19.11.08

Leite


Filme decepcionante se bem que não esperava muito dele. Jovem que vive com a mãe pobre, entrega leite de porta e porta e escrever poesias. Não tem nada de especial e os planos longos e parados não acrescentam nada.

Khamsa


Na minha opinião ums dos melhores filmes da Mostra. Lembra Pixote. Khamsa é um menino meio cigano meio árabe que vive de pequenos roubos, fugas, problemas de aceitação pelo pai bêbado e madrasta ameaçadora. Brigas de galo, mergulho no mar Mediterrâneo e a perda da inocência. Com música cigana e árabe e um ator juvenil muito promissor. Os subúrbios violentos de Marselha são tão assustadores quando as favelas cariocas.

A Canção dos Pardais


Do diretor iraniano Majid Majidi, um dos meu favoritos. História de um trabalhador de uma fazenda de avestruzes que tem uma vida simpres e uma família feliz. Como sempre acontece nos filmes iranianos um incidente aparentemente banal cria um grande peoblema e ele tem que descobrir como sobreviver em uma nova realidade. Ele descobre que pode ser mototaxi em Teerã e passa a enfrentar grandes desafios. Também mantém a tradição do cinema iraniano de usar muitas crianças nos filmes.

Lokas


Filme chileno muito engraçado lembrando um pouco A Gailola das Loucas. Um homofóbico descobre que seu pai é homossexual. A história é centrada em Pedro, o filho de nove anos, que reúne a família independentemente dos preconceitos. O ator mirim dá um show e rouba todas as cenas em que aparece. Um feito notável e um filme leve e divertido

Maré, Nossa História de Amor


Não é um filme espetacular mas bem honesto, um tema já bem batido em torno de favela e o drama de Romeu e Julieta. Já vito à pouco tempo no excelente Era uma Vez. O diferencial deste é que é um musical sobre dois jovens moradores da favela carioca da Maré separados por facções rivais do tráfico de drogas. Assisti de graça sob o Vão Livre do MASP. Marisa Orth faz o papel de uma professora sonhadora que deseja levar cultura musical à favela e se dá mal. A cultura do hip hop com romantismo. Bom.

Cinzas do Passado Redux


Filme chines de um dos meus diretores atuais favoritos: Wong Kar Wai. Baseado em um famoso romance de artes marciais. O filme é dividido em cinco histórias, cinco estações que fazem parte do calendário chinês. Lindas paisagens, fotografia estonteante, música soberba e atuações magníficas. Uma verdadeira pintura com partitura. Homem que vive no deserto por anos após e deixar sua casa quando a mulher que amava casa-se com seu irmão. Falando assim parece nada. É uma obra prima de um diretor cheio de obra primas como Amor à Flor da Pele, Felizes Juntos, Amores Expressos, 2.046, Um Beijo Roubado...

Che


São na verdade dois filmes de Steven Soderbergh. Ao todo 4 horas de projeção. A Parte 1 mostra a luta dos guerrilheiros para derrubar a ditadura cubana de Fulgêncio Batista. Um destes rebeldes é Ernesto “Che” Guevara. O primeiro filme mostra Che (Benício Del Toro) antes da libertação de Havana. A Parte 2 mostra Che na Bolívia, onde organiza um pequeno grupo de cubanos e bolivianos para a Grande Revolução Latino-americana. A história da campanha boliviana é um capítulo de tenacidade, sacrifício, idealismo e da arte de guerrilha, que acaba falhando e levando Che à morte. Pelo papel Benicio Del Toro foi eleito melhor ator no Festival de Cannes 2008. Detalhe nacionalista: Rodrigo Santoro tem destaque como Raul Castro, irmão de Fidel.

Caixa de Pandora


Um filme turco interessantíssimo que motras os problemas que duas irmãs e um irmão disfuncionais vivem no centro de Istambul. Eles tem em torno de 40 anos e vivem problemas diversos, não sendo muito afetuosos mas um dia ficam sabendo que sua idosa mãe deseapareceu do povoado onde vivia. Os irmãos tem que se juntar para procurá-la e as tensões se revelam, como uma Caixa de Pandora. Velhas feridas são abertas novamente. Eles encontram a mãe e a trazem para Istambul mas ela está com Alzraimer e causa muitos problemas. O único que parece se afeiçoar a ela é o neto que não e que está rompido com a mãe, neto que ela não conhecia e com quem passa a ter uma relação próxima.

18.11.08

Pepino


Filme chinês muito esquisito e chatinho, história que girava em torno de três famílias sempre com pepinos, mas a escolha do vegetal era totalmente aleatória pois pelo que vi poderia ser cenoura ou alcachofra que não faria nenhuma diferença. Na primeira família um trabalhador impotente toma vários afrodisíacos e diversos tipos de medicamentos, esperando uma rápida cura para a impotência. Na segunda família um desempregado é ator e diretor formado, com a universidade concluída há dois anos, mas sem trabalho passa os dias escrevendo roteiros e imaginando realizar seus próprios filmes. A terceira família vende vegetais ilegalmente em Pequim e é formada por um homem com uma esposa deficiente e um filho de 10 anos. É um daqueles filmes que acaba de repente sem razão. Na Mostra tem dessas coisas também.

Estou Viva


Uma chatura italiana. Poderia ser um dramalhão mexicano, parece uma fotonovela filmada e eu não me surpreenderia se fosse a adaptação de uma fotonovela quadro a quadro. Uma música chatíssima que fica se repetindo no filme todo em situações que supostamente seriam de tensão. Um saco. Não sei se é preconceito meu, mas não consigo gostar de atores italianos no cinema. Parece que eles estão representando, o que de fato todo ator está mais nos filmes italianos eles parecem mais do que nos outros.

Amigos de Risco


Uma surpresa boa foi este filme brasileiro filmado em Recife e logo de cara achei que não ia gostar, mas o filme é bom, uma história bem amarrada, um roteiro decente e atores desconhecidos de lá mas muito bons mesmo. Uma história interessante que prende a gente. Uma história de 3 amigos numa noite de Recife. Um deles tem uma overdose e os outros dois têm que carregar ele até um hospital. Lembra aquele filme ótimo em que um cara tenta a noite toda escapar de um bairro violento de Nova Yorque, esqueci o nome. Nesse filme vemos como Recife é pobre, violenta, suja, parece uma cidade fantasma. Ótimo filme.

24 City


Outra decepção da Mostra. Este era um dos filmes mais badalados, sala lotada, sessão esgotada e muita expectativa. O diretor, Jia Zhang-ke, é conhecido nos circuitos de festivais inclusive da Mostra onde já exibiu vários filmes e ganhou um dos prêmios principais anos atrás. Não consegui ver até o fim pois dormi no meio dele e saí da sala lotada.É um documentário facílimo de fazer pois ele teve apenas que ligar a câmera e entrevistar pessoas que trabalharam em uma fábrica que foi desativada para dar lugar a um hotel de luxo na China. Nem como retrato da modernização chinesa serve. Histórias que são simples variações sobre o mesmo tema, aqueles trabalhadores falando falando falando sobre a mesma coisa e você não vê nada de novo, não há nenhum movimento ou efeito de câmera, nem de luz, nem de montagem, nem de som. Acho que o diretor estava querendo abolir todos os elementos que fazem um filme, inclusive a direção e o roteiro. O crítico da Folha Cássio Starling Carlos avaliou este filme como ótimo, o que me deixou com a sensação de que eu não entendi nada. Na verdade só li gente falando bem dele. O que aconteceu comigo?

Erva do Rato


Do brasileiro Julio Bressante. Com Selton Mello e Alessandra Negrini Segundo dizem é levemente inspirado nos contos "A Causa Secreta" e "Um Esqueleto" de Machado de Assis, mas achei uma bomba. Um dos piores filmes que já vi na vida. Um filme totalmente ridículo e por incrível que pareça a sala estava lotada e eu tive que sentar no chão junto com várias pessoas. Algumas se levantaram e foram embora na metade, assim como eu. Incrível como alguém é capaz de filmar uma coisa ridícula assim e ainda exibir num festival. Ouvi comentários de expectadores nas filas e aparentemente todos detestaram. E olhe que Selton Melo participou de ótimos filmes do cinema nacional como Meu Nome não é Jonnhy, Auto da Compadecida, Lavoura Arcaica...E Julio Bressante dirigiu Matou a Família e foi ao Cinema. Acho que nesse filme a pessoa que sai da sala de projeção fica tão arrasada que é capaz de sair do cinema e matar a família. O crítico da Folha Pedro Butcher avaliou o filme como bom e eu não entendo mais nada. O filme traz apenas dois personagens sem nome, quase todo o tempo confinados em uma casa. Um homem e uma mulher se conhecem no cemitério e passam a viver juntos. Ele fotografa a mulher obssessivamente, até que um rato começa a roer as fotos. A partir daí, capturá-lo passa a ser sua nova obsessão. O rato é pego, torturado e morto, mas a mulher, que já vinha dando sinais de que estava doente, também morre. A obsessão do homem, porém, permanece, e agora só lhe resta fotografar um esqueleto.

Alvorecer em Sunset


Filme americano sobre desencontros em quartos de um motel. Os filmes da Mostra quase todos tem baixo orçamento e esse filme é sobre vários casais que vão para um motel de Los Angeles para tentarem transar. Casa um no seu quarto e nenhum afinal consegue consumar a transa. O primeiro casal porque o cara goza rápido e dorme e a mulher fica louca ligando para tudo que é homem tentando transar e tentando acordar o cara; o segundo casal é divorciado e se encontra a cada 3 meses só para transar mas a mulher se re-apaixona pelo cara e não consegue transar pois ele não está apaixonado; o terceiro casal tem uma mulher que fala sem parar igual uma louca, uma negra daquelas que falam com gírias dos negros e o cara perde o tesão; o quarto casal é com um velho que leva a amiga adolescente da filha para o motel e broxa; o quinto casal é de uma lésbica que contrata uma massagista pensando que ela é prostituta mas na verdade é só uma massagista; o sexto casal é de um cara que só quer fumar maconha e conversar e eles acabam ficando loucos demais e não transam; o sétimo casal é uma dupla que a mulher quer apanhar mas o cara não sabe bater nem gosta e não rola, há ainda dois casais cuja proposta era um suingue mas um dos caras acha que o outro quer ele e não a esposa. O último casal é uma mulher que foi estuprada alguns meses antes e não consegue transar com o cara que é todo carinhoso e tudo mas ela simplesmente trava. Hilário.

Rumo a Meca


Documentário austríaco sobre Muhammad Asad, um cara que eu nunca tinha ouvido falar. Muhammad Asad ele escreveu um livro chamado Rumo a Meca. Esse cara foi embaixador do Paquistão na ONU e ajudou a criar o próprio Paquistão separando-o da Índia, o que acabou em um grande massacre, onde morreram centenas de milhares de indus e muçulmanos. Ele era judeu e se converteu ao islamismo, o que é algo muito raro. Tornou-se uma pessoa importantíssima, sendo inclusive o autor de uma das traduções mais respeitadas do Corão. Ele morreu aos 90 anos, sozinho e sem amigos. O documentário percorre o caminho dele da Ucrânia, depois Áustria, Arábia Saudita, Meca, Índia, Paquistão, Nova Iorque, Marrocos e finalmente Espanha. Ele foi testemunha da segunda guerra, das guerras israelenses etc.

Procedimento Operacional Padrão


Documentário americano sobre a prisão iraquiana de Abu Graibi onde os americanos tiraram aquelas fotos chocantes dos militares americanos torturando e humilhando prisioneiros iraquianos, a maioria inocentes. Chocante e muito bom, pois o diretor entrevistou vários protagonistas que no final foram processados por uma corte que julgou o inquérito que foi aberto por causa da divulgação das fotos na mídia. Detalhe: nenhum militar com patente superior a sargento foi punido. Interessante observar que havia três mulheres envolvidas e elas portavam-se, muitas vezes, pior do que os homens. O documentário permite avaliar que o Exército sempre foi um território masculino e mesmo depois que abriu as portas para mulheres, ainda assim elas precisam ser muito mais insensíveis do que eles para serem respeitadas. E se desumanizam. Procedimento Operacional Padrão é o nome que se deu à maioria das ações retratadas nas fotos. Algumas eram tortura mesmo, mas a maioria recebeu o carimbo de P.O.P que é humilhação para conseguir confissão. É como eles chamaram oficialmente aquilo.

Rescaldo da Mostra


Retorno da 32ª Mostra de Cinema de São Paulo, meu destino de férias há 10 outubros, esgotado por 40 filmes em 15 dias. Próximo do meu recorde de 50.

Comento, brevemente, a maioria dos que vi, mas uma das características de uma Mostra como a de São Paulo, com mais de 400 opções de filmes, é exatamente o sofrimento que é tentar ver o máximo dos melhores sabendo que não se conseguirá assistir a sequer 1/6 das opções.

Os filmes são exibidos em 25 salas de cinema e espaços espalhados pela cidade de São Paulo. Cada filme é exibido quatro vezes em horários e locais diferentes para permitir que todos tenham oportunidade de vê-lo. Alguns são exibidos gratuitamente, outros dão a chance de bater papo com diretores convidados. Neste ano vi um filme em que o cineasta Win Wenders, um dos homenageados dessa Mostra, estava e fez a apresentação do longa. Vi também um filme em que ao final houve debate com o diretor Bruno Barreto, e o ator principal do filme Ultima Parada 171, mediado por Gilberto Dimenstein.

Há diversos casos em que os ingressos se esgotam antes, mesmo ficando uma hora numa fila. Elas se formam 1 hora antes da abertura da bilheteria que por sua vez é aberta 1 hora antes da primeira sessão do dia. Significa que mesmo chegando cedo seu lugar pode não estar garantido, pois muita gente compra ingressos pela internet e parte dos assentos é reservada para quem compra o passaporte com direito a 20 ou 40 filmes ou o passaporte integral que deixa você ver quantos você quiser.

Tenho que dar uma idéia de como é esse universo da Mostra. Parece ser um universo à parte, pois as pessoas que participam vivem intensamente. Você se acostuma a ver as mesmas pessoas das mostras anteriores e nas filas vemos as mesmas caras depois de algum tempo. A maioria das pessoas prefere aqueles filmes que não estão programados para entrar no circuito, pois dá para saber com antecedência a programação dos próximos meses. E dá também para saber quais os que vão demorar para entrar quando no guia da Mostra aparece a inscrição (legenda eletrônica) e a gente sabe que o filme não foi legendado ainda pois a legenda eletrônica é colocada na sala de projeção durante a exibição, muitas vezes o filme tem legenda em inglês ou outra língua e legenda eletrônica em português.

16.11.08

Pirataria ou Falsificação?


Quando você pensa em um pirata, associa essa figura a que sentimentos? Liberdade e espírito de aventura, companheirismo entre marujos, celebrações à base de rum com canções e dança em um convés à luz do luar?
Quando ouve a palavra pirata, qual a primeira imagem que vem à sua mente? Seria a de um marujo navegando pelos sete mares ou a dos produtos falsificados vendidos como cópias dos originais? Hoje as duas imagens se confundem desde que algum “gênio” resolveu chamar de piratas produtos falsificados.

Estas imagens dos piratas foram construídas no nosso imaginário pelo cinema, essa poderosa indústria de formação de conceitos e mentalidades. Quantas vezes vimos essas imagens ao ponto de elas se tornaram indissociáveis da pirataria? A figura de Jonny Depp parece saltar ante nossos olhos com seu ar debochado, mas romântico; traiçoeiro, mas de bom coração; levemente afetado, mas incrivelmente sedutor.

Mas engana-se quem pensa que essa imagem idealizada dos piratas começou com Os Piratas do Caribe, desde a década de 20 o cinema americano é pródigo em retratar esses criminosos com cores românticas. O belíssimo ator Errol Flynn, desejado por dez entre dez mulheres (e, dizem, também por alguns homens), fez vários papéis de piratas sempre idealizados em filmes como O Capitão Blood, O Falcão do Mar e A Ilha dos Corsários. Mas houve também os viris Randolph Scott (O Capitão Kidd), Tyrone Power (O Cisne Negro), Burt Lancaster (Piratas Terríveis), Yul Brynner (Os Bucaneiros), Anthony Quinn (Velas ao Vento) e muitos outros.

Falso! Isso é pura construção. Piratas de verdade (corsos ou bucaneiros) eram marginais terríveis, saqueadores e estupradores desumanos, homens imundos e sem disciplina, dedicados à pilhagem e ao seqüestro para obtenção de resgate pelos reféns. Entre os principais castigos que os piratas davam às suas vítimas estavam a tortura, a queima e a mutilação, mas o maior prazer era assistirem aos prisioneiros serem devorados por tubarões.

Vemos hoje as pessoas se referirem aos produtos falsificados com o nome de produtos piratas. Esse nome é uma péssima escolha para quem deseja combater esses produtos, pois o termo está indissociável da imagem romântica idealizada da pirataria. Não entendo como os produtores culturais que criaram essa imagem e hoje sofrem com a falsificação dos seus filmes e discos não pensaram em utilizar outro termo. O termo correto: falsificações.

No cinema vemos uma vinheta que diz: “Pirataria é roubo. Filme só original”. Já ouvi, constrangido, risos debochados em vários cinemas durante essa vinheta. As pessoas não se conscientizam assim. É simplória e primária essa abordagem. Não se muda uma imagem solidificada no imaginário coletivo desta forma.

Os chefes dos grandes estúdios de cinema prejudicados com as falsificações dos seus produtos deveriam se juntar e fazer uma investida para formar uma nova imagem da pirataria. Deveriam ter o apoio das centenas de indústrias prejudicadas com as falsificações. O combate aos produtos falsos consome preciosos recursos públicos em gastos da Polícia e Receita Federal. É uma guerra perdida se não mudarem o foco e atacarem em outras frentes. É como tentar esvaziar um tanque com cem baldes enquanto esse tanque é alimentado por mil fontes.

Há alguns anos discuti esse tema longamente com um colega que hoje ocupa um cargo importante. Não sei se hoje ele continua pensando do mesmo modo, mas defendia a “pirataria” como forma de luta contra os grandes capitalistas. Acho que ele via o mega empresário das falsificações Law Kin Chong, o Rei da 25 de Março, como um tipo de Robin Wood. Não adiantava eu argumentar que havia interesses também industriais por trás das falsificações, que elas produziam perda de arrecadação de impostos, reduzia empregos, prejudicava a propriedade intelectual, que os produtos eram de péssima qualidade e prejudicavam consumidores com remédios falsos que podiam matar, tênis com sistemas de amortecimento falsificados que prejudicavam tendões e músculos...a lista é infinita. Mas meu ex-colega insistia que a indústria já ganhara muito dinheiro com os consumidores e essa era uma forma de zerarem as contas.

Essa é a imagem do pirata rebelde e sem patrão. Nem a pirataria real era exatamente assim e muito menos os “piratas” falsificados o são. Piratas famosos eram como funcionários públicos a serviço de monarcas. A rainha Elizabeth I era íntima do famoso pirata Francis Drake, nomeado por ela vice-almirante. O rei português D.Dinis fornecia uma carta chamada Carta de Corso a piratas como Manoel Peçanha e Gonçalo Pacheco e ficava com 1/5 das suas pilhagens. Muitos piratas estavam intimamente ligados ao poder real.

Vários amigos dizem, com certo orgulho, que compram filmes falsos, chamando-os eufemicamente de “genéricos”. Por que não assumem que este termo é outra falsidade, pois a indústria dos genéricos é legal e paga seus impostos.

Na semana passada foi divulgada uma pesquisa que mostrou que 70% dos brasileiros já compraram produtos falsos. Há pouco tempo o próprio presidente da República assistiu com amigos a um filme pirata no seu Aerolula. Certamente, são exemplos que incentivam a prática desse crime.

14.11.08

Ensaio Sobre a Cegueira


Após assistir ao último filme de Fernando Meireles, diretor respeitado no Brasil e exterior após os sucessos de Cidade de Deus e O Jardineiro Fiel, ambos com passagens pelo Oscar, fiquei com a sensação de que há dois tipos de audiências para esse filme: a dos que leram o livro e a dos que não o leram.

Li este e outros nove livros de José Saramago, ganhador do prêmio Nobel de literatura. Há até uma espécie de continuação em Ensaio Sobre a Lucidez. Também devorei tudo que podia sobre o filme: matérias, artigos, opiniões, críticas etc, e estava em São Paulo quando rodaram algumas cenas por lá. Como acontece quando se tem muita expectativa em uma coisa, o resultado é estranho...Sensação bem diferente da de há seis anos, num festival de cinema, quando da primeira película baseada em uma obra de Saramago, o filme holandês A Jangada de Pedra.

Ensaio Sobre a Cegueira que obteve reações frias quando abriu em maio o último Festival de Cannes é um bom filme, mas é fiel demais ao livro e isso tira dele, como obra de arte independente, o que ele tinha que ter: uma linguagem autoral, o dedo do diretor, o autor, em última análise, do filme. Meireles ficou intimidado pelo fato de Saramago ainda estar vivo e poder assistir ao resultado numa premiére exclusiva.

O diretor brasileiro tentou sem êxito anos atrás realizar este filme, mas não conseguiu obter os direitos de Saramago. O destino deu-lhe uma segunda chance quando foi convidado pelos produtores japoneses. Mas Meireles não deu sua “visão” da história, mas reproduziu em celulóide a visão de Saramago. Visão em um filme sobre a cegueira pode parecer contraditório, mas foi isso mesmo: o brilho do autor luso ofuscou a ótica de Meireles. Como a cegueira branca, a lente dos óculos do português cegou a lente da câmera do brasileiro.

A luz me incomodou um tanto. A insistência em frisar o tempo todo a brancura do branco levou a certo enjôo, lembrado a letra da famosíssima canção “A Whiter Shade of Pale” (ao pé da letra: “Um tom mais branco do pálido”). Há também o fato de que no livro (e também no filme, justiça se faça), local e tempo onde se passa a história não são identificáveis. Uma tacada de mestre do autor na sua metáfora da universalidade do abandono.

Mas há questões incômodas. O filme é falado em inglês — tinha que ser falado em algum idioma, obviamente —, o casal principal é norte-americano (Julianne Moore e Mark Ruffalo, além do medalhão Danny Glover) e há uma desagradável perfeição típica dos filmes americanos. Talvez por isso eles gostem tanto de Meireles e sua direção muito enquadrada, muito perfeita e muito limpa. Mesmo o lixo cenográfico da tela parece demais com lixo cenográfico e não com lixo de verdade.

Ler na imprensa o texto de Saramago rasgando elogios ao filme só reforçou minha sensação. Sim, o filme tem cenas fantásticas, como a das mulheres em fila seguindo para o estupro, essa cena inclusive levou o próprio Saramago às lágrimas. A mim não chegou a tanto, mas me tocou. Saramago é um gênio e Meireles um grande diretor. Fizeram um trabalho correto. Talvez isso devesse bastar...Por que então fiquei sentido que faltou um toque de alma?

Sem Talento Para Relaxar


Retorno de férias com a certeza de que, como diz o meu genioso colega Gésner Braga com palavras contundentes como um tijolo, não tenho talento para relaxar. Quem disse que férias são para descansar precisa me ensinar como se faz isso.

Em 30 dias caberiam um diazinho para uma praia ou um fim de tarde numa rede sob um coqueiro em Itapuã (se me apontarem um coqueiro sou capaz de dizer “Oi, há quanto tempo!”).

Mas o que faz uma pessoa anormal nas suas férias? Elege São Paulo e assiste a 40 filmes, lê 3 livros, vê 4 peças de teatro e visita 5 museus....essa é a parte sagrada, a parte profana deixo para a boa e velha imaginação do leitor.

Seria enfadonho escrever sobre essa vasta programação e arrogância listar as vantagens de São Paulo em relação a Salvador no campo da haut culture, como dizem esnobemente os franceses. Por que Salvador não tem uma Mostra Internacional como há 32 anos em São Paulo e há dez no Rio? São mais de 350 filmes nesses festivais. Em São Paulo a Mostra ocupa 25 salas pela cidade com 20 dias de exibição. Em Salvador teríamos público para 20% disso?

Salvador é pobre comparada ao Rio e São Paulo, mas não é só por isso que não valorizamos esse tipo de arte. A cultura soteropolitana é uma fábrica de irrelevâncias que valoriza o supérfluo, a improvisação, o fútil e o banal. A pobreza real não está no bolso, mas bem acima.

Proporcionalmente, não são muitos os que apreciam manifestações culturais menos irrelevantes, freqüentando salas off-multiplex. Dá para colocá-los todos numa única sala. Se essa sala pegar fogo com o povo dentro, os cinemas off-multiplex vão à falência.

Conheço muita gente que nunca foi a uma das cinco salas do circuito Sala de Arte (Museu de Geologia, Aliança Francesa, MAM, Pelourinho e UFBA). Muitos alegam não gostar dos “filmes de arte”. Ninguém é obrigado a gostar de filmes com narrativas e estéticas off-multiplex, mas por que essas pessoas se orgulham tanto de espinafrar os chamados filmes “cult”? Tudo bem que o povo que freqüenta o circuito das salas de arte tem um ar meio solene e compenetrado, mas só por ali a pipoca ser banida e o silêncio ser respeitado elas já mereciam um troféu.

A comodidade é uma das razões. Nos multiplexes o estacionamento é seguro e dá para fazer diferentes coisas nos shoppings antes ou depois do filme, mas porque há tanta gente que nem sequer conhece as salas “alternativas”?

Voltemos ao dinheiro. A maioria dos cinéfilos das salas de arte são estudantes, professores e aposentados e não são ricos. Quanto mais pobre ou mais abastado, menos interessado o sujeito está nesses filmes. Os pobres, por falta de dinheiro, hábito e informação e os ricos por falta do quê? Respostas são bem vindas.

Aos advogados da nossa relevância cultural favor excluir o Carnaval e a Axé Music dessa lista já que, há tempos essa dupla deixou o terreno da arte e virou indústria. E excluam também da lista os medalhões da música (e da literatura!?). Se no passado a Bahia lhes deu régua e compasso, o dinheiro que ganham hoje está fora daqui e sua inspiração ultrapassa o Farol de Itapuã. É pura farra!

Para ilustrar, um trecho do livro 1808, de Laurentino Gomes, um dos que li nas férias. Nele o autor descreve a cidade de Salvador quando da passagem por aqui da família real portuguesa: “Já naquela época a cidade se caracterizava pelas procissões e festas religiosas que misturavam rituais sagrados e profanos. Um viajante francês de 1718 ficou chocado ao observar o vice-rei dançando diante do altar-mor em honra a São Gonçalo do Amarante ‘ Ele se chacoalhava de forma violenta, que não convinha nem à sua idade nem à sua posição’”.

E para terminar com um pouco de humor. Resumo do público da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, meu destino há nove outubros. A fauna é composta de quatro tipos:

1º - Espécimes endêmicos: Cinéfilos mais radicais que habitam o bioma da Mostra há mais de dez anos. Você reconhece esses espécimes pela forma como andam, parecem estar na sala da sua casa; pela indumentária, muitos usam a camiseta da Mostra e exibem crachás com direito a pacotes de 40 filmes ou passaporte integral. Esses não costumam andar em grupos, mas solitários, que é uma das características dos verdadeiros amantes da Mostra, pois somente sozinhos se consegue dar atenção à maratona para não perder as sessões com intervalos de 20 minutos. Tomam muito café e comem pãezinhos de queijo às baciadas, pois a resistência requer reposição de energias.

2º - Espécimes epidêmicos: Esses são os chatos. Há os que invadem em grupos de 3 ou 4, sempre formados por dois homens e uma mulher ou por dois casais, mas nunca com objetivos afetivos, mas para se exibirem. Quase sempre são estudantes de jornalismo ou outro curso do tipo. Os cabelos dos rapazes são sempre grandes e barbichas ou barbinhas ralas são fundamentais. As meninas exibem vestidinhos leves e nenhuma maquiagem. Esses chatos de galocha adoram comentar nas filas as quantidades absurdas de filmes que já viram e elogiar planos-seqüências de 20 minutos de um filme do Cazaquistão em que três personagens andam no deserto e nada acontece por 2 horas. E adoram Godard.

3º - Espécimes camuflados: Para minha felicidade, são a maioria. Discretos, você quase não os notaria se não fossem tantos. Andam calmamente entre as salas, estão nas filas em silêncio ou folheando o guia da Mostra para escolher os próximos filmes. Esses espécimes gostam de cinema, mas não são de se exibirem. Raramente estão em dupla e quando opinam sobre um filme não se prolongam horas nas análises.

4º- Espécimes alienígenas: Felizmente, são os mais raros e estão na Mostra de pára-quedas. Não sabem os nomes dos diretores dos filmes e não assistiram a nenhum dos filmes das mostras anteriores. Somem de repente, pois abandonam as salas se o filme demora um pouco mais para engrenar.