26.11.08

Vicky Cristina Barcelona


O novo filme do diretor Woody Allen estreou com uma das maiores bilheterias da temporada, só perdendo para o arrasa-quarteirão 007 Quantum of Solace. Vicky Cristina Barcelona é uma daquelas comédias leves e divertidas que são como uma brisa num verão. Uma brisa passageira, talvez.

Mal comparando, um filme de Woody Allen é como um sapato ou uma bolsa de grifes Prada ou Louis Vuitton. Justiça se faça, isso serve para qualquer filme de um grande diretor, como Almodóvar, Hitchcock, Fellini...E, como em toda grife, há os que consomem somente pelo nome e aqueles que levam em conta a qualidade do produto. Nem sempre as duas coisas andam juntas.

No caso de Woody Allen costumam andar. Dá para assistir aos seus filmes sem pestanejar só pelo seu nome estampado nos créditos. Nem precisa ler sobre a história ou dar ouvidos a comentários. E a promessa é de qualidade, não ficando bem dizer que não se gostou do resultado ou que esperava mais.

Ok. Eu esperava mais. Estou sempre esperando que um produto de uma grife corresponda ao seu nome. E o nome de Woody Allen me acostumou mal. Ele fez obras primas boas demais para que eu me contente com menos. Listar todas seria redundância e escolher algumas, injustiça. Este é o seu quarto longa na Europa após deixar sua zona de conforto — Nova Yorque —, palco de dezenas de super-películas anteriores. Este filme se passa, pela primeira vez em sua filmografia, em Barcelona.

Depois de três filmes em Londres (Match Point, uma espécie de ápice radioso de uma carreira já brilhante e Scoop e Sonho de Cassandra, duas obras que mereciam mais elogios do que tiveram), o diretor resolveu fazer uma declaração de amor à sensual capital da Catalunha. Barcelona resplandece em uma verdadeira palheta de cores e uma partitura de sons (e quase uma orgia de aromas e sabores se o cinema permitisse tais recursos sensoriais). Quase dá vontade de sair correndo, pegar o passaporte e embarcar para a Espanha sem sequer lembrar que os brasileiros estão sendo deportados de Madri às pencas...Mas voltemos ao filme.

A bela e talentosa Scarlett Johansson retorna consagrada como musa do diretor após os citados Match Point e Scoop, mas agora temos dois queridinhos do cinema espanhol: Javier Bardem (ator de primeira, ganhador do Oscar por Onde os Fracos Não Têm Vez e atuações soberbas em Sombras de Goya, Carne Trêmula e Mar Adentro) e Penélope Cruz, uma das atrizes mais chatas e canastronas de toda a história do cinema mundial, uma atriz que deveria ser bolsista numa escolinha de interpretação de periferia. Discordo de absolutamente todas as matérias que dizem que ela, exuberantemente, rouba as cenas do filme. Observe bem e você verá que ela faz sempre o mesmo papel em todos os filmes. E todos mal.

Essa é a falta mais grave do filme, mas essa canastrona, que até ganhou uma Framboesa de Ouro de pior atriz por Profissão de Risco, enganou outros diretores e, atuando em Volver, de Almodóvar, foi até indicada ao Oscar. Mas há detalhes mais sutilmente incômodos do que Penélope Cruz em Vicky Cristina Barcelona.

O psicanalista Contardo Calligais defende em recente artigo na Folha de São Paulo que apesar de ser uma comédia leve sobre afetos e paixões, no fundo esse é um filme triste porque os personagens se apaixonam, vivem sentimentos fortes, mas, no fim, tudo isso não transforma ninguém. Vicky e Cristina vão embora iguais ao que eram no começo, como turistas americanos que viajam para a Europa, desfrutam dos excessos oferecidos pelo velho continente e retornam ao que eram sem serem modificados pelo vivido.

Afinal, para que serve algo assim? Se não somos atingidos profundamente por uma experiência como a paixão, o que resta? As fotografias, como as que Cristina tenta, desesperadamente, catalogar suas emoções e o abandono das relações desafiadoras que experimenta?

Há ainda outros aspectos do filme que me incomodam. O recurso de narrativa em off é um deles. Esse artifício é uma muleta que um diretor usa para dizer o que não conseguiu com suas imagens e diálogos. Uma banalização, como a que fizeram os produtores de Blade Runner ao obrigar o diretor Ridley Scott a empobrecer o filme inserindo narrativas em off com a voz de Harrison Ford para tornar a obra mais fácil e comercial.

Em Vicky Cristina Barcelona há um mal disfarçado deboche classista dos personagens que representam a busca de uma vida mais equilibrada, os que não são artistas. Seriam seres insossos, financistas excessivamente preocupados em ganhar dinheiro e consumir luxos. Os exóticos, hedonistas, charmosos e valorizados são os artistas, pintores, músicos, poetas, esses seres que vivem nos limites das paixões e criam novos sentido para o mundo.

Mas, ora bolas, se não houvesse gente com grana, disposta a pagar fortunas por uma meia dúzia de pinceladas dispersas em uma tela, como as que fazem os personagens Juan Antonio, de Bardem, e Maria Emília, de Penélope Cruz, quem iria sustentar os luxos dessa dupla? Se os dois não tivessem como pagar seus vinhos e jantares caros, como iriam ter tempo para se esfaquearam e viverem de arte? É fácil ridicularizar os executivos enquanto se glamouriza a vida dos artistas. Difícil seria fazer o oposto.

E que história é aquela do poeta que escreve poesias tão belas que prefere destruí-las para não vê-las publicadas e não referendar as leis do mercado capitalista? Essa é uma das maiores idiotices que já vi. E o tal homem é mostrado no filme como um gênio. Tenho várias palavras palavras alternativas para chamá-lo. Gênio não é uma delas.

Não há nada de especialmente radical ou corajoso em mostrar turistas curtindo dias de loucura antes de retomar sua vida cotidiana. Seria como uma versão mais chique e colorida de Curtindo a Vida Adoidado. Ou, como lembrou o jornalista Arthur Dapieve no Globo "jovens-americanas-vivem-aventura-amorosa-em-país-latino. Não é muito original, é? Lembra o plot de Orquídea Selvagem". E tudo continua igual e nada muda ninguém. No filme Três Formas de Amar, pelo menos os personagens saem profundamente mexidos da experiência.

Para um filme mais audacioso, recomendo Rumo ao Sul, de Laurent Cantet, com Charlotte Rampling que conta a história de três mulheres americanas que viajam até o Haiti e se envolvem com o mesmo homem, um jovem local cheio de sex appeal. Estou sendo um pouco injusto. Vicky e suas amigas tem seus méritos. Felizmente não sou pago para relacioná-los.

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