Aqui estou, no meu terreno sagrado, minha definição de liturgia: a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Definitivamente, cheguei à conclusão depois de dez anos frequentando as salas de cinema da Mostra, de que esta é a melhor coisa que faço a cada ano. O ambiente que respira cinema é como oxigênio puro para mim. Não há nada que se compare à orgia cultural que São Paulo oferece, principalmente quando, além da Mostra, há a Bienal de Artes e tantas peças de teatro imperdíveis. O dia deveria ter 48 horas para poder aproveitar tudo.
Bem, já estou há 7 dias na Mostra e só agora arranjei tempo para escrever. Hoje me preparo novamente para a maratona que deve começar com um filme às 14h e terminar com o quinto filme que começa a meia noite terminando às 2 da madrugada.
A Mostra continua com a mesma cara, apesar da morte, no ano passado, do seu organizador nesses anos todos: Leon Cakoff. Mas sua companheira de anos, Renata de Almeida, tem tocado o barco direitinho, sempre com o patrocínio da Petrobrás. Este ano, como sempre, um cineasta foi escolhido para fazer o cartaz da Mostra. Essa é uma ideia interessante porque ficamos desde o cartaz (que envolve catálogos, vinhetas, guias, canecas, blocos de anotações, camisetas etc.) envolvidos pela atmosfera de cinema. Este ano, o cineasta escolhido foi Andrei Tarkóvski, que fez uma opção para o cartaz bastante parecida com o tipo de filme que ele faz.
Também há retrospectivas e homenagens ao próprio Tarkóvski a aos cineastas Sergei Loznitsa e Minoru Shibuya (não me perguntem quem são, pois nunca tinha ouvido falar deles. O público mais cinéfilo radical é que sabe quem eles são. Os filmes deles parece que são meio obscuros). A Mostra tem dessas coisas. Todo ano escolhe uns cineastas assim para homenagear ao lado dos figurões. Isso tem seu lado bom, pois traz para o grande público gente mais ousada e fora do circuito, mesmo o circuito de arte. Tem também algumas apresentações especiais de filmes restaurados e como todo ano, uma apresentação gratuita de um filme mudo ao vivo no Parque do Ibirapuera, acompanhado pela orquestra sinfônica da Petrobrás e coro, regidos pelo maestro Pierre Oser. O ano passado foi o filme Metrópolis e este ano é o clássico Nosferatu.
Como sempre digo, a maior angústia de um cinéfilo que tenta acompanha a mostra é muito menos escolher os filmes que irá ver, mas selecionar os que irá perder, afinal são 350 longas e inúmeros curtas em 30 salas de cinema espalhadas por São Paulo. Com tantas opções, vemos muitas vezes os nossos filmes selecionados chocando horários, salas com lotação esgotada e mudanças de programação que fazem com que os frequentadores andem de um lado para o outro com o caderninho de anotações todo rabiscado fazendo malabarismo para encaixar os filmes nos horários disponíveis.
Uma das coisas chatas da Mostra é que com tanto filme para passar e em tantos locais, é necessária uma logística muito boa, pois ainda tem a questão das legendas eletrônicas já que muitos filmes são falados numa língua, com legenda em outra e que precisam de uma segunda legenda eletrônica em português. É muito chato quando um filme atrasa pois muitas vezes se faz uma programação fechadinha como por exemplo 5 filmes e o começo de cada um deles está ligado ao final do anterior. Se forem na mesma sala não tem problemas pois se o anterior atrasa o seguinte irá atrasar também mas se forem salas diferentes muitas vezes a opção é sair do filme anterior antes do fim ou pegar o filme seguinte já começado ou pedir a devolução do dinheiro.
A Mostra é um ambiente em que vemos os mesmos tipos todos os anos. As pessoas já se conhecem pelo nome e trocam opiniões o tempo todo. Sempre tem alguém falando se o filme x é bom ou ruim etc. Isso muitas vezes ajuda a escolher e eu mesmo já me peguei pedindo opinião a estranhos ou a velhos conhecidos de outras mostras. O ruim é quando alguns mais exaltados, e tem muitos desses, resolvem falar aos berros como se todos fossem surdos. Nessas horas me amaldiçoo por não ter trazido meu MP3.
Algo que me incomoda um pouco é quando o filme acaba de terminar e sempre tem alguém perguntando ao vizinho: “Gostou?”. Por essas e outras é que gosto de ver um filme sozinho pois, muitas vezes eu não sei se gostei ou não do filme assim que ele acaba. Muitas vezes ele continua a passar em minha cabeça e eu posso sempre passar a entender certas nuances depois do fim. A história vai sendo digerida e assimilada aos poucos. Cinema devia ser considerado um prazer solitário e deviam fazer salas apenas para pessoas desconhecidas. Nessas salas, certamente paulistas, deveria haver uma placa com a frase de Nelson Rodrigues alertando: “A pior solidão que existe é a companhia de um paulista”. Não se pode dizer isso dos baianos, para quem não existe solidão, pois sempre haverá algum interativo por perto para reclamar atenção.
Pois bem, depois de seis dias de Mostra aqui vai o meu saldo parcial: 17 filmes vistos. Numa média aproximada dá quase 3 por dia. Espero melhorar essa média nos próximos dias mas ainda não fui a qualquer teatro nem na Bienal então não garanto....
Os três primeiros filmes foram coincidentemente alemães e girando em torno da temática do amor de um homem por uma mulher com algum nível de estranheza entre eles.
BRUTAL conta uma história bastante seca sobre a relação de um rapaz de 15 anos que vive em uma pequena vila rural da Alemanha. Uma artista conhecida de 43 anos aparece naquele local isolado para escapar de uma relação que terminara e para descansar. O encontro desses dois é recheado por atração mútua, estranhamento e uma forte carga de tensão sexual. O rapaz não é bem visto pela família nem pelos amigos e a artista sofre rejeição da comunidade. Ambos são seres carentes de afeto e ela decide roubar o rapaz da sua família. Algo que tinha tudo para dar errado, revela-se, de algum estranho modo, promissor quando ela, uma mulher dura como pedra, acostumada a fazer os homens sofrer, revela ao garoto que nunca soube como dar amor para ninguém. E pede, com genuíno desejo, que ele a ajude. É a cena final, crua, sim, seca, sem dúvida, mas é alguma luz, mesmo fria, num inverno de possibilidades.
FELICIDADE - O segundo filme alemão é também a história de um casal diferente. As primeiras cenas são de um lirismo arrebatador. Imagens de uma família (pai, mãe e filha jovem) numa aldeia da Macedônia, cuidando dos carneiros, preparando potes de mel, tomando banho de rio ou comendo numa mesa de jantar. Tudo belíssimo com fotografia e trilha sonora perfeitas. Imagens que de tão bonitas chegam a quase congelar na tela como um quadro. Mas aos poucos tudo isso se transforma quando a guerra atinge aquela aldeia. Mortes, estupro e desgraça. Irina, a moça, é violentada por vários soldados em frente aos corpos dos seus pais e deixada para morrer. Ela foge e logo a vemos se prostituindo nas ruas de Berlim. Eis que ela conhece Kalle, um jovem e belo punk alemão. Esses dois seres acabam descobrindo o amor e farão de tudo para defender o que conquistaram. Constroem um apartamento para eles e o amor é tão forte que os fará sobreviver a tudo. E tudo ameaça desabar quando um cliente de Irina morre enquanto faz sexo com ela. Em pânico ela não sabe o que fazer quando Kalle chega em casa e encontra o morto. O que ele decide fazer é a maior prova de amor que ele será capaz por alguém. Há uma cena especialmente bonita ao som de Non, je ne regrette rien, na voz de Edith Piaf. Um final redentor para alegrar todos os corações.
MAR DA ESPERANÇA foi o terceiro filme alemão também com um fundo sobre o amor de um casal diferente:um jovem estivador alemão oriental, Cornelis, e uma jovem vietnamita nos anos 80 antes do fim do comunismo na Alemanha Oriental. Cornelis e Andreas são dois amigos que sonham o impossível na época: deixar o país. Pensam em fugir pelo mar e se empregam num estaleiro, mas acabam sendo cooptados pela temível Stasi, a polícia secreta alemã e para fugir precisam dedurar um dos seus colegas para a polícia. Tudo desanda e fica cada vez mais dramático quando Cornelis volta atrás no plano e foge com a vietnamita pela fronteira Tcheca. Ele é capturado e ela escapa. Enquanto isso, o amigo Andreas se torna colaborador e fará de tudo para sobreviver, nem que tenha que denunciar o amigo, separar o casal e manipular a todos. Um filme com roteiro bem amarrado, com doses certas de tensão. Quem não gosta de uma boa história de amor impossível que luta contra tudo e contra todos para sobreviver?
A ÚLTIMA AMBULÂNCIA DE SÓFIA - Taí um filme a que eu poderia muito bem não ter assistido. Uma produção da Alemanha, Bulgária e Croácia que mostra uma cidade com pouquíssimas ambulâncias para atender a 2 milhões de pessoas e a rotina de dois paramédicos que fazem de tudo para salvar vidas. A sinopse, quando li, parecia interessante, mas o diretor fez uma opção muito antipática, talvez querendo ser estiloso: o filme inteiro é mostrado apenas com closes no casal de médicos e no motorista da ambulância. Nem original é, pois Abbas Kiarostami já fez isso muito melhor em seu filme “Dez”. Não há música e os diálogos são ridiculamente banais. Nenhuma vez há uma tomada externa da ambulância ou dos pacientes atendidos. Se fosse apenas um pudor de não mostrar os pacientes eu até entenderia, mas não mostram os interlocutores, sejam policiais, enfermeiros ou familiares dos pacientes. É irritante, exaustivo e faltando dez minutos para acabar deixei a sala pois, felizmente, tinha um filme que ia começar naquele momento e para o qual eu já tinha comprado o ingresso.
ARCADIA – Um filme americano, um road movie em que um pai e seus três filhos empreendem uma longa viagem de carro de vários dias até a cidade de Arcadia, na Califórnia. Eles estão de mudança, mas a mãe não está presente. A filha do meio, de 12 anos, decide descobrir o que houve com a mãe e torna a viagem uma via crucis para todos, tanto o pai quanto a irmã mais velha e o irmão mais novo. A cada dia a tensão fica maior até que eles chegam à Califórnia a trancos e barrancos e a verdade vem à tona. Um filme que mostra como é difícil ser pai de adolescentes.
CRIANÇAS DE SARAJEVO- Um filme que é uma coprodução da Bósnia-Herzegovina, Alemanha, França e Turquia e é o candidato da Bósnia ao Oscar de filme estrangeiro. Uma história de luta de uma moça de 23 anos, para criar o seu irmão de 14,ambos órfãos da guerra da Bósnia. Vivendo em Sarajevo em uma época em que a guerra abriu um fosso moral e aqueles que lutaram na guerra para defender o país não encontram acolhida na sociedade que busca o lucro e a exploração. Um incidente infeliz na escola põe os irmãos em conflito e a irmã fará de tudo para unir o resto de família que lhe resta, enfrentando a todos para proteger o irmão que não está ajudando, mas aprofundando um fosso e ameaçando ser recolhido pelo serviço social já que flerta com a marginalidade. Um filme humano dentro dos limites do que o humano pode ser.
BERGMAN & MAGNANI: A GUERRA DOS VULCÕES – Um documentário italiano bastante interessante apesar de curto, apenas 62 minutos, mas agradável para quem gosta da história recente do cinema. O documentário recupera imagens de dois filmes feitos na mesma época (1950) na Itália e nas mesmas ilhas: Vulcano, com Anna Magnani, que tinha acabado de se separar de Roberto Rossellini, e Stromboli, filme que marcou o relacionamento de Ingrid Bergman e Rossellini. O documentário traz material de arquivo sobre o amor da atriz mais famosa do mundo (Ingrid Bergman), que era casada com um sueco, o diretor internacional mais admirado por Hollywood na época (Rossellini) e a atriz mais querida da Itália (Magnani). Foi por conta dessa relação que Bergman acabou com seu casamento e foi praticamente banida de Hollywood. O interessante é que ambos os filmes foram mal vistos e a imprensa italiana também se ressentiu do abandono de Magnani por Rosselini. E foi uma grande pena, pois ambos tinham feito filmes memoráveis juntos como Roma Cidade Aberta e ganhado prêmios internacionais. As cenas do documentário mostram os bastidores das duas filmagens que foram feitas simultaneamente para competirem uma com a outra como as duas atrizes competiram pelo amor do diretor.
OS SELVAGENS- Esse foi um filme argentino bastante cotado e elogiado pelos jornais que me lembrou o filme O Senhor das Moscas. Um grupo de cinco adolescentes infratores escapa de um reformatório numa região isolada. Na fuga matam pessoas e empreendem uma jornada trágica pela região inóspita. Durante dias andam muitos quilômetros a pé, atravessam montanhas e rios em busca de um lar. Caçam, matam, usam drogas, brigam e fazem sexo. Aos poucos a irmandade vai se esfacelando e resta a solidão e o desespero. Um filme sem redenção possível, ou pelo menos não sem sacrifício extremo.
DOM-UMA FAMÍLIA RUSSA – Um filme russo com uma história de uma família extremamente trágica. Como dizia o russo Liev Tolstói em Anna Karenina: “Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira". E é exatamente isso que este filme retrata: uma família russa que vive isolada num casarão numa estepe com um pai cruel e violento, eles se encontram para uma festa familiar, o aniversario do avô. Alguns dos filhos estão ausentes há 25 anos. Muitas tensões, conflitos e brigas vêm à tona e o filho mais velho está fugindo de um passado e de assassinos perigosos. Tudo isso vai acumulando uma tensão tremenda que leva a plateia a imaginar o pior. E o pior é pouco. Esses russos nunca decepcionam.
ESTUDANTE – Fui assistir a este filme do Cazaquistão por duas razões, a primeira pela sua nacionalidade pois não lembro do último filme do Cazaquistão que eu vi (Tulpan, que ganhou uma vez a Mostra é de lá mas eu não vi). O segundo motivo foi que a sinopse dizia ser inspirado ou baseado em Crime e Castigo de Dostoiévski. Um erro. Se o filme se baseia na novela russa está anos luz de atingir um milésimo do seu valor. Já vi outros filmes melhores inspirados em Crime e Castigo como o brasileiro Nina, de Heitor Dhalia com Guta Stresser e a grande Myriam Muniz (seu último trabalho). Sem falar em Match Point, de Woody Allen. Aqui a história de um estudante de filosofia sem nome que aluga um quarto no porão de uma mulher e pela falta de dinheiro assaltar uma loja e mata duas pessoas. Como a sensação de culpa é grande ele acaba se entregando. Ocorre que não sei se os atores são muito ruins ou a escola de interpretação do Cazaquistão é diferente daquela a que nós estamos acostumados, mas o ator principal tem cara de paisagem o tempo todo. Não é nem de longe indicado para demonstrar surpresa, culpa, remorso, covardia, audácia, medo ou qualquer sentimento que não seja o de um autista em crise catatônica.
PERNAMCUBANOS - O CARIBE QUE NOS UNE – Um documentário brasileiro e cubano que mostra as identidades culturais, musicais e religiosas africanas que unem Cuba e Pernambuco. É um documentário sob os olhares de uma atriz de teatro cubana e de uma mãe de santo pernambucana, uma visitando o país da outra. Não vi nada demais, um documentário bem bobinho e banal que não acrescenta nada ao que eu já sabia. Perda de tempo, mas não de dinheiro pois recebi o ingresso de graça já que aparentemente o filme foi apresentado para ocupar o espaço de outro que não pode passar e como eu tinha uma hora vaga entre dois filmes aproveitei a oportunidade mas como dizem que nada de graça vale à pena...
PERDER A RAZÃO- Uma coprodução da Bélgica, Luxemburgo, França e Suíça. Esse filme, que até agora foi o que mais gostei na Mostra, me interessou não apenas pela sinopse, mas por ser do diretor e roteirista Joachim Lafosse, que me impressionou muito na 32ª Mostra com o polêmico filme Lições Particulares em que tratava do tema da pedofilia com um olhar muito ousado. Aqui temos uma pequena história de terror familiar. Um drama trágico que se anuncia logo no começo. Na verdade fiquei até o final me perguntando porque o diretor optou por antecipar o desfecho do filme, perdendo assim a força da surpresa. No final entendi que a ideia era exatamente mostrar uma tragédia anunciada e para que ninguém pudesse depois dizer que a decisão final foi exagerada. Aqui temos a história de um casal apaixonado, mas o rapaz vive há anos com um médico que lhe proporciona uma vida confortável, já que se casou com a irmã marroquina desse rapaz para que ela tivesse cidadania belga e também adotou o moço. Quando os jovens se casam e têm quatro filhos em sequência, a dependência do médico passa dos limites e a generosidade vira opressão. Em uma profunda crise emocional, a mãe é vítima de uma arapuca que a leva a uma atitude desesperada. Um final chocante mas, como disse, uma tragédia anunciada.
MEU AMIGO CLÁUDIA- Normalmente sou refratário a documentários mas este brasileiro valeu à pena, tanto que até agora foi o único filme que vi que foi aplaudido no final. Tudo bem que tinha muita gente militante na plateia, pois o filme é sobre a ativista, atriz, cantora e travesti Claudia Wonder, que nos anos 80 foi uma grande agitadora cultural em São Paulo. Por meio de entrevistas da própria Cláudia e depoimentos de pessoas que conviveram com ela antes da sua morte, como Glauco Matoso, Grace Gianloukas, José Celso Martinez, Kid Vinil, Leão Lobo e Sérgio Mamberti, o filme mostra a efervescência criativa dos anos 80 antes da era Collor. Cláudia fez de tudo, de filme pornô a prostituição, de show de transformista a shows performáticos com uma banda de rock punk em que cantava como uma louca no estilo Lou Reed e terminava tomando banho nu(a) em uma banheira com “sangue” numa época em que o sangue passou a ser uma substância maldita em plena era da AIDS. Discussões interessantes sobre liberdade sexual, drogas, música, comportamento e política. Um panorama importante do que o Brasil passou nessas áreas nos últimos 30 anos. Saímos do filme com a sensação de que hoje somos mais caretas, menos ousados e culturalmente mais pobres e sexualmente mais reprimidos do que já fomos. O título do filme é o título de uma crônica de Caio Fernando Abreu que catapultou Cláudia Wonder para o topo da vida cultural antes do seu ostracismo e morte.
QUANDO VI VOCÊ - Coprodução da Palestina e Jordânia conta a história dos refugiados palestinos na fronteira da Jordânia em 1967 no auge do conflito com Israel. O filme pode estar no Oscar de filme estrangeiro deste ano já que é o quinto título escolhido para representar a Palestina na disputa pelo prêmio de Hollywood. Aqui vemos o garoto Tarek (alter ego da diretora que esteve nas mesmas condições) que vive com a mãe num campo de refugiados pois perderam a terra em que viviam durante a guerra com os israelenses. O menino é brilhante em matemática, mas não consegue ler e está sempre à espera do pai que nunca chega. O menino não se acostuma à vida no acampamento principalmente quando descobre que há refugiados ali há 20 anos. Foge para encontrar o pai e no caminho encontra os guerrilheiros palestinos com quem passa a viver. Há uma cena que pode ser considerada antológica quando os guerrilheiros dançam e a câmera focaliza seus coturnos e em seguida, numa brilhante fusão, as mesmas botas estão em plena marcha com o mesmo ângulo da câmera. A opção de mostrar a guerra pelo olhar de uma criança já foi usada por vários diretores como Spielberg em Império do Sol e por Louis Malle em Adeus Meninos, o que humaniza o conflito, mas arrefece o alcance do drama. Como disse a Folha, a cena final é um momento dos mais bonitos do cinema atual, termina melhor do que o próprio filme. Apesar do final aberto, como dizem que nenhuma cena de cinema é à-toa, tive a impressão de que o fato de o menino ser exímio em matemática não terá sido em vão e terá um papel importante no seu destino.
RENOIR - Um filme francês que conta os últimos dias do pintor Auguste Renoir na Côte d'Azur durante a 1ª Guerra Mundial. Renoir perdera a esposa, sofria com forte artrite que dificultava sua pintura e seu filho Jean fora ferido na guerra. Uma bela jovem, Andrée, aparece para ser sua modelo e traz uma fonte de rejuvenescimento para Renoir. O filme mostra a fase áurea das belíssimas pinturas de Renoir ao ar livre em pleno período impressionista. Quando o jovem Jean volta da guerra também se apaixona pela modelo do pai. O filme é interessante por mostrar também a juventude de Jean Renoir, filho do grande pintor que viria depois a se tornar um cineasta famoso cujos filmes são considerados hoje obra máximas da arte cinematográfica, conforme declarou Orson Welles. Suas maiores obras foram A Regra do Jogo e A Grande Ilusão, sobre a vida dos prisioneiros franceses e seus captores alemães durante a I Guerra Mundial.
SILÊNCIO NA NEVE- Esta coprodução da Espanha e Lituânia me interessou pela sinopse e não me decepcionou. Um batalhão espanhol durante a 2ª guerra está do lado dos alemães contra os russos e encontra um esquadrão de cavalaria congelado num lago. Um dos corpos tem a garganta cortada e na pele está escrito com sangue: “Cuidado, Deus está te vigiando!” Um soldado ex-inspetor de polícia, se encarrega do caso e prossegue com a investigação até descobrir que todos são suspeitos. Há um serial killer matando soldados? Outras mortes aparecem do mesmo modo. Há um segredo que todos querem guardar e o investigador descobrirá de qualquer modo. O interessante é a tentativa de descobrir o responsável por um crime em plena frente de batalha onde tantas mortes acontecem a todo instante. Lembrou-me um episódio de Law and Order ou um filme de detetive transportado para a frente russa da 2ª Guerra. Um final frio e sombrio como a paisagem e as circunstâncias. Um ótimo trabalho.
REALITY- Assisti a este filme por sorte pois a sessão estava quase esgotando de tanto que ele era aguardado. Uma produção da França e Itália que conta a história de Luciano, um peixeiro napolitano meio golpista. Ele é bonito, simpático, comunicativo e tem uma bela esposa e uma família divertida. Encorajado pelos três filhos ele se inscreve em um reality show italiano, o Gran Fratelo, cópia do Big Brtother. E aos poucos na atmosfera da espera pelo chamado para o show ele começa a perder o senso de realidade. O diretor Matteo Garrone é o mesmo de Gomorra e o filme venceu o Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes. O interessante é que o ator principal é extremamente carismático, mas é um presidiário na vida real, um pistoleiro da máfia napolitana condenado a prisão perpétua e que recebeu licença especial para atuar nesta produção.
1 comment:
Sempre relatos ricos e bem escritos. Todo ano eu acompanho essa saga de Goulart. Ele é correspondente especial no meu blog. Abc
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