Escrito pelo mineiro Lúcio Cardoso em 1959, esta obra-prima integra o livro 1.001 Livros Para Ler Antes de Morrer e é considerado um dos dez melhores romances brasileiros de todos os tempos. Acabo de lê-lo e, em minha opinião, está empatado em 1º lugar com Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa, e ganha de Memórias Póstumas de Brás Cubas e de Dom Casmurro, de Machado de Assis, tal sua qualidade.
A obra, pouco lida e comentada no
Brasil, ficou esgotada por anos, chegando a ser comercializada por mais de um
salário mínimo. Felizmente, este ano, a Cia das Letras relançou o romance em
uma edição caprichada.
Crônica da Casa Assassinada é um
romance epistolar, composto por cartas, diários e depoimentos de dez
personagens com narrativa não linear e fragmentada por pontos de vistas
diferentes e às vezes contraditórios. O capítulo inicial é um soco no estômago
e o capítulo final deixa o leitor de queixo caído pela capacidade de ainda ser
surpreendido, após quase 550 páginas num desfecho inimaginável. A pessoa que
terminou de ler esse livro, dificilmente será a mesma que iniciou sua leitura,
tal o impacto que continuará por um bom tempo na sua memória.
Essa é a história de uma família em decadência no interior de Minas Gerais vivendo na sede da Chácara dos Menezes, uma casa dilapidada que é talvez o personagem mais importante da obra, já que não só é habitada pelos Menezes, como os aprisiona a um passado que jamais retornará.
Os Menezes são três irmãos
totalmente diferentes: Demétrio, primogênito mais afetado pelo passado, Valdo,
o mais comum, e Timóteo, homossexual e vergonha para todos, meio louco,
eternamente escondido num dos quartos da velha casa, engordando imensamente e tramando uma
vingança contra os demais.
A chegada da bela Nina,
recém-casada com Valdo, desencadeia todas as crises que se estabelecerão. O que
se urdia no subterrâneo da família aflora e Nina torna-se o centro de uma
dinâmica totalmente destoante do que até então imperava. Ela recebe o amor frio
de Valdo, os ciúmes da cunhada Ana, a paixão doentia de Demétrio, a aliança de
vingança com Timóteo, a relação tumultuada com o filho André, a relação
passional com o Coronel e com o jardineiro Alberto. Todos os sentimentos
violentos surgem com a presença de Nina e ela não poderá ficar impune. A Casa,
como uma entidade, em si, ou através dos que nela habitam, não saberão aceitar
paixões tão intensas.
Chico Felitti, escritor do
prefácio do livro, aponta que a matriarca da casa é a própria casa com sua
atmosfera fantasmagórica. O livro tem ecos do romance gótico norte-americano O
Som e a Fúria, de William Faulkner, acerca da decadência de uma família através
das vozes de diferentes narradores; e também de O Morro dos Ventos Uivantes, de
Emily Brontë, que aborda desavenças e paixões familiares em torno de uma velha
propriedade isolada.
Neste trecho Nina aconselha o
filho André sobre como lidar com o pecado: “Assuma o seu pecado, envolva-se nele.
Não deixe que os outros o transformem num tormento, não deixem que o destruam
pela suposição de que é um pusilânime, um homem que não sabe viver por si
próprio. Nada existe de mais autêntico em sua pessoa do que o pecado— sem ele
você seria um morto”. É uma exortação para a liberdade, mas para os Menezes, a
liberdade é um passado voando com gaiola e tudo.
Crônica da Casa Assassinada foi indicado pela BBC
como um dos livros que precisavam ser lidos no verão de 2016 e em 2017, ganhou o prêmio
BTBA de Melhor Livro Traduzido. Seus direitos foram vendidos para uma editora
holandesa e vai virar um filme.
Evoé, Lúcio Cardoso!
1 comment:
Não conhecia o autor. Sua resenha despertou em mim a vontade de conhecê-lo por meio da leiutura de sua obra maior.
Post a Comment