suas condições psicológicas, sociais ou materiais. E o filme extrai o humor (e jamais o humor negro ou escatológico) justamente das improváveis e dramáticas circunstâncias que os une.

Faço menção especialmente honrosa à opção dos diretores Olivier Nakache e Eric Toledano em abrir o filme com uma inspirada, insana e divertida cena que mostra que os dois homens já desenvolveram uma ligação pessoal. Louvável, porque se o filme vai mostrar o progresso dessa relação, óbvio seria narrar do começo até o fim, mas, já que sabemos que eles vão se tornar amigos, porque não abrir o filme já com um momento adiantado da amizade para em seguida narrar como ela foi construída? Bela sacada.

Intocáveis, facilmente poderia apelar para clichês, mas nunca o faz, não cede ao fácil e ao previsível. É exatamente nas deficiências que a relação desses homens é construída e é realmente tocante quando vemos como um, aos poucos, vai influenciando e enriquecendo o universo do outro.

E são tantas e tão tocantes as interfaces em que a vida desses dois homens se interrelacionam, que passamos a nos deliciar na expectativa de cada vez novas e inúmeras facetas que eles descobrem. E essa descoberta comum (nossa e deles) deixa-nos fascinados, pois é como se fôssemos os cúmplices do desvendar de dois verdadeiros continentes humanos, com todas as suas fraquezas, frustrações e tantas possibilidades inexploradas ainda a serem desvendadas. Mundos inteiros buscando talvez aquilo que Guimarães Rosa chamava de "felicidade, que se acha em horinhas de descuido".

Sinto-me completamente incapaz de selecionar uma única cena memorável, pois todo o filme é como se fosse uma única cena perfeita, como uma sinfonia em que sequer uma nota está fora do lugar.

Não deixe de se deliciar com essa verdadeira história de amizade entre dois homens que descobrem que só têm a ganhar aceitando suas fraquezas, aprendendo a valorizar o que o outro tem de rico e percebendo como pode ser bom e fácil ajudar um amigo. E você ainda de quebra dá boas gargalhadas com isso.

O que você pode querer mais? 

3 comments:

Unknown said...

Luiz, irretocável está seu comentário. Assistirei ao filme.
Abraço
Lindoia

Danielle Giron Valim said...

Verdade, Lindóia! Assistirem também.

Unknown said...

Luiz, assisti ao filme domingo passado e o seu comentário retrata fielmente tudo que senti durante a exibição.
Parabéns !!!
Luiza.