26.11.11

A Pele que Habito


De Pedro Almodóvar já vi tudo. Até seu obscuro livro: “Fogo nas Entranhas” já li. Em todos os seus trabalhos há um tema predileto: as mulheres, esses seres misteriosos que aparentemente são originárias de um planeta diferente do planeta de onde vêm os homens. Pedro Almodóvar aponta para lá sua lente.
O problema começa a se complicar quando se sabe que orbitam nesse universo humano, espécimes de planetas menores, de onde se originam os transexuais, os bissexuais, os hermafroditas, os trangêneros, os crosdressers…um universo de possibilidades. E se o sabido doktor Freud, do alto do seu divã vienense, já se perguntava “Afinal, o que querem as mulheres?”
Dito isto, vamos à Pele que Habito, novo filme de Pedro Almodóvar. A película é baseada no livro Tarântula, de Thierry Jonquet, e dá para entender porque o espanhol escolheu adaptá-lo em vez de ser autor do próprio roteiro. É que os temas caros de Almodóvar estão todos por lá: traições, incesto, estupro, relações intrincadas, bizarrices…o universo almodovariano é uma salada um tanto colorida, e às vezes indigesta.
Talvez aqui ele tenha cometido vários pecados. Deixou sua zona de conforto, com sua multicolorida estética kitsch, o que não deixa de ser uma façanha quando se trata de alguém que tem uma marca reconhecida. O filme tem um lado sombrio que obscurece o que Almodóvar tem de mais marcante: o escracho e o humor, mesmo que seja o humor negro. Aqui vemos Antonio Banderas, como vimos poucas vezes, como um excelente ator (ele só atuou bem quando foi dirigido por Almodóvar, só fazendo bobagens depois de abandonar a tutela do mestre).
Aqui Banderas é um cirurgião plástico que, após o acidente de carro da esposa, cria uma pele artificial com a qual poderia tê-la salvo das trágicas queimaduras. Ele, finalmente, como Dr. Frankenstein, cruza todos os campos da ética e, com os avanços da ciência, desenvolve a tal pele usando um ser humano como cobaia. E este é apenas um dos seus crimes.
O filme avança e retrocede levando o espectador a adentrar o universo do médico-monstro. Infelizmente, a estética muito limpa foge da marca dos sucessos anteriores de Almodóvar e mesmo as cenas de sexo ficam muito aquém de ousadias sensuais de muitos filmes dele. Só para citar exemplos: o estupro em Kika (1993) ganha muito em coreografia sexual em relação ao estupro na Pele que Habito. E Banderas exibe sua nudez sem pudor seja em Ata-me (1990), seja em A Lei do Desejo (1987), mas aqui, pudicamente, se cobre com um cobertor. Almodóvar avança por um lado e recua por outro. Onde estão a coragem e a ousadia de sempre?
Há outros problemas como um vestido que surge após anos sem que se saiba como, alguns erros básicos de continuísmo, personagens que nada acrescentam à trama e que poderiam ser perfeitamente dispensáveis como, paradoxalmente a própria estrela Marisa Paredes (soberba em Tudo Sobre Minha Mãe) em um papel que se for espremido não tem nenhuma importância na trama, além de uma referência descarada e desnecessária ao carnaval da Bahia (Almodóvar é amigo de Caetano Veloso e não se cansa de homenagear o santamarense). A música, que sempre foi um ingrediente destacado dos filmes do diretor, perde bastante na escolha da cantora espanhola Ana Mena para interpretar, em português, a fraquinha canção Pelo Amor de Amar.
Uma falha enorme é o não desenvolvimento psicológico do personagem Vicente. Fundamental para a trama, a ausência do aprofundamento no universo do rapaz demonstra um descuido que parece ser proposital para que o espectador não tenha tempo de ter empatia suficiente com ele.
Mas o filme tem méritos e o principal deles é incomodar a plateia. Isso não é pouca coisa e nesse mister Almodóvar continua um craque. Pena que seu bisturi está menos afiado.

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