Pela
terceira vez ela o encarava com aquele olhar de desdém. Ele não aguentava mais
aquilo. Quanto tempo ela achava que ele suportaria? Três anos juntos e
infinitas brigas, discussões, humilhações públicas. Era como um concurso, como
um teste, cada um explorando ao máximo os limites do outro, testando sempre.
Experimentaram tudo juntos, as delícias
intensas de serem como um só parecia ter ocorrido em um tempo lendário, ou fora
um conto de fadas ou uma piada de mau gosto. Viveram também a lama, o lodo da
relação, as drogas, o álcool...trocaram segredos íntimos, revelações...Tudo!
Afinal, eram um só.
Mas naquela noite ela estava usando a arma
mais terrível, reservada para momentos extremos. Ele sentia um misto de raiva,
desprezo e desejo. Segurou-a pelo pulso, forte. Ela levantou o queixo, jogou o
cabelo para trás...e aquele olhar...Ele jogou-a no sofá e ela ainda exibia o
mesmo sorriso, cínico, superior, cada vez mais venenosa.
Ela,
cada vez mais dona da situação. Quem conseguiria dobrá-la, vencê-la?
Ele
decidiu que naquela noite, naquela hora, pelo menos por um minuto ele seria capaz
de derrotá-la. Meio envolvido por essa tênue gana de macho ferido ele se moveu.
Seguro finalmente. Mas ela não o sabia ainda.
O
sorriso ainda continuava ali, o desprezo também. Ela usava toda a munição.
Ele
avançava como um gato, como uma cascavel e, sem que ela esperasse — porque ele
nunca o fizera antes —, rasgou-lhe a blusa com violência e os seios dela saltaram
firmes, sob o tecido.
A visão o provocou mais. Era como um selo, um
sinal, um símbolo. O sorriso agora já era forçado, o pudor, atávico. Surpresa
mal disfarçada. Mas ela bem que tentou. Fêmea acuada, tentou... A munição já
fora gasta? Ele ainda não sabia.
Estava determinado. Sentou-se entre as pernas
dela e com ódio e desejo no olhar, enfiou as mãos sob o seu vestido, tocando-lhe
as coxas sem desviar os olhos do seu olhar.
Se
ela resistisse, era como capitular, se se entregasse; como dar-se por vencida.
A dúvida estava tão presente quanto a faísca quase morta do desejo que, súbita
e sorrateiramente, parecia reacender. Ele seria capaz de fazer aquele desejo
reviver? A umidade no baixo ventre parecia gritar que sim.
Mas na mente, ou seria no peito, a raiva, os
remorsos e o desejo de castigá-la pareciam ainda ser fortes. Ele era forte. Sua
barba de alguns dias e o cheiro de álcool impregnado por todo o seu corpo tornavam
sua figura um misto de mendigo, de homem do mundo, marinheiro, os desejos de
moça dela.
Quanto
tempo?
Ela
ainda se lembrava de tudo, quanto se rastejara, quanto se humilhara, implorara
carinho. Aquele era o homem que matara sua inocência. Aquela mulher agora era
ela. Decidira, após esse tempo todo, vingar-se dele, mas a mão, alojada agora
no encontro das suas pernas, era onipotente, retirando-lhe as energias que ela
precisava para cumprir a missão de vingar-se dele, de resistir a ele.
Aquela umidade teimava em contradizer o olhar
de des-pre-zo.
Ele baixou o rosto e mordeu delicadamente (queria
ser rude, foi suave), um dos bicos de um dos seios. Percebendo-se suave mordeu
mais forte. Queria ser rude. O bico do seio crescia dentro da sua boca. Ele
desceu com a língua pela barriga até o umbigo, mergulhou devagar fazendo
voltas, a barriga dela agora descia e subia, ela já arfava baixinho, tentava
controlar-se, mas o sangue já inundava o seu rosto e todo o resto.
A
mão dela queria acariciar os cabelos desse homem, mas ela resistiu no meio do
caminho. Bravamente, ela lutava contra uma maré, um oceano de carne que
pulsava.
Ele
levou uma das mãos à braguilha e, apressadamente, sem jeito ou habilidade, tirou
seu pedaço mais quente e resistente.
Ela
olhou, misto de assustada, curiosa e desejo.
Ele
avançou como um huno para dentro dela. Agora que ele sabia que havia toda
aquela umidade ali, ele parecia ter um convite formal.
Há eras, parecia ter ocorrido em outra vida,
tal a distância que eles se impuseram, ela conhecia essa sensação. Lembrava-se
agora. Fora a conquista, o prêmio que se permitira receber. Foi quando se
concebera mulher.
Mas não se tornara mulher quando ele destruiu
sua inocência fazendo-a rastejar-se? Ou havia se tornado mulher antes?
Aquele homem arremessava-se agora com uma
fúria primal para dentro dela. Ela se lembrava. Ele se movia cada vez mais
forte, cada vez mais bárbaro. A raiva e o desejo. O desejo, a raiva e o desejo.
A raiva-desejo!
Ela
se lembrava de algo parecido, mas nunca tão forte.
Ele
decidira que ela viveria o maior prazer que já sentira na vida. Ela saberia
como ele podia ser bom e como ela tinha sido estúpida de tê-lo afastado de si,
atirando-o na terrível miséria de não ter a quem se dar. Ele iria destruir suas
barreiras. Quanto mais forçava, mais elas iam caindo. Uma por uma. A raiva
então parecia tão distante. Do que era mesmo que ela o culpava?
E
o desejo em ondas.
Aquelas vagas titânicas de desejo.
Ele
não gozaria jamais, Ela jamais deixaria de gozar. Ele ainda tinha bem presente
o ódio que havia entre os dois. Aquela conjunção era sua única arma contra
tanto veneno. Ele não sabia ainda que tudo que agora restava daquela mulher-fortaleza
era a caverna escura e úmida por onde a penetrava como um aríete em brasa. Tudo que
sobrava dela eram ruínas de uma casamata onde ele, totem em chamas, saboreava
sua vingança.
Ela
estava toda entregue, acariciava-o, cruzava as pernas nas costas dele sobre o
sofá, posição difícil, ela gritava, uma muralha inteiramente desabada de prazer.
Ele
arremessava como um selvagem, um cruzado, um alucinado, a sua mulher, a sua
mula, sua... Ele não ousava ainda pensar. Ele cada vez mais excitado,
silencioso, nem um gemido, o suor banhava todas as partes, as mais secretas.
Ele não falava, não gritava, só a respiração pesada, quase um arfar murmurado.
Ele calado. Ele, concentrado, não gozaria jamais. Estava reservado para ela
como uma overdose.
Quanto tempo seria necessário, horas, dias,
anos? Mais?
A mão dele descia agora, suave, pelo rosto
dela, pelos seios. Ele agarrara um seio. Agora seria dor? Ele a esbofeteava!
Esbofeteava forte! Nunca fizera aquilo antes. Por que nunca fizera aquilo
antes?
Ela
nunca se sentiu tão dominada pelos sentidos. Cada bofetada dele era como uma rajada
de espasmos que lhe percorriam todos os milímetros da pele, era calor e era
cheiro, o som de cada tapa nas faces, na boca, a cabeça voltando-se para os
dois lados, para um lado e para o outro, os cabelos selvagemente desalinhados,
molhados de suor, grudavam em partes do rosto dela escondendo do olhar dele o
olhar dela. Ela nunca antes se sentira tão liberta da vergonha. Sentia dor e
gostava. A dor-prazer!
De
onde vinha tudo aquilo? Daquele homem? Daquela mulher? Eram desconhecidos. Anos
juntos e não se sabiam. Quanto mais ela gemia alto, mais ele se calava e, silenciosamente,
arremessava-se, sequer a se permitir um único som.
Do
que ela o culpava?
Do
que ele a culpava?
Então,
finalmente, quando não havia mais como resistir, ele, o homem, entregou-se a
ela. Desabou num grito imenso. Um imenso e contido grito apenas e todo um mundo
veio abaixo. Bastava aquele grito e todo o mundo não seria suficiente para
restaurar o seu ódio perdido, esfacelado em meio ao jorro de vida com que ele a
inundara.
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