Esse é um livro especial da Cia das Letras com as fotos, o roteiro e os textos do filme Abril Despedaçado, do diretor Walter Salles, que vale à pena ter. O livro conta com mais de 200 páginas, tem capa dura e é muito bem impresso em papel de boa qualidade, com fotografias tão bonitas que lembram as de Sebastião Salgado e textos ricos, com informações interessantíssimas sobre o adaptação para o cinema do livro do albanês Ismail Kadaré.
Já se comentou que o fato de ser essa uma história com data e local definidos retira dela sua possível característica de fábula. Em parte concordo que o diretor poderia ter abdicado da informação quanto ao tempo e ao espaço porque saberíamos onde e quando a história se passa, mas, de qualquer modo, no livro, Walter Salles reafirma o caráter universal e até mitológico da história, lembrando a origem da obra original, a Albânia, e a lenda de Orestes na Mitologia Grega. Assim, é impossível discordar de que, independentemente de a história se passar no sertão brasileiro de 1910, sua universalidade é inegável, como lenda, mito ou como tragédia familiar. Aliás, não foi um poeta que disse: "Queres falar do mundo, fala da tua aldeia"?
Escreve Salles "No decorrer da preparação de Abril Despedaçado, uma série de episódios violentos reforçaram a escolha por uma obra aparentemente descolada da realidade, situada em tempo e espaço não muito definidos, mas que nem por isso deixaria de estar ligada à questão da violência no Brasil. A realidade atingiu um estágio em que não há ficção que possa chegar a seus pés"
Lendo os seus comentários no livro, compreendi muitas coisas que não tinha entendido antes. Não me impressionam as críticas à improvável afetuosidade entre irmãos no sertão porque, na verdade, esse é um filme sobre o amor de dois irmãos. Diz-se que no sertão os irmãos são secos, não têm esse tipo de afeto. Posso até concordar, até porque foi lá que nasci e cresci e conheço bem, mas isso não desmerece o filme e o objetivo de Walter Salles que foram perfeitos.
Muitas cenas que deram trabalho infernal ficaram de fora na montagem. Walter Salles tinha um conceito e respeito-o imensamente pela sua coragem e fidelidade ao seu princípio. Ele mesmo diz que dava dó cortar belíssimas cenas e sequências filmadas e cita Drummond: "fazer poesias é cortar palavras". Nessas horas a gente lembra da exuberância excessivamente prolixa de Lavoura Arcaica e sente a falta de um montador com conceito, mas também com coragem.
Até mesmo a cena final quando Tonho encontra o mar...alegórica, destoante do realismo com que o filme vinha caminhando até ali, só agora, no livro, compreendo seu propósito que é o de Tonho homenagear o irmão e seu sacrifício. Não sei como não percebi isso quando vi o filme.
Quando ouço as críticas ao filme e a Salles acusando-o de privilegiar a estética em detrimento da história eu não sei se rio ou se choro pelos infelizes que pensam assim. Quanta riqueza e quanta história existe por trás da imagem de uma camisa ensangüentada ao vento ? E o que mais precisa ser dito quando Clara observa, angustiada, a lua completamente cheia, e sabe que chegou a hora da morte de Tonho?
Alguns críticos torceram os narizes para o redenção do final brasileiro, diferente do original, como se uma conclusão fosse menor e menos filmicamente dramática que outra. Aliás, é bom que fique bem claro que o próprio Ismail Kadaré aprovou o filme, estando entre os entusiastas que aplaudiram sua estréia em Cannes.
De qualquer maneira o filme não tem um final de todo feliz. Tonho se salva, descobre o amor com Clara e põe fim à tragédia. Mas a que preço? Aliás, os gestos nobres do menino, o agnus dei, seu olhar doce para Tonho dormindo, sua expressão ao ver a cama vazia e descobrir que o irmão seguiu seu conselho e fugiu do círculo da tragédia, sua decepção ao presenciar o retorno de Tonho para a terrível bolandeira... todo seu olhar é de uma pureza e uma eloquência sem palavras que enchem os olhos de água, arrebentam a alma e despedaçam o peito.
1 comment:
tá aí um filme q quero ver. tô querendo rever filhos da esperança e fonte da vida. já checou??? abraço!
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