31.7.10

Deixe Lisbeth, a hacker punk, pegar você!

Há quem considere os romances policiais um gênero menor dentro da literatura, como se fosse uma literatura classe B. Não quero comparar nada, não estou reduzindo Dostoievsky, Proust, Balzac ou Cervantes, mas é uma pena que ainda haja leitores com preconceitos em relação aos bons romances policiais.

Há uma tradição dentro da literatura policial de levar grandes histórias para o cinema roteirizando livros de excelentes autores como Arthur Conan Doyle (criador de Sherlock Holmes, presente em dezenas de produções); Edgar Allan Poe, com seu lendário Os Crimes da Rua Morgue, entre outros clássicos, além de James Ellroy, criador dos livros Dália Negra e Los Angeles Cidade Proibida adaptados para o cinema por Brian de Palma e Curtis Hanson. O segundo deu o Oscar a Kim Basinger.

Não poderia esquecer a intensa literatura de Patricia Highsmith, criadora do célebre personagem e vilão mais charmoso da literatura policial, Tom Ripley, que aparece em seis livros e diversos filmes, além de ser a autora de uma obra prima adaptada para o cinema por ninguém menos do que o mestre do suspense Alfred Hitchcock. Estou falando do genial Pacto Sinistro (Strangers on a Train), cujo roteiro foi de outro grande escritor policial: Raymond Chandler, criador do detetive Philip Marlowe encarnado por Humphrey Bogart nas telas no clássico À Beira do Abismo (The Big Sleep), contracenando com Lauren Bacal no auge da sua beleza.

Bogart também viveu outro detetive famoso no cinema em Relíquia Macabra. Tratava-se de Sam Spade, criação do escritor policial Dashiell Hammet. O título no original era O Falcão Maltês e a película tem direção do inigualável John Huston. Grande parte dessas obras fez parte do ciclo de cinema noir americano.

Quase perto do fim da lista de escritores de fantásticos livros policiais, Denis Lehane, com três livros já adaptados para o cinema: Sobre Meninos e Lobos (Mistic River), Medo da Verdade (Gone, Baby Gone) e Ilha do Medo (Shutter Island). Três filmes onde brilham astros como Sean Penn, Tim Robbins, Kevin Bacon, Laurence Fishburne, Ed Harris, Morgan Freeman, Leonardo DiCaprio, Max von Sydow e Ben Kingsley e diretores como Clint Eastwood e Martin Scorsese.

E não poderia terminar a lista sem falar da rainha do policial, Agatha Christie, criadora genial de personagens como o detetive belga Hercule Poirot e o alter ego da autora: Miss Marple. São mais de 90 livros com varias adaptações para o cinema, com destaque para os insuperaveis Assassinato no Expresso do Oriente, Morte Sobre o Nilo, O Assassinato de Roger Ackroyd e O Caso dos Dez Negrinhos.

Ok, se você leitor chegou até este sétimo parágrafo deste texto saiba que tudo o que está escrito acima é para introduzir o que vem abaixo. É uma pena que seja preciso uma longa explanação sobre a história do romance policial e sua tradição de sucesso nas telas de cinema para dar mais de credibilidade, no texto, a uma série de livros que criou legiões de fãs pelo mundo e merece ser lido sem restrições. Falo da série Millenium, do jornalista sueco Stieg Larsson.

A obra já foi traduzida para mais de 40 idiomas e é um sucesso internacional com mais de 25 milhões de livros no mundo. O que é mais do que impressionante, pois são três livros totalizando 1.874 páginas. O primeiro volume: Os homens que não amavam as mulheres, tem 522 páginas; o segundo: A menina que brincava com fogo, tem 667 e A rainha do castelo de ar, totaliza 685. E a saga tem vendido tanto que a editora brasileira Cia das Letras lançou uma segunda linha da série a preços mais baratos. Só posso lhe dizer uma coisa. Acabe com seus preconceitos e vá correndo comprar os três livros. Você vai virar fã também.

E como não poderia deixar de acontecer com as grandes obras policiais, esta também já foi adaptada para o cinema. O primeiro livro ganhou as telas e nos cinemas brasileiros ficou poucos dias em cartaz. Certamente por ser um filme sueco, com atores desconhecidos e cuja distribuidora não tem o cacife dos estúdios americanos.

Mas Hollywood, que não é boba, já comprou os direitos de filmagem e o ator Daniel Craig interpretará o jornalista Mikael Blomkvist, protagonista da série. Escolha acertada pois Blomkvist encarna um personagem que tem muito de James Bond. Não se sabe ainda quem fará o papel da anti-heroína hacker punk e lésbica Lisbeth Salander por quem todos os leitores da série acabam se apaixonando apesar de ela levar a expressão anti-social ao seu paroxismo. Todos nós embarcamos na garupa da moto de Salander; todos nos angustiamos com as perseguições a que ela é submetida; todos exultamos quando ela consegue se vingar dos que a sacanearam; todos nos perguntamos se valeu à pena diante do seu sofrimento e todos chegamos ao final com a sensação de que o autor não nos deixou na mão e a resposta está no último capítulo da série.

Após terminar a leitura do terceiro volume senti uma espécie de orfandade, de repente eu, que convivera por semanas com os personagens de Stieg Larsson, estava irremediavelmente abandonado. Não haveria mais histórias com Mikael Blomkvist e Lisbeth Salander, já que a série que estava prevista para ter 10 volumes encerrou-se no terceiro, pois o auto Stieg Larsson morrera com 50 anos de idade, vítima de um ataque cardíaco fulminante. Fumava 60 Marlboros por dia e trabalhava 14 horas seguidas para nos trazer as intrigantes histórias de Salander e seus perseguidores.

Se você aceitar meu convite e se deixar levar pelos três livros, prepare-se, pois eles grudam. Depois de iniciada a leitura, você não conseguirá largar, já que a trama é muito bem urdida, os personagens e os diálogos são bem construídos, o ritmo é extremamente ágil. Os ingredientes são de primeira: um sumiço de uma herdeira milionária; pedofilia; perseguições; tortura; tráfico de mulheres; espionagem industrial; acobertamento de crimes pelo Estado sueco; incesto; pirataria cibernética; sexo, dinheiro e poder.

Deixe Lisbeth Salander, a hacker punk, pegar você! Dá uma agonia danada mas, acredite, valerá à pena!

1 comment:

Anonymous said...

Excelente crítica, Luiz. Fiquei bastante curiosa sobre a série. Conheço a série de TV Millenium, e talvez venha daí a resistência de alguns a se aventurar pelas páginas desses livros...

- Jamille