A primeira vez que ouvi falar deste livro foi no Manhattan
Connection, onde o autor Simon Sebag Montefiore foi incensado pelo lançamento de
outra obra monumental: “Os Romanov”, a história de 300 anos da dinastia dos
czares russos. Dei logo um jeito de devorar as mais de 900 páginas dos Romanov
e até escrevi uma entusiasmada resenha no blog.
Os críticos rasgaram elogios à ambiciosa empreitada de
Montefiore de escrever uma verdadeira biografia da cidade santa de Jerusalém e
seus mais de 3.000 anos de história. Atirei-me sobre as 640 páginas do livro,
convencido de que a história de Jerusalém não seria menos impressionante do que
a história dos Romanov.
Acabo de encerrar a leitura que poucas vezes
consegui interromper, frequentemente adentrando madrugadas. A obra é
acompanhada de mapas dos diferentes períodos históricos passados por Jerusalém,
dezenas de fotografias e árvores genealógicas das dinastias que dominaram a
região desde os primeiros cananeus, sacerdotes e reis judeus de Davi e Salomão
até Herodes, cristãos levantinos, papas, cruzados europeus, egípcios, persas,
assírios, babilônios, gregos, romanos, patriarcas ortodoxos russos, árabes e
sultões otomanos.
Simon Montefiore levou anos na pesquisa para o livro
explicando que tal tempo foi necessário por não desejar criar uma obra seca
para acadêmicos. Queria vida no livro e decidiu que deveria não somente se ater
aos fatos históricos, mas tratar Jerusalém como uma personagem em si. Por isso
deveria ser uma biografia da cidade e suas pessoas, quase um romance. Acabou
criando um épico!
Lá estão todos aqueles personagens históricos que
conquistaram, destruíram ou edificaram os lugares sagrados de Jerusalém. Todos
os reis e profetas, sultões, paxás, czares, imperadores e homens santos e suas
guerras religiosas. Passaram pelas ruas da cidade e
pelas páginas do livro Salomão, Ramsés, Abraão, Moisés, Jesus Cristo, João
Batista, Herodes, Pilatos, Maomé, Cleópatra, Cesar, Marco Antônio, Nero,
Calígula, Ciro, Alexandre, o Grande, Saladino, Rasputín, Ricardo Coração de
Leão, Constantino, Napoleão...Cada um com um generoso espaço para brilhar nas
páginas da biografia.
Jerusalém é retratada como a verdadeira arena sanguinolenta
que é de disputa das três religiões monoteístas (o chamado povo d’O Livro),
convivendo em tensão permanente em espaços sagrados como a Esplanada das
Mesquitas dos muçulmanos, o Muro das Lamentações dos judeus e a Igreja do Santo
Sepulcro dos cristãos latinos, coptas, armênios e gregos ortodoxos, esses
últimos em eterna disputa fratricida interna.
O livro tem início com a conquista de Jerusalém pelo seu
futuro rei Davi 1.000 anos antes de Cristo, quando o local não passava de uma
antiga povoação sobre uma montanha onde os habitantes enfrentavam verões
abrasadores e invernos gelados. O lugar acabou tornando-se em pouco tempo o
palco previsto para o Juízo Final e um eterno campo de batalha das maiores
civilizações, palco de fanatismos e intolerâncias.
Dezenas de vezes destruída e reconstruída, bombardeada e
sitiada, Jerusalém é um barril de pólvora no meio do Oriente Médio, com Israel cercado dos inimigos Egito, Arábia Saudita, Síria, Jordânia, Líbano,
Irã, Iraque e Turquia.
A narrativa passa por períodos históricos, cada um deles
capaz de preencher centenas de livros, como as duas guerras mundiais,
as Cruzadas, o holocausto, as guerras napoleônicas, até as disputas
territoriais atuais, encerrando a obra com os fatos que geraram a partilha de
Jerusalém após o reconhecimento da ONU em 1967, na icônica Guerra dos Seis
Dias.
O autor Simon Montefiore em Jerusalém |
Jerusalém é uma cidade que mexe tanto na estrutura psicológica
de muitas pessoas que o British Journal of Psychiatry relatou que desde 1930 foi
diagnosticado o que a Medicina nomeou “Síndrome de Jerusalém”. Trata-se de uma
descompensação psicótica relacionada à excitação religiosa pela proximidade dos
lugares santos.
Um dos muitos peregrinos que chegaram à cidade com essa ideia
fixa foi o escritor russo Nicolai Gógol que em 1848, entrou na cidade em
elevado fervor religioso. Ele já era reconhecido internacionalmente pelas obra-primas O Inspetor Geral e Almas Mortas, mas acreditava que Deus estava bloqueando sua
capacidade de escrever para punir seus pecados. Convenceu-se de que suas obras
eram pecaminosas, destruiu seus manuscritos e jejuou até a morte.
Mas Jerusalém também era famosa pela vida mundana que acompanhava
êxtases religiosos, com bairros inteiros dedicados à depravação e bordéis com
adolescentes judias e europeias para todos os gostos ao ponto de tornarem-se
focos de doenças venéreas, como narrou outro escritor famoso, o francês Gustave
Flaubert, autor de Madame Bovary que se dedicou, em sua visita à cidade, a
orgias monumentais como jamais vira na sua vida.
Se a visão de êxtase religioso de Gógol se opunha à de
depravação sexual de Flaubert, a opinião do escritor britânico
vitoriano William Thackeray, autor do célebre A Fogueira das Vaidades, vai
além, ao declarar estupefato: “Não há um único lugar para o qual se olhe em
Jerusalém onde não tenha sido cometido algum feito violento, algum massacre,
algum visitante assassinado, algum ídolo cultuado com ritos sanguinários”.
Jerusalém é um mosaico cultural intrincado, um caldeirão de
guerras santas e paixões, de traições e matanças, de êxtases e espiritualidade,
de misticismo e história. Tudo em maiúsculas, em abundância e misturado. Por trás de cada pedra, de cada muro, de cada
palavra há um mundo se descortinando.
Para quem gosta de história, o livro é um achado; para quem
tem alguma fé, é essencial; e para quem quer entender a geopolítica atual, é
obrigatório.
1 comment:
Você despertou meu interesse.
Vou adquire a obra.
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