2.1.07

Infidelidade


Há algum tempo escrevi sobre “De Olhos Bem Fechados” onde comparava Stanley Kubrick a Adrian Lyne e afirmava que os filmes de Lyne têm mais sensualidade e são, paradoxalmente, menos conservadores e moralistas do que os de Kubrick.


Particularmente comparava “De Olhos”...com “Lolita”, mas, para minha sorte, Lyne lançou depois daquele meu texto “Infidelidade”, um filme que cabe perfeitamente bem na comparação que faço entre os dois diretores e entre os filmes. Como já não suporto mais falar da caretice de Kubrick vou falar de Lyne. E para variar, em vez de falar mal de um filme, vou falar bem.

Em “Infidelidade” temos Richard Gere e Diane Lane formando um triangulo amoroso com Olivier Martinez (visto em “Antes do Anoitecer”, excelente filme sobre o escritor cubano Reinaldo Arenas). Mr. Gere e Mrs. Lane são o perfeito casal de propaganda de margarina que vive o sonho americano com seu filhinho que faz teatrinho na escola e seu cachorro numa bela casa perto de Nova York. Lane vive um caso extraconjugal repleto de tensão sexual e extremamente voluptuoso. Ela se entrega ao affair sem culpa e sem medo e intrepidamente se arrisca além da prudência.

O que o filme tem de mais interessante é essa abordagem da traição da esposa. O que a gente está acostumado a ver é a traição dos maridos. Homens são educados para amar verdadeiramente sua a esposa e ter relações com outras mulheres. Nesse filme o papel é invertido e a esposa trai o marido mesmo amando-o. Só por essa sacada e quase originalidade, Lyne merece todos os elogios.

Adrian Lyne esperava que Infidelidade provocasse a mesma polêmica de seus trabalhos anteriores. Nesse filme o tema adultério é abordado de forma não convencional. Segundo Lyne, Indifelidade trata a traição em um relacionamento como algo natural. Ele pensou em fazer um filme mostrando um casamento que estava se desmanchando mas achou que isto seria entediante. Seria muito mais interessante se o casamento fosse perfeito e, ainda assim, a esposa tivesse um caso. “Não acho que as pessoas têm relações extra-conjugais porque vivem infelizes. Acho que o acaso tem uma grande parte nisto”, comentou.

Para Lyne o filme é diferente de La Femme Infidelle, obra-prima de Claude Chabrol: “Esse é um thriller erótico que explora os relacionamentos num novo nível de intensidade e perigo. O filme mostra uma visão cheia de suspense de como são criadas cortinas de fumaça para esconder as culpas de cada um.”

Lyne dirigiu filmes como 9 1/2 Semanas de Amor, Lolita, Atração Fatal ou Proposta Indecente. É acusado pelos críticos de fazer filmes como se fossem videoclipes. Filme não devem ter elementos que interfiram na narrativa e chamem mais atenção do que os atores e a história, cinema não deve ser assim, esses elementos devem ser dosados e entrarem na trama de modo natural, mas deve-se reconhecer que Lyne evoluiu bastante nesse tempo e perdeu um pouco dessa tendência que trouxe dos seus anos de diretor de comerciais.

Em Infidelidade encontramos esses elementos, só que em momento algum eles interferem na narrativa. Mas virou moda criticar Lyne por isso. Ninguém reclamou, por exemplo, quando Jane Campion, diretora do premiado “O Piano” fez pretensiosas estripulias preciosistas com a fotografia e a iluminação das cenas de “Um Retrato de Mulher”. A diretora chegou a ser escrachada ao vivo no set por John Malcovich: “ Você pensa que está fazendo um quadro de Caravaggio? Isso é só um filme!” Ninguém critica Campion mas Lyne recebe porrada de todo lado. O moralismo está em quem critica Adrian Lyne. Exemplo disso é a sua versão de Lolita que nem mesmo foi lançada nos cinemas americanos por ser considerado ousado demais. O puritanismo é extremamente contagioso.

O que há de melhor no filme é a honestidade de Lyne na conclusão da obra. Há uma traição e qual o resultado de uma traição quando o cônjuge descobre? Que sobrevida pode ter uma relação depois disso? Mesmo se o casal decide permanecer unido, jamais a história deles será a mesma. E dessa premissa Lyne não se desvia. Por que razão isso seria sintoma de moralismo ou conservadorismo? Quando a mulher descobre a traição do marido ela pode perdoar e ninguém questiona se a relação fica fissurada ou não, mas se o homem é o traído as críticas partem de todos os lados e todos se arvoram a dizer que a relação já era chatinha mesmo, o galã era esquisito, a mulher era balzaquiana, o marido era bestinha etc.

Gostei do filme começar de um jeito, na metade enveredar por outro e lá pelo terço final ter uma reviravolta policial. Vi gente que criticou esse fato. Tem uma turma que não sabe apreciar esse tipo de surpresa, gente que só quer ver o que é previsível. O personagem de Richard Gere tem uma reação dramática e de uma tensão fílmica impressionantemente sofisticada e ele consegue traduzir perfeitamente bem seu conflito. Lyne mostra a seqüência muito bem filmada, a faca, a bola de vidro, o sangue, os livros, a secretária eletrônica, o tapete, o elevador, a mala do carro... E emoldurando tudo efeitos de som que prolongam e reforçam a tensão. Tensão que continua na cena da batida no fundo do carro na saída da escola do filho, na fuga à noite para o depósito de lixo...E uma luz perfeita que não interfere em nada na narrativa, ao contrário do que dizem críticos de má vontade.

A cena em que as duas amigas da personagem de Diane Lane se encontram com ela no café tem um diálogo muito bom que muitos fingiram não ver, principalmente quando uma das mulheres, numa interpretação extremamente sutil, afirma que uma vez traiu o marido e qual a conseqüência daquele ato: “Todo caso termina em desastre”. A verdade por trás dessas palavras é dolorosamente genuína. Qualquer caso digno desse nome termina em desastre. E os críticos preferem falar mal da cena da transa no banheiro daquele café onde as amigas estão. E o que a cena tinha de ruim? Resposta: era bem filmada demais, bem coreografada demais. Como um comercial! É demais não!?

Exemplo desse tipo de má vontade se vê numa crítica do antigo site Anedota Búlgara onde o autor faz uma brincadeira sem graça e chama o filme de “O diabo na carne de Mrs. Lane”. O homem deve sofrer de algum tipo de dor-de-cotovelo. Compara Olivier Martinez com Mickey Rourke “barba por fazer, aparência desleixada, voz rouquinha e sexy, hábitos sexuais esquisitos, ar intelectual...” Compara a cena de ventania em Nova York a um “comercial-de-impulse" Qual o problema? A cena da ventania tinha que ser feia e mal feita para agradar ao crítico? Não pode ter uma boa luz porque senão vira comercial? E, afinal, aquele tipo francês deve agradar bastante às mulheres, talvez não agrade ao crítico, mas não é aos homens que ele tem que agradar não é mesmo?

Pois eu continuo a dizer: Moralistas são os críticos. Adrian Lyne é ótimo!

No comments: