26.11.11

Os Amores Imaginários

Assisti a Amores Imaginários no ano passado na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Somente agora ele estreia em Salvador. Antes tarde do que nunca, pois o filme é uma pequena joia. Você não deve deixar passar a oportunidade de conferir o trabalho do diretor canadense Xavier Dolan, que também atua no filme, premiado em Cannes e indicado ao Cesar (o Oscar francês) como filme estrangeiro.

Xavier Dolan não é apenas uma carinha bonita no cinema (se bem que ele tem uma bela estampa). O moço já dirigira o ousado Eu Matei Minha Mãe, sua estreia como diretor de um filme que ele também roteirizou com apenas 16 anos. Um fenômeno precoce.

O rapaz (hoje ele tem 22 anos) demonstra grande ousadia ao pegar um tema extremamente batido como o do triângulo amoroso e conseguir extrair dele algum frescor.

A delicadeza com que o jovem diretor trata o tema é talvez reflexo da sua juventude e da sua sexualidade (Dolan é gay). Muitos jovens passam pelos mesmos dissabores que os personagens atravessam nos dois filmes.

Aqui, o triângulo amoroso tem como foco uma relação platônica entre a descolada Marie e seu melhor amigo gay (papel do diretor Dolan) pelo angelical Nicolas que, pelo jeito, quer mesmo é só a amizade enquanto os dois amigos se engalfinham pelo belo querubim de cachinhos dourados que flerta com os dois sem garantir o principal.

Vemos que a relação dos inseparáveis amigos passa a sofrer um duro revés. Será que vão superar o angelical (ou diabólico) Nicolas?

O filme já seria interessante se mostrasse apenas essa história, mas ele fica ainda melhor e ganha força quando insere depoimentos de outras pessoas que contam suas tragédias amorosas particulares. Há depoimentos bizarros, há sentimentos em borbotões, há dor legítima, há loucuras por amor e fracassos românticos. E ainda, como cereja do bolo, belas cenas em câmara lenta ao som de Bang Bang, sucesso original de Nancy Sinatra (da trilha de Kill Bill), mas aqui interpretada em italiano pela cantora Dalida, cult como um Tarantino, kitsch como um Almodóvar.

Desculpem os críticos amargos e cheios de fel, mas só alguém muito azedo para não se deixar deslumbrar por cada cena deste filme delicado. Por que se preocupam tanto em apontar uma suposta pretensão do jovem diretor e se esquecem dos diálogos bem elaborados e das interpretações cheias de nuances? Dolan, além de tudo, sabe dirigir bem seus atores.

Um filme, como não poderia deixar de ser, repleto de exageros, exagero de dor, de amor, de amizades e rupturas. A fotografia, a cenografia, a trilha sonora, o figurino e a direção de arte mostram esse exagero estético com um cenário belíssimo, repleto de objetos vintage. Referências explícitas aos ícones James Dean e Audray Hepburn dão um toque ainda mais camp.

O que muitos críticos condenam no filme é, em minha opinião, exatamente o que ele tem de melhor. Dolan assume sua estética gay (se é que se pode classificar assim) e exagera mesmo. Afinal, o filme trata dos exageros. Críticos dizem que ele abusa de um virtuosismo redundante e se esquecem de que o filme trata exatamente da repetição de erros amorosos, das reiteradas armadilhas em que caímos quando nos apaixonamos, e como nos colocamos sempre nas mesmas arapucas. E por que se malha tanto Dolan por abusar das câmaras lentas quando para Wong Kar Wai (meu diretor favorito) só há elogios para as mesmas tomadas ao som de baladas tão melosas (e belas) quanto? Dá vontade de, ao sair do cinema, comprar correndo a trilha sonora.

Um crítico do jornal A Tarde assina um atestado de fel nas entranhas na sua coluna do jornal em que comenta o filme. Praticamente não há uma linha que não seja dedicada a falar mal da obra. Desde a primeira linha diz: “Na pressa para apontar novos talentos, a imprensa celebrou o jovem diretor canadense Xavier Dolan, que, aos 20 anos, cometeu Eu Matei Minha Mãe (2009), assinando o roteiro, a direção e trabalhando como ator e coprodutor. A obra tem momentos de apelo dramático, mas sucumbe diante de uma superficialidade mal disfarçada”.

Ora, para um filme (Eu Matei Minha Mãe) conquistar três prêmios na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, o Prêmio Internacional do Júri na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o Prêmio da crítica no Palm Springs Internacional Film Festival e ainda representar o seu país no Oscar com apenas 20 anos de idade e já no primeiro filme e o crítico dizer que o diretor “cometeu” o filme....Esse crítico parece que sabe mais do que o pessoal de Cannes e do Oscar.

O amargo crítico continua: “...a câmera de Dolan se dedica ao onanismo pseudo esteta, que derrama influências as mais diversas, desde o viés romântico do italiano Bernardo Bertolucci até a arte minimalista do cineasta Wong Kar-Wai (de Hong Kong), passando por idealizações que lembram, por exemplo, Jules e Jim (1962), do francês François Truffaut”. Então eu pergunto: Todas essas são influências ótimas, de grandes diretores e que se o filme traz referências a esses mestres, melhor do que se derramar por porcarias que andam por aí nos circuitões. Mas “onanismo pseudo esteta” é de lascar!!!! onde esse homem foi encontrar isso?!!!

O crítico chama de perfumaria as cenas que norteiam a narrativa e afirma que o diretor as forja sem qualquer efeito prático senão o de provocar algum prazer visual. Quero crer que o crítico prefere cenas em que o visual cause desprazer. Ora, as cenas a que ele se refere são retratos da vida de personagens que têm, sim, uma existência afetada e que vivem em festas, mas essa é a vida deles. As cenas que o crítico reclama de não terem efeito prático são exatamente as cenas que mostram a circularidade dessa vida. Se fosse assim, cenas de grande filmes que exibem momentos de “pouco efeito prático”, deveriam ser abolidas, mesmo que integrem organicamente o próprio filme como, só para citar um, o clássico O Deserto dos Tártaros, em que acompanhamos um personagem durante longas tomadas em que praticamente nada “de efeito prático” acontece e que nos faz, como ele, personagem, esperar que algo aconteça e quebre a sua monotonia pela espera permanente de algo que não acontece nunca.

Esse crítico de A Tarde estava mesmo num dia ruim. Para ele, as questões existenciais de Amores Imaginários “cabem na profundidade de um pires e as pretensões de Dolan incomodam pela maneira como descambam num desarranjo sem qualquer horizonte de consistência”.

Ora, leitor, não seja amargo assim e deixe esse filme leve e suave te conquistar e você pode se divertir sem exigir a profundidade de um abismo ou a consistência de uma areia movediça. Deixe-se envolver nesse tal “pires” mas cheio de uma colorida, divertida e sonora película que pode até ter a consistência de uma gelatina de morango com chantilly, mas vai ser doce e agradável se você não for alérgico a amores reais ou imaginários.

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