13.12.18

WOLF HALL E O LIVRO DE HENRIQUE


Recentemente publiquei uma postagem comentando 10 livros sobre a história da dinastia inglesa dos reis Plantagenetas, da Inglaterra, escritos por Jean Plaidy. Continuando com livros sobre reis ingleses da Idade Média, quero falar sobre dois livros que li recentemente e que envolvem a dinastia seguinte à dos Plantagenetas: os Tudors, especialmente o rei Henrique VIII.

Tratam-se dos livros Wolf Hall e O Livro de Henrique, de autoria de Hillary Mantel, outra inglesa e que têm um mérito extra, uma vez que sua autora ganhou o prêmio mais importante da língua inglesa, o Booker Prize,  sendo a única mulher a ganhar o prêmio duas vezes, em 2009 e 2012, com as duas obras respectivamente, algo mais raro ainda por serem romances históricos. Espera-se para breve o final da trilogia, com o livro, ainda sem título em Português, que se chamará The Mirror and The Light.

O trabalho de Hillary Mantel é mais interessante porque, ao invés de dirigir sua narrativa para a vida do rei Henrique, ela torna o monarca quase coadjuvante, ao focar em Thomas Cromwell, um personagem sombrio e polêmico, talvez um dos mais inteligentes e hábeis manipuladores de toda História.

Em Wolf Hall, que custou cinco anos de intensa pesquisa para a sua autora, estamos nas primeiras décadas de 1.500. quando Henrique VIII está separado da sua primeira esposa, Catarina de Aragão, e o superpoderoso cardeal Wolsey cai em desgraça por não conseguir que o papa Clemente concedesse o divórcio para o rei. Henrique, que não tem herdeiros masculinos, se encanta pela ambiciosa Ana Bolena e para se casar com ela precisava da anulação do casamento anterior, lembrando que na Idade Média, os monarcas sofriam grande influência da Igreja Católica de Roma e um édito de excomunhão era a ameaça mais forte que o papa usava para impor seu poder.

Thomas Cromwell aparece para resolver esse problema com sua notável habilidade de manipulação após a queda do cardeal Wolsey, de quem fora secretário, e em seguida tramar a prisão e decapitação do chanceler seu rival Thomas More (famoso também como filósofo e autor do clássico livro Utopia).

No livro, acompanhamos a escalada de Cromwell desde criança quando foge dos espancamentos frequentes do pai violento e alcoólatra até surgir anos depois como homem de confiança do cardeal e seguimos o jogo de intriga, influência e poder, sempre sob a ótica do próprio Cromwell.  

Cromwell pintado por Holbein
É preciso se acostumar inicialmente com o estilo diferente de narrativa já que Hilary Mantel utiliza-se muitas vezes de diálogos quase cifrados, como seria comum em tramas complexas em que meias palavras são ditas e subtendidos são abundantes. Cromwell é tratado no livro por “ele”, o que demanda uma atenção do leitor, mas que logo o torna uma espécie de cúmplice privilegiado da teia traçada por Cromwell, a última pessoa no mundo que qualquer um quisesse ter como inimigo.

Neste livro, acompanhamos o sucesso do habilidoso Cromwell em levar adiante as reformas, tanto do parlamento quanto da igreja, a dissolução de mosteiros e de ordens religiosas, a sonhada anulação do casamento do rei com Catarina, o ostracismo e decadência da então rainha e sua herdeira Maria e a ascensão de Ana Bolena e sua ambiciosa família, que finalmente se casa com o rei, levando Cromwell a se tornar ainda mais influente rico e poderoso, acumulando simultaneamente cargos de conselheiro, barão, duque, arquivista mor, secretário geral e primeiro ministro.

Wolf Hall teve críticas entusiasmadas dos maiores periódicos do mundo. Segundo o The Observer: “É um livro belo e profundamente humano, um espelho negro pendurado sobre o nosso mundo. E o fato de a conclusão acontecer apenas depois de o pano cair só prova que Hilary Mantel é uma das nossas mais corajosas e brilhantes escritoras”. Para o The Times é simplesmente “O livro mais cativante que alguma vez você lerá”; o Daily Telegraph o saúda como “Um livro esplendidamente ambicioso”, enquanto o Guardian o trata como “Uma investigação envolvente e humana sobre o preço da ambição”.

Já a segunda parte da trilogia, O Livro de Henrique, tem o título original de "Bring Up the Bodies", algo como "tragam os corpos", que é a terminologia jurídica para que os réus fossem levados perante a corte para ouvir as acusações.

Aqui a manipulação de Cromwell a serviço do rei se volta contra Ana Bolena e sua agora poderosa família. A segunda esposa de Henrique também não lha dá um filho e sim outra filha, que no futuro viria a ser a rainha Elizabeth I. Após todo o esforço para conseguir a anulação do seu primeiro casamento, agora o rei perde o interesse por Ana Bolena e se volta para outra donzela, a meiga Jane Seymour, dama de companhia das duas rainhas anteriores. 

Ana Bolena passa a provar do próprio veneno e uma orquestração nos bastidores, envolvendo toda a família, a levam para o cadafalso e uma conspiração faz com que Cromwell forje as acusações que levam à decapitação dos vários dos seus supostos amantes, entre eles o seu próprio irmão George Bolena, acusado de incesto.

Henrique por Holbein
No cinema a história de Ana Bolena já foi contada nos filmes Ana dos Mil Dias de 1969 que premiou Geneviève Bujold no papel da rainha com o Globo de Ouro, tendo uma indicação ao Oscar e teve no papel do rei Henrique o ator Richard Burton. 

Em 1966 o filme O Homem Que Não Vendeu Sua Alma mostra a participação decisiva de Cromwell como o acusador do chanceler Thomas More. A atriz Vanessa Redgrave faz o papel de Ana Bolena e o ator Orson Welles interpreta o cardeal Wosley. O filme está disponível na Netflix e ganhou na época seis prêmios Oscar nas categorias de melhor filme, diretor, ator (para Paul Scofield no papel de Thomas More), roteiro adaptado, fotografia e figurino.

Mais recentemente, no filme A Outra, temos Natalie Portman como Ana, Scarlett Johansson como sua irmã Maria Bolena e Eric Bana no papel do rei Henrique. A série Os Tudors teve quatro temporadas e fez grande sucesso com o galã Jonathan Rhys Meyers no papel principal do rei inglês.

Wolf Hall, o primeiro livro, virou minissérie em seis capítulos e passou no Brasil pela Netflix com o ator Damian Lewis (famoso pelas séries Homeland e Billions) no papel de Henrique VIII.


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