Há 5 anos publico uma breve resenha dos livros lidos no ano. Para alguns deles dedico resenhas maiores. Minha média anual de leituras continua em 56 livros.
Em 2018
foram 40. Em 2019 foram 68 livros. Em 2020 li 61. Em 2021 o número foi de 55
livros e no ano passado foram lidos 60.
Divido as postagens sempre em três blocos. Foram 21 livros de Janeiro a Maio; outros 21 de Junho a Setembro e aqui estão os 18 livros que li de Outubro a Dezembro do ano passado.
1- O SR. GANIMEDES, de
Alfredo Gallis – Romance português publicado em 1906. O título é referência ao belo efebo grego
por quem até Zeus se apaixonou e antecipa a questão da disforia de gênero e do
erotismo do travestismo. História de uma viúva rica que se apaixona por Leonel, jovem esbelto e afeminado, apaixonado pelo rude Liberato que gostava de o ver
vestido de mulher. Apesar da homofobia, nas
três oportunidades que o livro tem para falar dos dois homens na alcova, não esconde a atmosfera quentíssima ao tratar das cenas em que pessoas espiam o casal gay durante sexo, algo indisfarçavelmente saboroso já que nenhum dos demais casais do livro tem mais
química do que a deliciosa dupla Leonel e Liberato.
2-CONTOS GÓTICOS
RUSSOS – Volume com seis contos: O primeiro: O Retrato, de Nikolai Gógol, é sobre um pintor pobre que recorre a forças demoníacas para melhorar de vida e é considerado
um conto de terror em estado puro. Os dois contos seguintes são: A Família do Vurdalak e O Encontro 300 Anos
Depois, de Alexei Tolstói. Um trata da figura lendária do upyr
russo, considerado entre os melhores do gênero vampiresco e o conto seguinte é sobre um cavaleiro e uma dama que
tentam rechaçar, com uma cruz milagrosa, seus pesadelos. O quarto conto é Os Fantasmas, de Ivan Turguênev, que narra as
viagens de um fazendeiro ávido por emoções. O quinto conto é
Bobok, de Fiódor Dostoiévski, que satiriza os temas góticos e o último é O Monge Negro, de Anton Tchêkhov, onde um professor contracena com um ente sobrenatural.
3- CAIXA DE PÁSSAROS –
Livro de Josh Malerman, adaptado para o cinema com Sandra Bullock como protagonista, uma mãe que precisa sobreviver com seus filhos num mundo pós-apocalíptico. Eles tentam a todo custo escapar de criaturas imateriais que, ao serem vistas, fazem com
que as pessoas que as veem tornem-se suicidas e assassinos. De olhos
vendados, eles navegam num rio para chegar à segurança de
um refúgio onde não sabem se conseguirão atingir. O livro tem narrativa não
linear, o que quebra a atmosfera de suspense que o filme conseguiu solucionar
melhor. A história faz um interessante paralelo com a do também
pós-apocalíptico: Um Lugar Silencioso, em que uma família tem que sobreviver no
máximo silêncio possível para não ser morta por criaturas misteriosas muito
sensíveis ao som.
4- CONTOS CLÁSSICOS DE
VAMPIRO – Coletânea com sete dos mais importantes contos sobre a figura
clássica do vampiro. O primeiro conto é "Trecho de um
Romance" de Lord Byron, que inspirou John Polidori para "O
Vampiro", segundo conto, publicado há mais de 200 anos e considerado uma
das mais influentes histórias vampirescas da literatura, que introduziu o
estereótipo do vampiro aristocrata . O terceiro conto é "O Hóspede
de Drácula" de Bram Stoker, publicado postumamente pela viúva do autor. O
conto seguinte é o gótico: “Porque o Sangue é Vida” de Francis Crawford,
trágica história de uma vítima de assassinado que retorna como vampira. “A
Morta Amorosa” de Théophile Gautier, é o último e trás uma vampira sensual que seduz um
padre.
5- SOB A REDOMA- Dos
mais de 78 livros do mestre Stephen King, este foi o 42º que li e um dos
maiores escritos pelo autor. Devorei suas 960 páginas em
apenas nove dias do tanto que foi minha incapacidade de abandonar a leitura.
Foi adaptado para
série de TV com três temporadas horríveis. Uma redoma invisível e
intransponível surge subitamente, isolando do mundo os moradores da pequena
Chester's Mill, no Maine. As pessoas presas precisam encontrar seus próprios
meios de sobreviver com os recursos sendo reduzidos e tensões crescendo
exponencialmente. Tem um dos melhores vilões dos
livros King (Big Jim), um casal protagonista tão certinho e com a química de duas pedras sendo o homem um militar sem nenhum sex appeal e com o inacreditável
nome feminino de Dale "Barbie" Barbara.
6- UMA HISTÓRIA DOS
POVOS ÁRABES – Um livro clássico de Albert Hourani que nos permite conhecer os
elementos que construíram o mundo árabe. Tem início nos primórdios do Islã com o surgimento de
Maomé e as suas divisões que geraram diferentes correntes do islamismo. A segunda parte trata do ápice da
civilização islâmica até seu enfraquecimento entre os séculos XI e XV. A obra transporta o leitor para o mundo muçulmano, suas aldeias,
desertos, palácios e mesquitas. Ele aborda a era
Otomana, as guerras mundiais e do papel servil da mulher na cultura árabe onde o costume
dizia que uma mulher só deveria sair de casa três vezes na vida: para ser
conduzida à casa do marido, no enterro dos seus pais e quando ia ser enterrada.
7- O RECICLADOR- Esse
livro é um spin-off meio bastardo da famosa série Wild Cards, editada por
George R. R. Martin, autor de Game of Thrones e organizador dos livros de Wild Cards escritos por um
consórcio de mais de 40 autores sobre o espalhamento de um vírus
alienígena que contamina milhões de pessoas pelo mundo, matando a maioria dos infectados
(as Rainhas Negras) e alterando o DNA de outros, conferindo poderes estranhos a
alguns poucos (os Ases) e deformações horríveis aos demais (os Curingas). Nesse
pequeno livro, David Levine criou um infectado favelado carioca que descobre o
poder de criar um tipo de carapaça protetora feita de lixo. A história é muito
bobinha e sem emoção e cujo único atrativo é ter um personagem brasileiro
integrando a galeria dos infectados pelo vírus “Carta Selvagem”. A série já teve mais de 20 livros lançados nos EUA, com infelizmente apenas 9 deles
no Brasil.
8 a 11- OS BÓRGIAS – Essa série de quarto volumes de arte
erótica, criada pelo aclamado desenhista italiano Milo Manara e com roteiro de
um dos artistas multitalentos mais reconhecidos, o chileno Alejandro Jaborowsky
tem excelente qualidade em papel couchê e aborda política, religião, intrigas
palacianas, conspiração pelo poder, luxúria e incesto, um fiel panorama da
Igreja Católica durante a renascença italiana do final século XV. Os quatro
volumes são ricos em arte pornográfica e heresia, o que deve causar calafrios
em religiosos, mas não há nada nas imagens que não tenha acontecido nos quartos
nem tão secretos do Vaticano.
No volume 1: Sangue Para o Papa mostra o futuro
papa Alexandre VI ainda um poderoso cardeal tramando, subornando e matando seus
adversários no conclave que ocorreu após a morte do seu predecessor, o Papa
Inocêncio VIII já então famoso pela luxúria. Os quatro filhos de Rodrigo Bórgia
com a amante Vanozza, são Lucrécia, César, Giovanni e Jofre, cada um mais
devasso e perigoso do que o outro.
O
desenho dos corpos em detalhes e cores vivas são a marca registrada do
desenhista Milo. É chocante acompanhar o frenesi de violência de Rodrigo Bórgia
que manda cortar os pênis de 150 frades amantes do belo cardeal Júlio Rovere,
seu concorrente ao papado, além de matar o filho de outro cardeal
arrancando-lhe os olhos com uma colher. Rodrigo não hesita em entregar a sua
amante a um velho em troca de voto. Há
uma edição em capa dura que reúne os quatro volumes.
Nos volumes “Poder e Incesto”, “As Chamas da Fogueira” e
“Tudo é Vaidade” acompanhamos personagens como Leonardo da Vinci seduzido por
César Bórgia com seu próprio corpo para convencer o pintor a desenhar máquinas
de guerra e o filósofo Nicolau Maquiavel aconselhando César na guerra
contra a França contra o rei francês Carlos VIII. É ilustrada também a campanha
do dominicano Girolamo Savonarola que levou Florença ao que ficou
conhecido como Fogueira das Vaidades convencendo fiéis a queimar todos os objetos de arte e luxo, terminando por ser condenado à fogueira.
12- UM MOMENTO DE LOUROS VERDES - Terceiro livro que li do escritor, ensaísta e
dramaturgo norte-americano Gore Vidal. Este livro foi
lançado nos anos 50 quando o autor tinha 20 anos. Dos sete contos, gostei especialmente do “Troféu Zenner”, que tenho
certeza que inspirou Caio Fernando Abreu a escrever Aqueles Dois, do seu livro Morangos Mofados. Nos dois contos, a homossexualidade dos personagens nunca é
citada, mas eles são expulsos do colégio e da repartição devido
ao seu afeto mútuo suspeito. Ambos os finais são inesquecíveis. O do conto de Caio:
“Pelas tardes poeirentas daquele resto de janeiro, quase todos ali dentro tinham
a nítida sensação de que seriam infelizes para sempre. E foram”. E o do conto
de Vidal: “Ofuscado pelo clarão do sol, ele [o professor que expulsa os
rapazes], atravessou o quadrângulo, cônscio de que nada havia que pudesse
fazer”.
13- SE A RUA BEALE FALASSE – Segundo livro que li do norte-americano, ativista gay
e militante negro James Baldwin após o maravilhoso O Quarto de Giovanni. Este segundo livro teve adaptação para o
cinema que deu o Oscar e o Globo de Ouro à atriz Regina King. História de Tish que se descobre grávida do noivo Fonny, preso
injustamente pelo estupro de uma porto-riquenha. A mãe de Fonny viaja a Porto Rico para confrontar a suposta vítima do
estupro, ela também uma vítima do sistema, cena que no demonstra o enorme talento de Regina King. Os protagonistas negros enfrentam o peso do racismo sistêmico da polícia e
do Judiciário: “Acho que não tem um branco neste país que não fique de pau duro
ao ouvir um preto gemendo de dor”, diz o atormentado Fonny.
14- O MINISTÉRIO DA FELICIDADE ABSOLUTA - Segundo livro que li da autora
e ativista indiana Arundhati Roy mas que não me encantou tanto quanto o seu
livro de estreia: “O Deus das Pequenas Coisas”. Neste segunda obra, a autora traça uma teia intrincada envolvendo uma mulher
transgênero muçulmana, uma criança abandonada que quer ser chamada
de Saddam Hussein e uma jovem perseguida por sua luta pela
libertação da Caxemira, entre vários outros personagens numa
ode aos excluídos da Índia, retrato das violações de
direitos humanos em todos os terríveis aspectos do país. O livro reflete que num país com 300 milhões de deuses, a banalidade e
naturalidade das doenças, da fome, corrupção, torturas, guerras civis,
mendicância, filas gigantescas em hospitais imundos,
cemitérios habitados por indigentes... são tão
naturais que não chamam mais atenção, como uma paisagem que sempre esteve
lá.
15- SHALIMAR, O EQUILIBRISTA – O 10º livro que li de Salman Rushdie e que curiosamente aborda o mesmo tema do
livro da sua conterrânea Arundhati Roy: os conflitos na Caxemira. Como sempre, Rushdie dá um show sem se desviar do seu característico humor
fino, tornando este um dos seus melhores trabalhos. Uma história
épica de amor e vingança em meio a revoluções, atentados políticos, xenofobia,
limpezas étnicas e tabus religiosos que transcorrem em sessenta anos no século
XX. O relato tem início com a paixão
súbita e proibida de um embaixador americano na Índia por uma bela dançarina da
Caxemira, o que desencadeia acontecimentos trágicos.
16 - A CASA DOS ESPÍRITOS – Primeiro livro que li da chilena
Isabel Allende e seu maior sucesso. Confesso que por muito tempo
tive um preconceito mal justificado pelas obras da autora mas, felizmente acabei com isso e fiquei apaixonado pela sua escrita. O livro trata de
três gerações de uma família movida pelo amor, ódio e pela vingança, uma saga
familiar que se mescla com a turbulência política em um país latino-americano
não identificado. Uma frase do
protagonista Esteban Trueba resume o espírito
dramático e sociológico da possibilidade de revolução: “O marxismo não tem a mínima
possibilidade na América Latina, pois não contempla o lado mágico das coisas. É
uma doutrina ateia, prática e funcional. Não pode ter êxito aqui”.
17- A ARTE DA GUERRA- De Sun Tzu. Confesso que não sei por que li esse
livro, já que o não me interessa. Minto. Li porque ele é citado em tantos filmes e obras da cultura pop que achei que precisava ter
uma opinião. Obra clássica do pensador chinês Sun Tzu, escrita mais
de 500 anos antes de Cristo, é considerado o mais perfeito manual estratégico
para conflitos armados, mas que pode ser aplicado em outras áreas da
vida, tendo se transformado num tratado sobre planejamento e liderança e virado
uma febre entre os empreendedores modernos e até esportistas e artistas. Introduzido no Japão antes do
século I, desempenhou grande um papel na unificação do país. O próprio
Napoleão Bonaparte usou os ensinamentos nas suas guerras contra o
resto da Europa.
18 - POESIA REUNIDA – De Martha Medeiros. Nunca tinha lido nada dessa
autora gaúcha que já vendeu mais de um milhão de livros no Brasil e é considerada
uma das nossas maiores cronistas. Este volume é uma
seleção de poesias de seus quatro primeiros livros Strip-Tease, Meia-Noite e um
Quarto, Persona Non Grata e De Cara Lavada, escritos entre 1985 e 1995. Fiquei agradavelmente surpreso com a
descoberta dos textos dessa autora que tem uma profunda voz feminina com uma poesia direta, sensual e ao mesmo tempo simples e riquíssima. Exemplos: “fui vista em
festas que nunca fui/esquiando na neve que nunca vi/falando com gente que
sequer conheço/incrível como minha vida evolui/nas horas em que não me
pertenço”. Ou em quase haicais como “fica o dito/pelo maldito” e “quando dou
pra ti/sou mulher/quando dou por mim/solidão”.
1 comment:
Parabéns! Ótimos livros e resenhas !
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